Ano XXV - 29 de março de 2024

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CONCENTRAÇÃO BANCÁRIA - JUROS ALTOS, CRÉDITO ESCASSO


REVISTA POR SINAL #56 - SEM FANTASIA

REPRESENTANTES SINDICAIS COLOCAM A BOCA NO TROMBONE

São Paulo, 30/03/2018 (Revisada em 20/02/2024)

5. CONCENTRAÇÃO BANCÁRIA - JUROS ALTOS, CRÉDITO ESCASSO

SEGUNDO DADOS DO BC, OS QUATRO MAIORES BANCOS DO BRASIL CONCENTRAM 78,65% DO MERCADO DE CRÉDITO. SEM CONCORRÊNCIA, ELES AUMENTAM SEUS LUCROS APESAR DA QUEDA DA TAXA SELIC.

Por JEFFERSON GUEDES repórter da Revista Por Sinal #56 - FEV/2018 - Editada pelo SINAL - Sindicato dos Funcionários do Banco Central.

COSIFE: Defendendo o empreendedorismo dos dirigentes das instituições de pequeno e médio portes existentes no sistema financeiro, sindicalistas BOTAM A BOCA NO TROMBONE.

"O caminho para enfrentar a concentração passa pela regulamentação do mercado e pelo fortalecimento dos bancos públicos. Só assim esses bancos poderão reorientar suas políticas, abaixar as taxas de juros e com isso ampliar a oferta de crédito". JOÃO SICSÚ - ECONOMISTA DO INSTITUTO DE ECONOMIA DA UFRJ

"O Banco Central tem os instrumentos técnicos para avaliar a concentração bancária. Mas uma maior participação do Cade será relevante, porque essa instituição teria um olhar mais crítico sobre operações de fusão, por exemplo". IONE AMORIM -  PESQUISADORA DO IDEC

A redução das taxas de juros é uma reivindicação antiga de vários setores da sociedade. Afinal, todo mundo sabe que a retomada do crescimento é praticamente impossível sem que haja crédito mais barato que permita o investimento empresarial e a geração de empregos.

NOTA DO COSIFE:

E todo mundo também sabe, exceto os economistas ortodoxos, que os empresários são obrigados pelas circunstâncias a aumentarem os preços pagos pelo consumidor quando o custo de sua produção é aumentado pelos altos juros cobrados pelos grandes agiotas legalizados pelo Banco Central.

Sendo assim, o sonho de consumo de todas as torcidas era ver a Selic retornar ao piso de novembro de 2012, quando a taxa foi fixada em 7,25% - até então, o menor patamar da série histórica do Copom iniciada em junho de 1996, com juros que chegaram a quase 50% em plena era do REAL.

Percebendo a besteira que fizeram naquela época e também depois da saída de Guido Mantega do Ministério da Fazenda, os membros do COPOM resolveram igualar a atual taxa de juros aos patamares de 2012.

Pois bem, o dia 6 de dezembro de 2017 veio, em tese, ao encontro dessa expectativa. Nessa data, o Copom promoveu o décimo corte consecutivo da Selic, levando a taxa básica de juros à mínima histórica de 7%. Apesar disso, não houve a festa que se imaginava. Por quê?

Em vez de comemoração, um sentimento de perplexidade ecoou em toda a mídia.

Por que os juros dos bancos não caem na mesma velocidade?

Enquanto alguns economistas totalmente desnorteados insistem que a explicação está nas taxas de risco, na inadimplência, nos impostos e no recolhimento compulsório, aos poucos, ganha espaço uma avaliação que os sindicalistas editores da Revista Por Sinal fazem há bastante tempo: não se pode discutir a questão dos juros altos sem analisar o aumento da concentração bancária. Verdadeiro CARTEL.

É verdade que a recessão provocada pelos empresários que passaram a comprar da China, gerando desemprego aqui, afetou a saúde das outras empresas por falta de consumidores e em razão do consequente aumento dos calotes, o que contribuiu, evidentemente, para a elevação do custo do crédito empresarial. Afinal, os grandes bancos precisavam recuperar o dinheiro perdido com as inconsequentes políticas econômica e monetária adotadas pelos economistas a serviço dos inimigos dos trabalhadores.

