Ano XXV - 28 de março de 2024

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OS PRINCÍPIOS PROPRIAMENTE DITOS


ESTRUTURA CONCEITUAL BÁSICA DA CONTABILIDADE

REMINISCÊNCIAS TEÓRICAS SOBRE OS PRINCÍPIOS DE CONTABILIDADE

5. OS PRINCÍPIOS PROPRIAMENTE DITOS (Revisada em 18/11/2021)

SUMÁRIO:

  1. O Princípio do Custo como Base de Valor
  2. O Princípio do Denominador Comum Monetário
  3. O Princípio da Realização da Receita
    1. Receitas a serem reconhecidas proporcionalmente a certo período contábil já decorrido
    2. Produtos cuja produção é contratada para execução a longo prazo
    3. Reconhecimento de receita antes da transferência por valoração de estoques
    4. Reconhecimento da receita após o período de transferência do produto ou serviço
  4. O Princípio do Confronto das Despesas com as Receitas e com os Períodos Contábeis

NOTA DO COSIFE: Sobre este texto, veja os esclarecimentos iniciais que estão na página índice

Se os postulados ambientais retratam condicionamentos dentro dos quais a Contabilidade precisa atuar, os Princípios dão as grandes linhas filosóficas de resposta contábil aos desafios do sistema de informação contábil, operando num cenário complexo, ao nível dos Postulados.

Os princípios são o núcleo central da doutrina contábil.

Coletânea por Américo G Parada Fº - Contador - Coordenador do COSIFE

5.1. O Princípio do Custo como Base de Valor

Enunciado: “... O custo de aquisição de um ativo ou dos insumos necessários para fabricá-lo e colocá-lo em condições de gerar benefícios para a Entidade representa a base de valor para a Contabilidade, expresso em termos de moeda de poder aquisitivo constante...”

O mais antigo e discutido princípio de Contabilidade é considerado por grande parte dos estudiosos de Teoria da Contabilidade como conseqüência direta do Postulado da Continuidade, como vimos.

Até há alguns anos foi tomado numa acepção muito conservadora de Custo Original como Base de Valor, isto é, não somente os ativos deviam ser inscritos pela Contabilidade pelo que custaram para serem adquiridos ou fabricados, como também somente seria ativo algo que custou efetivamente à entidade para incorporar. Doações não eram consideradas ativos, embora capazes de gerar, da mesma forma que os demais ativos adquiridos, benefícios futuros.

Posteriormente, o princípio assumiu conotações menos restritivas, aceitando-se as doações como ativos, porém inserindo-as pelo preço que custaram, originariamente, para quem doou.

Mais recentemente ainda se admite, como base de valor para doações de ativos, quanto pagaríamos por um bem em estado semelhante de conservação, no mercado de novos ou usados, se existir.

Na verdade, transcendendo, ainda, o tipo de custo a ser registrado e atualizado, o princípio tinha uma raiz filosófica profunda de que somente é ativo aquilo que custou alguma coisa para a entidade, mormente se resultante de transações de compra de bens ou de insumos para fabricação de bens. Dessa forma, compreende-se o porquê de a Contabilidade somente admitir registro do “Goodwill” adquirido e não do “criado”.

Embora hoje em dia o entendimento do Princípio se tenha ampliado bastante, ainda permanece o fato de que é um valor de entrada que deve prevalecer, como base de registro para a Contabilidade, na continuidade.

Mas como graduar ou escolher entre os vários valores de entrada? Talvez o sentido e aplicação primários de custo original (ou histórico) como base de valor devesse, tendo em vista o cenário brasileiro, ser alterado para: Custo Original (histórico) como Base de Registro Inicial e não mais como Base de Valor.

Se o custo histórico, na data de uma transação, se aproxima bastante do valor atual dos benefícios futuros a serem obtidos pela entidade com o uso do ativo adquirido, o mesmo não se pode dizer com decurso do tempo, pelos seguintes fatores:

  1. desgaste físico e natural do ativo;
  2. flutuações do poder aquisitivo da moeda;
  3. flutuações específicas do preço do ativo;
  4. mudanças tecnológicas; e
  5. obsolescência.

Usualmente, há uma perda de valor real, no sentido da diminuição da potencialidade de benefícios para a entidade. Isto não quer dizer, todavia, que esta perda real seja acompanhada por quedas do preço ou do valor nominal do ativo, mormente em regimes inflacionários.