Ainda que essa lógica também se aplique ao crédito para pessoas físicas, não justifica o fato de continuarem com taxas estratosféricas mesmo em um cenário de redução gradual da inadimplência, desde 2012.

NOTA DO COSIFE:

Na realidade o aumento do desemprego também aumentou a definitiva inadimplência daqueles nunca mais poderão pagar suas contas.

O percentual da  inadimplência em relação ao Total de Ativos (empréstimos concedidos) logicamente diminuiu porque os banqueiros lançaram tais dívidas de terceiros (seus créditos) como prejuízo para que pudessem pagar menos imposto de renda (IRPJ) e contribuição social sobre o lucro líquido (CSLL), já que seus lucros têm sido excessivamente altos.

Motivado pelo constante alto índice desemprego e pelas absurdas Políticas Econômica e Monetária tem aumentado o número de favelados, com o consequente aumento da criminalidade.

Quem não sabe disso?

Só não sabem aqueles que querem implantar no Brasil a 4ª Revolução Industrial (INDUSTRIA 4.0) para que todos os operários fiquem definitivamente desempregados.

Veja em A Crise do Desemprego - Estrutural e Conjuntural.

Em outubro passado (2017), segundo o Banco Central, a taxa média no crédito pessoal, por exemplo, estava em 132% ao ano para uma inadimplência de 8%. Já em novembro de 2012, com a Selic a 7,25% ao ano, o juro no crédito pessoal estava em 66,3%, bem abaixo dos níveis atuais, mesmo com a inadimplência sendo maior, de 8,8%, o que é difícil de acreditar que seja verdade.

A FORMAÇÃO DO SPREAD

Ou seja, definitivamente, o problema dos juros altos não pode ser resumido à inadimplência.

NOTA DO COSIFE:

Foi a quase falência (insolvência) de grandes instituições financeiras que obrigou a expedição da Resolução CMN 4.502/2016. Esta criou todo um esquema, chamado de Plano de Recuperação (Ordinária ou Extrajudicial).

Esse importante fato deu-nos  a certeza de que todo o sistema financeiro estava sendo vítima do tão propalado RISCO SISTÊMICO, situação em que acontecem falências encadeadas a exemplo do que aconteceu nos Estados Unidos em 2008 quando o desemprego e a artificial redução dos salários causou a insolvência do especulativo sistema de crédito hipotecário.

No Brasil o setor imobiliário também foi um dos mais prejudicados pelos inimigos dos trabalhadores. O mesmo aconteceu com os micros, pequenos e médios empresários. Tudo isto também resultou na redução das vendas de automóveis, eletrodomésticos e eletrônicos.

Para piorar a inadimplência e a não recuperação de bens financiados pelo sistema financeiro, em 09/01/2018 foi sancionada a Lei 13.606/2018 que permite o Bloqueio de Bens do Devedor do FISCO, assim praticamente impedindo que o inadimplente possa trabalhar para pagar suas dívidas.

O professor João Sicsú, que foi diretor de Políticas e Estudos Macroeconômicos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) entre 2007 e 2011, questiona inclusive o peso que se dá à inadimplência na composição do spread bancário.

O primeiro questionamento está nas diferentes abordagens utilizadas para realizar o cálculo do índice de inadimplência. Isso porque o conceito que os bancos adotam para inadimplência (do Acordo de Basileia II), não se limita aos casos em que a instituição considera totalmente improvável que o devedor honre suas obrigações. “Atrasou o pagamento por mais de 90 dias conta como inadimplência também”, explica. É por este motivo que Sicsú entende que o índice de inadimplência é superestimado.

Veja os textos deste COSIFE sobre As Inócuas Regras do Comitê de Supervisão Bancária e sobre Os Dilemas da Supervisão Bancária.

O outro fator, que bem poderia fazer parte de uma obra de Kafka, é que frequentemente o tomador de empréstimo financia a própria inadimplência. Isso acontece quando os bancos fazem o empréstimo com a venda casada de um seguro que garante à instituição financeira receber o recurso caso o cliente não pague a dívida.

O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), referência fundamental na luta pelos direitos dos cidadãos, denunciou essa venda casada em 2014. Na época, os seguros eram embutidos nos contratos de empréstimo pessoal sem autorização prévia do consumidor. Hoje, o cidadão é informado da existência do seguro. Mas não tem como abrir mão dele.