As hipóteses de avaliação, somente para nos atermos aos valores de entrada, são várias e deveremos ter o discernimento de escolher aquela que conseguir maximizar a função contábil composta pelas três famosas variáveis: relevância, praticabilidade e objetividade. Maximizar apenas uma das variáveis não vai resultar no maior valor para a função, como um todo. Já se escreveu que a Contabilidade é um árduo exercício na tarefa de chegar-se a um equilíbrio entre as três variáveis supracitadas.

A escolha também precisa levar em conta o conjunto dos Postulados, Princípios e Convenções.

Pressupor que o custo de aquisição pode ser considerado uma razoável aproximação do valor econômico de um ativo para a entidade que o adquire, e somente na hora da aquisição, significa que o comprador supõe que o valor descontado dos fluxos de caixa a serem gerados pelo uso do ativo, isolada ou juntamente com outros ativos, organização e trabalho, seja superior ou pelo menos igual ao valor gasto para obtê-lo. Nem sempre é possível delinear a contribuição individualizada de cada ativo, mas presume-se que ninguém vá adquirir um ativo por um preço superior ao valor esperado dos benefícios futuros a serem gerados pelo mesmo.

O valor de troca (de transação) pode, assim, ser considerado uma razoável aproximação do valor econômico de um ativo na ocasião da transação. Com o decurso do tempo, todavia, devido à ação de um ou vários dos fatores acima delineados, esse valor de registro original perde grande parte de sua validade, como estimador do valor econômico e como elemento de inferência para o usuário dos relatórios contábeis.

Mormente no Cenário Brasileiro, palco de oscilações continuadas nos níveis de preços dos bens e serviços, por fatores estruturais e mesmo conjunturais, a manutenção, por longo período de tempo, do registro inicial subtrai significativo poder informativo e preditivo das demonstrações contábeis.

O Princípio, portanto, não pode ficar entendido em sua interpretação original, restrita, de valor inicial, mas (com a utilização conjunta do Princípio do Denominador Comum Monetário) “atualizado” seu entendimento, corrigindo-se custos incorridos no passado em termos de poder aquisitivo de certa data-base, presumivelmente próxima do momento decisório, a fim de que todos os dados estejam expressos ao mesmo poder aquisitivo da moeda. Daí nosso enunciado. No Brasil, portanto, já pode ser tranqüilamente admitida uma mudança da denominação, que poderia ser “O Princípio do Custo Histórico Corrigido como Base de Valor”.

A atual legislação societária reconhece esse princípio. Sua menção explícita à correção apenas de determinados elementos se deve basicamente à baixa taxa de inflação da época. Todavia, é fácil notar que o objetivo era exatamente o da aplicação do princípio na sua plenitude, quando afirma: “Nas demonstrações financeiras deverão ser considerados os efeitos da modificação do poder de compra da moeda nacional sobre o valor dos elementos do patrimônio e os resultados do exercício” (art. 185, caput) (grifo nosso).

Logicamente, pode-se admitir a não-correção em casos de valores irrelevantes por razões de materialidade, dadas por baixa taxa de inflação, altas rotações ou valores pequenos dos elementos do ativo.

Entretanto, o custo histórico corrigido por algum tipo de índice geral de preços não é o único tipo de valor de entrada modificado do custo histórico. Poderíamos ter, pelo menos, mais dois princípios: Custo Corrente e Custo Corrente Corrigido. Para os que diferenciam custo corrente de custo de reposição, ainda poderíamos ter as variantes: Custo de Reposição e Custo de Reposição Corrigido. Ainda mais, podemos ter vários tipos de Reposição: corrente (na data), futura...

Todas estas variantes de avaliação têm sido amplamente discutidas em trabalhos acadêmicos e merecem, mesmo, aplicação, principalmente para finalidades gerenciais. Numa próxima etapa de desenvolvimento da disciplina no Brasil, alguns itens do balanço e da demonstração de resultados talvez pudessem ser evidenciados (em notas explicativas) pelos seus valores de reposição. Entretanto, para uso por parte das Entidades, em seus relatórios financeiros para finalidades externas, julgamos que o custo histórico corrigido pelas variações do poder aquisitivo médio da moeda apresenta as seguintes vantagens:

  1. é, sem dúvida, mais objetivo, no sentido de que se trata de aplicar aos valores rigorosamente registrados pela Contabilidade apenas um “fator de atualização” em termos de poder aquisitivo. Na verdade, não estamos corrigindo o valor dos bens, mas apenas corrigindo o que, teoricamente, não deveria ter variado, que é o poder aquisitivo da moeda. Daí a correção dever basear-se na modificação da capacidade geral de compra da moeda e não na variação específica do preço de determinado bem;
  2. devido às circunstâncias supramencionadas, é mais fácil imaginar mecanismos de correção detalhados para utilização de todas as entidades, facilitando as comparações por parte dos investidores;
  3. sob o ponto de vista rigorosamente conceitual, nem sempre o custo corrente de reposição na data (para ficarmos numa das variantes dos custos correntes) é superior ao conceito de custo histórico corrigido, mesmo para finalidades gerenciais. Tentar calcular o custo de reposição de uma máquina que, digamos, por motivo de mudança no processo técnico de produção, não mais será reposta, no futuro, quando de sua retirada, não tem muito sentido teórico e pode até confundir o leitor. A compra financiada também não tem muito a ver com a reposição, principalmente quando se refere a bem destinado à venda, cujo recebimento se dá antes do pagamento ao financiador;
  4. a mensagem dada pelo custo histórico corrigido é clara e, embora limitada, apresenta a vantagem da relativa simplicidade e da melhor margem de objetividade. Não pretende avaliar ativos e passivos a valores de mercado, mas meramente restaurar os valores originariamente incorridos em termos de um denominador comum monetário;
  5. por outro lado, seria bastante mais complexo, até dentro de um mesmo setor industrial, tentar imaginar formas padronizadas de se avaliarem balanços a custos de reposição, em vez de apenas pela correção monetária (embora para esta não sejam irrelevantes as dificuldades). Cada empresa tenderia a utilizar padrões próprios, de difícil uniformização, considerando as dificuldades envolvidas na pesquisa de valores de mercado.

O princípio do custo histórico corrigido já é aceito, há algum tempo, no Brasil, dadas as várias legislações sobre correção monetária.

O que se coloca, agora, é a necessidade da disciplina e da profissão darem mais um passo à frente, incorporando em suas práticas usuais a correção integral das demonstrações contábeis pelas variações do poder aquisitivo da moeda.

Os analistas necessitam de todos os grupos do Balanço Patrimonial e das demais demonstrações principais expressos ao mesmo poder aquisitivo, para que suas análises sejam facilitadas.

A forma atualmente utilizada para correção do resultado, embora meritória, deixa muito a desejar e dificulta sobremaneira a correta avaliação de tendências. É preciso ter-se como meta a correção integral das demonstrações contábeis.

O fato de aceitarmos, como base de valor, o custo histórico corrigido não significa que não possamos admitir algumas exceções, em casos especiais. Todavia, a avaliação do ativo não pode traduzir-se na excessiva mistura de critérios hoje utilizados.

O custo histórico corrigido é a base de valor, e nós a utilizaríamos inclusive para a avaliação de produtos em estoque, destinados à venda. Se, por decorrência de ramos de negócios especiais, algum outro critério de avaliação tiver que ser utilizado, é importante que fique bem claro, entre parênteses, ou em nota explicativa, qual critério de avaliação foi utilizado, e por que.

Exceções ao critério geral poderiam ser constituídas pelas carteiras de títulos de algumas entidades, mantidas para proporcionar rendimento ou como respaldo para aplicações, as quais poderiam ser avaliadas pelo valor de mercado (pelo qual poderiam ser resgatadas) nas datas dos balanços.

Em raras circunstâncias, como no caso de entidades que manipulam com ramos de atividades cujo produto principal está sujeito ao que se convencionou denominar “crescimento vegetativo ou natural”, tais como produtores de vinho, entidades agropecuárias e poucas outras, poderia ser admitida a avaliação a valor de mercado de seus estoques de produtos, mesmo antes de a venda ter ocorrido.

Entretanto, teremos de estudar outros princípios e restrições, antes de delinearmos um quadro geral de critérios de avaliação e das circunstâncias e cuidados que deveremos utilizar, principalmente nas exceções.