Num cenário como esse, não é de se estranhar que o último Relatório de Estabilidade Financeira do Banco Central tenha concluído que os bancos tiveram um aumento da sua resiliência. Apesar de estarem cada vez mais fortes, os bancos seguem mantendo a restrição ao crédito mesmo tendo mais instrumentos para fazer frente à inadimplência.

A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) defende a tese de que o país tem erros regulatórios e legais que impedem a queda do spread. A entidade inclusive contratou um estudo junto à consultoria Accenture para provar que o Brasil demanda o maior percentual de custo de provisão para devedores.

Em entrevista à Míriam Leitão, colunista do jornal “O Globo”, o presidente da Febraban, Murilo Portugal, reconheceu que o nosso sistema bancário é concentrado, mas acrescentou que concentração não leva, necessariamente, à falta de competição.

Mas será que os bancos têm alguma razão para baixar suas taxas, já que praticamente não existe concorrência no sistema bancário brasileiro?

Os números não mentem a este respeito. Em 2007, Banco do Brasil, Bradesco, Caixa Econômica e Itaú Unibanco detinham, juntos, 52,58% de todos os ativos financeiros. Dez anos depois, os grandes players do mercado controlam 72,98% de todos os ativos. É o recorde histórico da concentração bancária no país. A título de comparação, os quatro maiores bancos americanos detinham, em 2015, 42% do total do mercado, conforme levantamento do Banco Mundial.

No México, a segunda economia da América Latina (atrás apenas do Brasil), os cinco maiores bancos controlavam 70% do mercado naquele ano. No Chile, 67%. A média mundial de concentração bancária, segundo o FMI, é de 40%. O Brasil, com seus 72,98%, seria um dos maiores exemplos de concentração no mundo.

É verdade que o país não chega a ser uma exceção, já que Canadá, França e Espanha também apresentam níveis elevados de concentração. Nesses países, a participação dos três bancos líderes supera 60% dos ativos do setor.

CRÉDITO ESCASSO

O problema é que a concentração bancária no Brasil tem desdobramentos bastante perniciosos à economia.

NOTA DO COSIFE:

O principal dano à economia como um todo é o aumento dos custos operacionais das empresas que é repassado aos consumidores, assim gerando inflação porque, quanto maiores forem os juros, maior será o índice de inflação.

Também é certo que a inflação acontece em razão da ganância dos ESPECULADORES associados em CARTEL. Se não houver ESPECULADORES não haverá aumento de preços ao consumidor sem que haja o efetivo aumento dos Custos de Produção.

Só os economistas ortodoxos não sabem disso. São ANALFABETOS FUNCIONAIS.

Segundo dados divulgados pelo mesmo Relatório de Estabilidade Financeira do BC, os quatro grandes bancos concentram 78,65% do mercado de crédito. Ou seja, o grupo empresta cerca de R$ 4 de cada R$ 5 disponíveis para empréstimos.

Não é preciso ser um gênio da economia para saber que não faz bem para o país tamanho nível de concentração da oferta de crédito. Se olharmos os exemplos mundiais, seria incorreto dizer que concentração bancária é sinônimo de juros altos. Mas, entre nós, a concentração joga contra os clientes, que ficam sem opções para barganhar e procurar outro banco.

A questão da portabilidade, inclusive, foi um complicador no primeiro semestre de 2012, época em que a presidente Dilma Rouseff utilizou os bancos públicos para forçar a queda dos juros e spreads.

A iniciativa foi positiva, houve temporariamente uma redução dos juros que chegou a fazer um pequeno incômodo no mercado”, avalia Ione Amorim, economista do Idec.

O problema, a seu ver, é que havia barreiras para a portabilidade de crédito. Isso dificultava, por exemplo, a transferência para o BB de uma dívida assumida por um cliente do Itaú. Por conta disso, era mais difícil para o consumidor aproveitar a maré dos juros mais baixos nos bancos públicos.