A excessiva liberalidade de critérios de avaliação tem-se, infelizmente, constituído em fonte de não poucas manipulações, dificultando sobremaneira aquilo que mais interessa ao usuário, principalmente externo, da informação contábil, precipuamente às entidades de capital aberto, a saber: admitindo-se um critério tecnicamente razoável, talvez até não o melhor em todas as situações, poder realizar comparações, pelo menos ao nível do mesmo ramo de atividade. A multiplicidade de critérios comerciais, legais e fiscais tem convulsionado os vários setores, gerando dificuldades acentuadas para os analistas.

Assim, o custo histórico corrigido é a base de valor para relatórios financeiros e contábeis de divulgação para o mercado. Deve-se ressaltar, todavia, que, na impossibilidade de recuperação de parte ou do todo desse custo, a devida baixa por aprovisionamento deverá ser procedida. Nenhum ativo pode ficar registrado por valor superior ao de sua recuperação por alienação ou utilização.

5.2. O Princípio do Denominador Comum Monetário

Enunciado: “As demonstrações contábeis, sem prejuízo dos registros detalhados de natureza qualitativa e física, serão expressas em termos de moeda nacional de poder aquisitivo da data do último Balanço Patrimonial...”

Esse princípio expressa a dimensão essencialmente financeira (a palavra utilizada - agora no sentido de avaliação monetária) da Contabilidade, na necessidade que esta disciplina sente de homogeneizar, para o usuário das demonstrações contábeis, ativos e obrigações de naturezas tão diferenciadas entre si, pelo denominador comum monetário, que é sua avaliação em moeda corrente do País.

É a qualidade agregativa da Contabilidade que, sem deixar de dar as devidas considerações às qualidades essenciais e específicas de ativos e passivos como geradores de fluxos futuros de caixa, ainda consegue adicionar e homogeneizar tais elementos diferenciados através da avaliação monetária.

Notamos que, em suas origens, esse princípio era simplesmente entendido quanto à dimensão financeira da Contabilidade, nada explicitando, talvez pelas condições de estabilidade financeira dos cenários onde se desenvolveu, com relação à uniformidade do padrão de mensuração, que é a moeda de cada país. Um padrão, para ser considerado como tal, não pode sofrer variações em sua essência.

Dessa forma, a moeda corrente, no Brasil, não pode ser considerada um padrão de mensuração afiançável, a não ser no exato momento de cada transação. Para que o usuário da informação contábil possa auferir todas as nuanças e fragrâncias das demonstrações contábeis, inclusive com relação a aspectos de valor de mercado, é necessário voltar a ter um padrão constante de mensuração monetária.

Escolhe-se, assim, uma data-base para expressar todas as contas das demonstrações contábeis publicadas, a saber, a data do Balanço Patrimonial.

Em moeda da mesma data deveriam estar expressas as demonstrações do exercício anterior. Por outro lado, para efeito de maior facilidade na avaliação de tendências, deveria ser exigida a publicação das demonstrações contábeis de vários dos últimos exercícios e não apenas de dois como determina a legislação comercial.

Para efeito de interpretação, a homogeneização das demonstrações contábeis de publicação, não apenas avaliadas em moeda nacional, mas de poder aquisitivo da data do Balanço Patrimonial, não implica que relações de débito e crédito, assim corrigidas contabilmente, obriguem as partes a resgatá-las em valores corrigidos, a não ser que haja alguma cláusula expressa de correção dos relacionamentos de débito e crédito.

Por isso, deverá ser dado destaque especial às contas que expressam valores monetários na data do Balanço Patrimonial final, tais como: contas a receber e a pagar, além de disponibilidades e títulos equivalentes a disponibilidades. Tais contas, mesmo derivantes de financiamentos e empréstimos em moeda estrangeira, deverão estar claramente expressas em moeda da data do Balanço final.

Outro ponto que deriva desse princípio - o fato de algumas transações serem realizadas com base em valores prefixados e com a liquidação primária a certo prazo da data da operação - tem feito crescer a tendência de se trabalhar contabilmente com o conceito de valor presente. O valor do dinheiro no tempo tem levado a uma mudança de atitude nesses casos em que o prazo ou os juros e os efeitos inflacionários embutidos (mesmo que apenas implicitamente) no preço prefixado são significativos.

Assim, numa inflação mensal de 10%, e juros reais anuais de 15%, uma compra de ativo imobilizado para pagamento em 20 prestações fixas predeterminadas de Cr$ 100.000.000 não seria contabilizada com a ativação dos Cr$ 2.000.000.000 e respectivo registro do passivo. Far-se-ia o cálculo do valor presente dessas prestações e o registro contábil se faria com a imobilização e endividamento de Cr$ 781.532.481. O diferencial de Cr$ 1.218.467.519 seria registrado como encargos financeiros nominais ao longo dos 20 meses de financiamento, como se esse valor fosse (como realmente o é) o preço à vista, e o restante, o acréscimo nominal por inflação e juros embutidos no negócio.

No Brasil está-se a requerer o estudo da implantação desse procedimento.

Consagra-se, portanto, a cada dia, a partir do enunciado específico do Princípio do Denominador Comum Monetário, a adoção de um padrão monetário estável para as demonstrações contábeis divulgadas para o mercado.

5.3. O Princípio da Realização da Receita

  1. Receitas a serem reconhecidas proporcionalmente a certo período contábil já decorrido
  2. Produtos cuja produção é contratada para execução a longo prazo
  3. Reconhecimento de receita antes da transferência por valoração de estoques
  4. Reconhecimento da receita após o período de transferência do produto ou serviço

Enunciado: “A receita é considerada realizada e, portanto, passível de registro pela Contabilidade, quando produtos ou serviços produzidos ou prestados pela Entidade são transferidos para outra Entidade ou pessoa física com a anuência destas e mediante pagamento ou compromisso de pagamento especificado perante a Entidade produtora...”

A Contabilidade apresenta grande necessidade de objetividade e de consistência em seus princípios e procedimentos, que podem ter reflexos até na área do Direito. Nesse aspecto, diferencia-se da Economia, a qual muitas vezes enuncia e define conceitos que se refletem sobre as Entidades, sem a necessidade ou obrigação de mensurá-los numa forma sistemática e repetitiva.

É reconhecido que o processo de produção adiciona valor aos fatores manipulados de forma contínua, embora não se possa, objetivamente, escolher pontos ao acaso e sempre determinar, afiançadamente, o valor adicionado. Embora se acentue que o processo de produção adiciona valor de forma contínua, não se pode dizer que o processo seja linear, exponencial ou de outra conformação.

É que etapas diferenciadas da execução de um processo produtivo podem adicionar valor desproporcionalmente ao tempo envolvido na etapa e mesmo ao custo, embora esta última premissa (da proporcionalidade entre custos incorridos e receita-valor gerado) seja utilizada em certos casos.

De forma alguma deve confundir-se essa maneira cautelosa de a Contabilidade usualmente reconhecer a receita com a idéia de obscurantismo ou de falta de relevância, pois, se por um lado, como vimos, consistência, objetividade e relevância são variáveis que precisam ser satisfeitas conjuntamente em Contabilidade, por outro, esta sabe reconhecer os casos - raros - em que é preciso desviar da regra, pois que toda norma tem exceções, mas que não devem ser numerosas, sob pena de invalidarem a norma.

Portanto, considera-se que o Princípio da Realização de Receita escolhe, como ponto normal de reconhecimento e registro da receita nos livros da empresa, aquele em que produtos ou serviços são transferidos ao cliente. Este ponto é praticamente coincidente, muitas vezes, com o momento da venda. A Contabilidade assim o faz porque:

  1. a transferência do bem ou serviço normalmente se concretiza quando todo, ou praticamente todo, o esforço para obter a receita já foi desenvolvido;
  2. nesse ponto configura-se com mais objetividade e exatidão o valor de mercado (de transação) para a transferência;
  3. nesse ponto já se conhecem todos os custos de produção do produto ou serviço transferido e outras despesas ou deduções da receita diretamente associáveis ao produto ou serviço, tais como: comissões sobre vendas, despesas com consertos ou reformas parciais decorrentes de garantias concedidas etc. Os desembolsos com tais despesas podem ocorrer após a transferência, mas o montante é conhecido ou razoavelmente estimável já no ato da transferência.