As barreiras contra a portabilidade de crédito foram removidas em dezembro de 2013 com a Resolução 4.292, editada pelo Conselho Monetário Nacional. Só então o governo fixou novas regras para o funcionamento da portabilidade de crédito para pessoas físicas. Ocorre que a Resolução veio em um momento em que as taxas de juros já estavam em tendência de alta. O erro do governo Dilma, segundo Ione Amorim, foi justamente não casar a redução dos juros com regras mais flexíveis para a portabilidade.

A ATUAÇÃO DO BC

Avaliar o papel do Banco Central no crescimento da concentração bancária exige tanto uma análise conjuntural quanto estrutural.

NOTA DO COSIFE:

Na verdade a política de fortalecimentos das instituições bancárias brasileiras iniciou-se nos Governos Militares no sentido de  possibilitar que a União de Bancos Brasileiros pudesse concorrer com os bancos estrangeiros que eram muito fortes no Brasil, praticamente impedindo que os banqueiros brasileiros saíssem do sufoco causado por eles.

Observe que o Banco Moreira Sales foi o que iniciou essa União de Bancos Brasileiros que se transformou no UNIBANCO, recentemente incorporada ao Banco Itaú. Este também foi incorporando dezenas de outros bancos ainda durante o regime militar tal como também aconteceu com o Banco Brasileiro de Descontos, o atual BRADESCO.

Digamos que aquela política dos milicos foi de ordem nacionalista ou de nacionalização do sistema financeiro muito a contragosto dos brasileiros elitistas que até os dias de hoje ainda alimentam aquele velho COMPLEXO DE VIRA-LATAS desnudado por escritor e dramaturgo Nelson Rodrigues.

Hoje em dia, muitos dos descendentes daqueles VIRA-LATAS ainda preferem que nossas riquezas fiquem sob o controle de estrangeiros, por isso sempre querem a privatização ou a internacionalização de tudo que ainda seja nosso.

Quando se recua à época do Plano Real, observa-se que o BC contribuiu para a concentração bancária, por exemplo, ao aprovar a venda do Bamerindus ao HSBC, em 1997. A atitude desagradou aos 600 acionistas minoritários do Banco Bamerindus, que juntos totalizavam 3,4 milhões de ações. Esse grupo, inclusive, deu carta branca para que uma equipe de advogados entrasse na Justiça contra o Banco Central.

O HSBC, além de receber generosos recursos do governo para assumir o controle do Bamerindus, mais tarde transferiu toda sua atuação no Brasil para o Bradesco, recebendo US$ 5,2 bilhões por isso.

Isto significa que mais uma vez foi efetuada A Internacionalização do Capital Nacional brasileiro em Paraísos Fiscais, desta vez sem a utilização do Mercado de Câmbio de Taxas Flutuantes, mas, ainda, com a anuência dos dirigentes do Banco Central.

Ainda na era FHC, o Banco Central foi favorável à progressiva liquidação dos bancos estaduais, seguindo a lógica neoliberal de privilegiar o fortalecimento dos bancos privados. Se tivessem refletido sobre a realidade americana, onde ainda existem bancos regionais funcionando como bancos de varejo, provavelmente seguiriam outro caminho.

Deixando de lado o passado, o que tem feito o BC nos dias de hoje para enfrentar a questão da concorrência bancária?

A atuação da autarquia vem sendo bastante questionada, inclusive no Congresso, por ser tímida demais e não oferecer medidas efetivas que levem ao aumento da concorrência entre os bancos.

Na última audiência realizada na Câmara em 2017, o presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, relativizou a concentração bancária brasileira e afirmou que ela se compara àquela observada em muitos países europeus. Visivelmente, Goldfajn fez este recorte mirando França e Espanha, ignorando a avaliação crítica do FMI, que não vê com bons olhos a concentração bancária sempre que um país supera a média mundial. Há outro fator que obriga a relativizar qualquer comparação com França e Espanha: a relação crédito/PIB, que compara a pujança da economia com o volume de crédito disponível. A média mundial está na casa de 130%.

Entre os países-membros da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), que inclui França e Espanha, a relação crédito/PIB está na casa dos 147%. No Brasil, esta relação é de apenas 48,6% do PIB. Então, mesmo que França e Espanha tenham elevados graus de concentração bancária, como o Brasil, nesses países a oferta de crédito é bem maior e com juros muito inferiores aos cobrados no Brasil.