É importante notar que muito dificilmente será possível observar as três condições anteriores em pontos outros que não o da transferência efetiva do produto ou serviço. De qualquer forma, é a satisfação dessas três condições que deverá determinar quando uma receita pode ser reconhecida nos livros da entidade e não os interesses outros de natureza fiscal ou, o que é pior, a mudança do critério conforme o interesse de cada configuração. A tentação de reconhecer receita valorando os estoques de produtos ou serviços a valores de mercado, antes da transferência ao cliente, é muito grande e parece, até, que os que assim, afoitamente, agem estão na vanguarda do pensamento contábil, mas, na verdade:

a) - em geral, o mercado, objetivamente, só pode considerar que deu “seu veredito” sobre o valor da transação quando esta se completa;

b) - freqüentemente, a excessiva precipitação no reconhecimento da receita representa mais uma manipulação para favorecer esta ou aquela configuração de resultados do que uma efetiva utilização sadia dos princípios de Contabilidade.

Não podemos esquecer que, como conseqüência do Postulado da Continuidade, o ativo fica nos registros pelos seus valores de entrada (custo corrigido) até o “sacrifício” de tais ativos no esforço de obtenção da receita. O valor de “saída” é dado pela receita; o confronto tem que ser, necessariamente, com valores de entrada.

5.3.1. Receitas a serem reconhecidas proporcionalmente a certo período contábil já decorrido

Alguns serviços, aluguéis e empréstimos são, por contrato biunivocamente ligados ao decurso de determinado período de apropriação contábil, digamos usualmente um mês. Na verdade, não que esta seja uma verdadeira exceção ao princípio geral; de fato, o serviço é continuamente prestado, até terminar o contrato total.

O que fazemos é reconhecer em cada período uma parcela da receita total (do serviço total) proporcionalmente a certo período ou evento decorrido, ao invés de esperar até o final para reconhecê-la totalmente, de uma vez só.

Acresce reconhecer que em algumas entidades onde se caracteriza esse tipo de fluxo de serviço (casos de entidades que prestam serviços de consultoria e de auditoria, por exemplo) freqüentemente as horas de serviço acumuladas no mês ou outro período de apuração contábil fornecem, também, a base para o faturamento da receita ao cliente.

À medida que as horas vão-se acumulando, vai também crescendo a receita, numa base contínua de tempo decorrido. O trabalho ou os serviços, como um todo, podem não estar terminados, ou o contrato global (de aluguel de um imóvel, por exemplo) pode cobrir um período maior, mas presume-se que uma parcela da receita possa ser reconhecida na proporção direta do tempo decorrido. Obviamente, em alguns destes casos não existe ligação direta entre o “valor econômico” da etapa ou serviço prestado para o cliente com o valor da receita reconhecida pela entidade prestadora, no período.

O valor da receita a ser reconhecido não é, necessariamente, proporcional ao esforço realizado e mesmo aos custos incorridos no mesmo período, mas diretamente proporcional ao tempo decorrido ou às horas gastas no serviço (presume-se uma proporcionalidade entre a quantidade de horas decorridas e o esforço e/ou custos incorridos), como fração do tempo total fixado em contrato ou como fator unitário de mensuração de esforço realizado, também reconhecido em contrato.

Na verdade, o que ocorre é que, como unidade homogênea de mensuração do serviço realizado (e transferido), julgou-se mais praticável, em tais casos, escolher o tempo decorrido, tomado como uma fração de um todo, para caracterizar mais a intensidade do esforço realizado, que pode variar de mês a mês, de período a período de apuração contábil, horas de trabalho realizado, como no caso das entidades de auditoria independente ou de consultoria.

A remuneração não é, muitas vezes, fixada em [dinheiro] por mês, mas a uma taxa por hora de trabalho realizado, faturável mensalmente, digamos. Já alguns outros tipos de receitas como juros, acrescem diretamente na proporção do tempo decorrido, pois cada dia tem a mesma “intensidade” de serviço prestado para o contrato total. No caso dos aluguéis, a remuneração é fixada mais por período de ocupação e usufruto do imóvel, um mês usualmente, ou período maior. De qualquer forma, em todos esses casos, o tempo decorrido ou as horas de esforço aplicadas são o fator preponderante do reconhecimento da receita em períodos menores do que o lapso de tempo em que o contrato ou serviço total estará completado.

5.3.2. Produtos cuja produção é contratada para execução a longo prazo

Para entidades que produzem produtos sob encomenda e cujo prazo de fabricação, de uma unidade, seja longo, surge a dúvida se devemos esperar a transferência do produto final ao cliente para reconhecer a receita (digamos a entrega, por um estaleiro, de um navio petroleiro) ou se seria mais conveniente reconhecer, durante o exercício financeiro (no final do período de apuração contábil) uma parcela da receita proporcional:

  1. às etapas físicas de construção completadas(grau de acabamento); ou
  2. aos custos incorridos no período de apuração.