TÍTULOS INDEXADOS

O crédito escasso é facilmente explicável. Em vez de fazer negócios com seus clientes, os bancos brasileiros preferem comprar papéis do governo atrelados à Selic. Isso cria um link desnecessário entre as necessidades de refinanciamento da dívida da União e a dinâmica das empresas e das famílias.

NOTA DO COSIFE:

Há a necessidade do refinanciamento da dívida assumida para cobrir défices orçamentários causados pela falta de arrecadação tributária.

A arrecadação tributária brasileira incide mais sobre o consumo popular e, com o alto índice de desemprego, acontece a recessão e com esta não há consumo.

Não havendo consumo, as empresas não têm lucros tributáveis. E, assim, sucessivamente, gerando a recessão.

A inflação, em tese, só deixa de existir quando há desemprego em massa. Em razão da falta de salários o povão deixa de comprar e, por isso, os empresários varejistas fecharam suas portas.

Assim, a inadimplência causa a insolvência dos bancos, gerando mais desemprego e consequente menos consumo e menos arrecadação tributária.

Desse jeito a dívida pública só aumenta porque é preciso captar dinheiro para que os serviços públicos não sejam paralisados.

Como de fato o governo não está arrecadando os tributos necessários, com a falta de atividade econômica, ninguém tem dinheiro para investir em títulos públicos.

Acontecendo desse modo, a taxa de juros precisa ser aumentada para que se possa captar de novos investidores (de especuladores), gerando inflação porque a maior taxa de juros aumenta o custo operacional das empresas ainda existentes, só que elas estão prestes a falir porque os consumidores estão desempregados.

Desse jeito, está ficando cada vez mais visível o caos econômico e social provocado pelo total desgoverno das nossas políticas econômica e monetária.

Segundo dados do Tesouro, a participação dos títulos vinculados à Selic saltou de 22,8% da dívida, em 2015, para 28,2%, em 2016. Para 2017, o Tesouro trabalha com uma participação desses papéis de no mínimo 29% do total da dívida. “Em nenhum lugar do mundo a taxa básica de juros indexa a dívida pública”, afirma João Sicsú.

Ele lembra que o senador Lindbergh Farias (PT-RJ) apresentou, em 2011, o Projeto de Lei 529 para vedar a emissão de títulos da dívida pública remunerados pela Selic e por taxas de câmbio. A mudança, se aprovada, não entraria em vigor imediatamente, pois haveria prazo de dois anos até que não houvesse títulos atrelados à Selic. Mesmo assim, a iniciativa do senador está parada na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado desde 13/12/2016.

Isso não chega a surpreender. Afinal, o governo e o BC parecem seguir outros caminhos para fomentar a concorrência bancária. Em julho de 2017, por exemplo, entrou em vigor a norma que segmentou o sistema e adotou requerimentos regulatórios proporcionais à complexidade e tamanho da instituição. Com isso, bancos menores devem seguir regras mais simples, o que teoricamente pode estimular a concorrência bancária. A medida faz parte da “Agenda BC+”, no pilar “Sistema Financeiro Nacional mais Eficiente”.

Integram o rol de medidas a regulamentação da Letra Imobiliária Garantida (novo instrumento de financiamento ao mercado imobiliário), a criação do registro eletrônico de garantias para empréstimos, as consultas públicas para regulamentação de fintecs (empresas de base tecnológica que oferecem serviços financeiros, como crédito), a tramitação da proposta do novo cadastro positivo, o novo marco legal para punição de instituições financeiras e a implementação da polêmica TLP (Taxa de Longo Prazo), a partir deste ano.

A TLP veio substituir a TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo), que desde 1994 é usada nos contratos do BNDES para fomentar os investimentos privados com taxas mais baratas do que aquelas praticadas pelos bancos comerciais. A TLP sinaliza o início de uma nova era no banco em que a instituição passa a receber cada vez menos subsídios da União. Ao contrário da TJLP, que era definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), a TLP vai gradualmente se igualar à taxa de mercado, tomando como base um dos títulos da dívida pú- blica. Com isso, o custo dos empréstimos do BNDES aumentará sempre que as taxas de juros de mercado subirem.