Nesses casos, ambas as formas têm justificativas. A de reconhecer a receita proporcionalmente aos fatores acima (1) e (2) apresenta justificativas de ordem pragmática e até teórica, segundo Hendriksen. Alguns acionistas de tal tipo de entidade poderiam tecer objeções à publicação de demonstrações contábeis que não evidenciassem lucro algum em um exercício em que a entidade empregou muito esforço e gastou muitos recursos para obter uma parte do acabamento do contrato total que lhe permitirá um lucro final, com adequado grau de probabilidade.

Na situação particular de um acionista que decidisse retirar-se da entidade num desses exercícios, poderia configurar-se uma injustiça, pois o valor patrimonial da ação estaria subavaliado pelo não-reconhecimento de receita, apenas porque o produto total ainda não foi completado dentro daquele exercício. Mas suponha que faltem apenas alguns dias para tal...

É evidente que esse tipo de consideração atenua-se, por motivos pragmáticos e não conceituais, quando uma entidade empreende a fabricação de vários produtos desse tipo, em meses distintos do exercício financeiro i; no exercício i + j, n produtos podem completar-se, e m em outros posteriores. Nesse caso,haveria, no exercício i + j, reconhecimento da receita (e provavelmente de lucro) invalidando, pragmaticamente,os argumentos apresentados em favor do reconhecimento proporcional.

Também, a escolha do critério de reconhecimento vai depender muito das características de propriedade da entidade. Se a entidade é caracteristicamente de natureza familiar ou fechada, e há ausência de usuários externos, provavelmente, na continuidade, os sócios não se incomodarão de esperar até que os produtos sejam completados para reconhecer a receita. Até aquele momento, os custos incorridos especificamente com o produto serão ativados.

Numa sociedade anônima aberta, entretanto, e mesmo em outras sociedades com outros usuários da informação contábil que não apenas os controladores, a escolha do critério de reconhecimento tem que ser norteada, sempre, por conceitos teoricamente sustentáveis, mormente à luz da comparabilidade de várias entidades que operam no mesmo ramo de negócios, por parte do usuário externo.

Assim, é até lícito, em tais tipos de entidades, diminuir a aparente relevância intrínseca (para uma entidade) de um princípio ou procedimento contábil em favor de procedimentos que favoreçam a comparabilidade entre entidades. É o caso típico de nossa preferência pelo custo histórico corrigido por um índice geral de preços sobre o custo corrente de reposição na data, embora se reconheçam muitas vantagens intrínsecas neste último conceito.

No caso das entidades que produzem produtos de longo período de maturação ou acabamento, é razoável, teórica e praticamente, o reconhecimento proporcional da receita pelos fatores acima considerados, observadas as seguintes condições:

  1. o preço global do produto é determinado objetivamente mediante contrato ou determinável a partir da correção contratual de seu preço atual;
  2. da mesma forma, a incerteza com relação ao recebimento em dinheiro da transação é mínima ou passível de boa estimativa;
  3. os custos a serem incorridos para completar a produção são razoavelmente bem estimados.

Para apurar a receita a ser reconhecida em determinado exercício dividem-se os custos incorridos no exercício pelos custos estimados totais do produto. O resultado assim obtido é multiplicado pela receita de venda do produto completado, obtendo-se, assim, a receita a ser apropriada. É claro que, nesse caso, os custos incorridos no período passam a ser despesa do exercício.

No caso de etapa física de acabamento, termina-se, de alguma forma, calculando uma porcentagem com relação ao grau de acabamento total que, da mesma maneira, é aplicada ao preço do produto totalmente acabado.

O importante é que a receita do período deve ser reconhecida proporcionalmente à relação entre os custos incorridos no período e o custo total ou numa base de porcentagem de acabamento do produto final. Cuidados adicionais devem ser tomados quando a entidade subcontratar partes do produto junto a outra entidade. Em tais casos, utilizaríamos apenas o custo dos insumos adicionados pela nossa entidade. Nos casos de contratos com cláusulas de “custo mais taxa de administração”, o lucro é facilmente determinado.