Para o presidente do BC, a TLP vai democratizar a taxa de juros no Brasil. Goldfajn avalia que a TLP vai liberar espaço no orçamento público e promover o uso mais eficiente dos recursos de crédito disponíveis na economia.

Já aqueles que são contrários à substituição da TJLP pela TLP argumentam que as taxas reais de juros no país continuam altíssimas. Sem a alternativa do crédito subsidiado, o BNDES praticamente se iguala aos agentes privados. Com isso, o poder de fogo dos bancos na área de crédito será absoluto. Em vez de democratizar a taxa de juros no Brasil, a TLP pode contribuir para aumentar ainda mais a concentração bancária.

É verdade que a transição entre a TJLP e a TLP será gradual, e só estará concluída em cinco anos. Mesmo assim, já está havendo um processo de convergência entre as taxas do BNDES e os juros de mercado.

Para o senador Lindbergh Farias, o argumento de que a TLP vai democratizar a taxa de juros é bastante questionável. A seu ver, o crédito subsidiado não é responsável pelas altas taxas de juros. Segundo Lindbergh, esse tipo de crédito existe justamente porque as taxas de juros sempre foram muito altas. “O governo culpa o crédito direcionado e não responsabiliza a alta concentração bancária e a formação de juros pelo cartel dos bancos”, critica.

PROTAGONISMO

Se o BC não tem uma ação contundente em defesa da concorrência no setor bancário, haveria um ganho para a sociedade se o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) fosse protagonista nesta questão?

Em meados de 2000, veio a público uma divergência de opiniões entre Cade e o Banco Central acerca de qual dos dois órgãos teria competência legal para decidir sobre os atos de concentração envolvendo instituições bancárias. A controvérsia, até hoje não resolvida, tem complicadores na própria legislação.

A Lei 8.884/1994, também conhecida como Lei da Defesa da Concorrência, estabelece que o objetivo do Cade é julgar a questão concorrencial, buscando proteger o consumidor e as demais empresas que atuam no mercado. Cabe ao colegiado do Cade julgar a fusão, a incorporação ou alienação de qualquer dos participantes do mercado, não importando o setor econômico onde as empresas atuam.

Já a Lei 4.595/1964, que criou o Banco Central, determina de forma explícita que a autoridade monetária concederá autorização às instituições financeiras para que possam ser transformadas, fundidas, incorporadas ou encampadas. O art. 18, §2º é ainda mais objetivo quanto à competência do BC em aplicar o direito antitruste no setor bancário: (...) §2º. O Banco Central do Brasil, no exercício da fiscalização que lhe compete, regulará as condições de concorrência entre instituições financeiras, coibindo-lhes os abusos com a aplicação da pena nos termos desta lei.

O coração da controvérsia diz respeito à definição de competência para a análise e a aprovação de atos de concentração de instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional.

Afinal, essa competência deve ser prerrogativa do Banco Central ou do Cade? Ou será que ambos poderiam atuar nestes casos, de maneira complementar?

A polêmica entre o Cade e o BC teve um novo round no final do ano passado, com a indicação do advogado paraibano Walter de Agra Júnior para chefiar a Procuradoria Federal Especializada, responsável pela consultoria, assessoramento jurídico e representação judicial/ extrajudicial do Cade.

Ao ser sabatinado no Senado pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), Agra foi questionado pelo senador Fernando Bezerra Coelho (PMDB-PE) sobre a elevada concentração bancária no país. "Não está saltando aos olhos que o Cade deveria provocar o Banco Central para caminhar na direção de um sistema bancário mais descentralizado?”, perguntou o senador.

O procurador-chefe do Cade lembrou o histórico conflito de competência com o Banco Central, mas ressaltou que não há razão para que ambos não trabalhem juntos. Foi uma atitude diplomática, já que em seguida ele defendeu a aprovação do Projeto de Lei do Senado 350/2015, do senador Antonio Anastasia (PSDB-MG). A iniciativa, por sinal, expressa bem os interesses do Cade, pois altera a Lei nº 4.595/1964 e a Lei nº 12.529/2011, para definir, como competência do Cade, a defesa da concorrência no Sistema Financeiro Nacional. Ao mesmo tempo, o texto de Anastasia permite que o BC intervenha para decidir acerca de casos que acarretem algum risco sistêmico ao Sistema Financeiro Nacional.

O projeto está agora aqui na própria CAE, para que a gente possa readequar esse desvio”, lembrou o procurador. A relatora do projeto é a senadora Gleisi Hoffmann, que apresentou relatório favorável ao projeto. Cabe agora votação no âmbito da CAE e, depois, a votação em plenário, que deve acontecer este ano.

Antes mesmo da votação do projeto do senador Anastasia, Cade e BC já estão interagindo. Foi criado um Grupo de Trabalho Cade/BC com a participação de quatro representantes de cada autarquia, com prazo para começar a funcionar até início de 2018, para realização de estudos sobre a defesa da concorrência no âmbito do Sistema Financeiro Nacional, inclusive quanto à forma e aos limites de suas atuações.

A parceria parece sinalizar uma “bandeira branca” entre as duas instituições, que ainda têm pendências judiciais em aberto. Há quase 20 anos Cade e BC travam uma batalha, que já chegou ao STF, para saber a quem compete julgar atos de concentração bancária. O último movimento desse processo ocorreu em junho de 2016, quando o ministro Gilmar Mendes se declarou impedido de julgar ação do Cade que questionava a competência do BC.

EM NOME DO CONSUMIDOR

Do ponto de vista do Idec, quem teria mais condições de fiscalizar a concorrência bancária, o BC ou o Cade?

É uma pergunta difícil de responder”, afirma Ione Amorim. Ela entende que o Banco Central tem, claro, os instrumentos técnicos para avaliar a concentração bancária. Ainda assim, Ivone acredita que uma maior participação do Cade será relevante porque essa instituição teria “um olhar mais crítico” sobre operações de fusão, por exemplo. Em resumo, Ione defende um trabalho cooperativo entre as duas autarquias, solução que tem tudo para se consolidar.

Independentemente de como será resolvida esta querela, Ione sustenta que há muito a fazer para que as instituições bancárias melhorem o atendimento e a oferta de serviços. Um exemplo: as ouvidorias dos bancos. Pesquisa do Idec divulgada em setembro, a partir dos relatórios das ouvidorias dos sete principais bancos do país -Banco do Brasil, Bradesco, Caixa Econômica Federal, Itaú, Safra, Santander e Votorantim -, mostrou que esses relatórios não trazem informações básicas sobre o atendimento ao consumidor. Desde junho de 2016, a Resolução 4.433/2015 obriga as instituições financeiras a divulgarem informações semestrais sobre o desempenho de suas ouvidorias. O Banco Central, contudo, não define critérios para essa prática.

Para a economista do Idec e responsável pela pesquisa, Ione Amorim, a maioria dos relatórios apresentados traz informações vagas e superficiais e, assim, não cumpre o papel de dar mais transparência à forma como a instituição trata as reclamações dos consumidores. Além disso, não há referências sobre as reclamações que são judicializadas. Ela tem enorme preocupação com o crédito rotativo: “Cada banco faz o que quer nessa área”, afirma.

Para o economista João Sicsú, enfrentar a concentração bancária significa reduzir os seus efeitos perversos. Pragmático, ele não acredita em uma política de “desconcentração”, até porque esta é uma tendência mundial: concentrado, o sistema financeiro dá mais lucro. Agora, a existência de poucos bancos não significa necessariamente crédito escasso e juros elevados, como se vê no Brasil. O caminho para atenuar tudo isso, a seu ver, passa pela regulamentação do mercado e pelo fortalecimento dos bancos públicos. Só assim esses bancos poderão reorientar suas políticas, abaixar as taxas de juros e com isso ampliar a oferta de crédito.

Há muitos exemplos neste sentido pelo mundo, tanto de regulação quanto de organização diferenciada dos agentes do sistema. A Alemanha com suas caixas econômicas, a Polônia com suas cooperativas de crédito, a China com seus sistemas descentralizados de gestão financeira.

Aparentemente, há um abismo entre estes exemplos e a realidade brasileira. Espera-se que a desilusão provocada com a queda da Selic impulsione um movimento capaz de fazer frente aos absurdos gerados pela concentração bancária no Brasil.







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