Para obras de grande complexidade, com subetapa de variável duração e características técnicas, fica às vezes difícil estabelecer uma única porcentagem de acabamento com relação ao produto final. Assim, o relacionamento entre custos incorridos no exercício e custo total do produto ou projeto corrigido pela inflação do período (os custos incorridos já estão automaticamente corrigidos) é o melhor critério a ser aplicado ao valor de venda do produto em estado de acabado. Se tal valor é corrigível, tanto melhor. Se não, o prejuízo correrá por conta de má previsão da entidade, se tiver aceito esse preço, não “embutindo” no mesmo, de alguma forma, a inflação futura.

Conceitualmente, é claro, considerar-se que cada cruzeiro de custo gera o mesmo montante de receita não deixa de apresentar falhas lógicas e operacionais. Entretanto, nesses casos, o prejuízo informativo da não-evidenciação de resultado algum durante o período de apuração é maior do que a falha conceitual envolvida no processo de reconhecimento parcial.

5.3.3. Reconhecimento de receita antes da transferência por valoração de estoques

Em produtos cujo processo de produção encerra características especiais, como crescimento natural ou acréscimo de valor vegetativo (entidades agropecuárias, produtoras de vinho, exploradoras de reservas florestais, mineradoras, estufas de plantas etc.) e em outros em que o valor de mercado é tão prontamente determinável e em que o risco da não-venda é praticamente nulo (como na mineração e lapidação de metais e pedras preciosas), é possível, em circunstâncias bem determinadas, reconhecer receita antes do ponto de transferência ao cliente, observadas as seguintes condições:

  1. os estoques, final do período de apuração contábil, são avaliados pelo valor de realização naquele momento, desde que objetivamente determinável, através de amplo consenso do mercado sobre o valor desse estoque, desde que seja possível deduzir,estimativamente, o necessário para o acabamento e o suporte de todos os custos e despesas a serem incorridos para, efetivamente, vender o produto. Se estiver totalmente maturado ou acabado, deverão ser deduzidas as despesas para vendê-lo como produto final;
  2. a atividade é primária e seu custo de produção é muito difícil de ser mensurado ou, por não conter ele o custo de oportunidade do capital aplicado na obtenção do produto, revela-se muito pequeno em face do valor líquido de realização caracterizado em a;
  3. o processo de obtenção de lucro nessa atividade caracteriza-se muito mais (podendo-se dizer quase que unicamente) pela atividade física de crescimento, nascimento, envelhecimento ou outra qualquer do que pela operação de venda e entrega do bem.

5.3.4. Reconhecimento da receita após o período de transferência do produto ou serviço

Somente em casos excepcionais poderá ser a receita reconhecida após o ponto de transferência, a saber:

  1. no caso de um ativo não monetário ser recebido em troca de uma venda efetuada, se esse ativo não tiver um valor reconhecido de mercado. Nesse caso, o custo do ativo vendido é transferido para o ativo recebido em troca e somente quando esse último for vendido é que reconheceremos um resultado;
  2. no caso de entidades que pratiquem a venda a prazo (comumente a prestação), quando a operação for de natureza tal que não seja possível estimar, mesmo que por experiência estatística do passado, a porcentagem de recebimentos duvidosos, passando o recebimento a ser a etapa mais difícil no processo de ganho da receita;
  3. nos casos de negócios altamente especulativos, em que os recebimentos são realizados em prestações e o recebimento das prestações finais é duvidoso. Em tais casos, pode ser justificado o diferimento da receita; as primeiras prestações serão consideradas como retorno ou cobertura dos custos incorridos e o lucro começa a ser registrado apenas após todos os custos terem sido recuperados.

Os casos b e c são raros na prática e não caracterizam uma indústria ou setor econômico, e sim alguma operação em particular de uma empresa.

5.4. O Princípio do Confronto das Despesas com as Receitas e com os Períodos Contábeis

Enunciado: “Toda despesa diretamente delineável com as receitas reconhecidas em determinado período, com as mesmas deverá ser confrontada;os consumos ou sacrifícios de ativos (atuais ou futuros), realizados em determinado período e que não puderam ser associados à receita do período nem às dos períodos futuros, deverão ser descarregados como despesa do período em que ocorrerem...”

É importante notar que a base do confronto não está relacionada ao montante dos recursos efetivamente recebido em dinheiro ou pago, no período, mas às receitas reconhecidas (ganhas), nas bases já mencionadas, e às despesas incorridas (consumidas) no período.

Assim, podemos consumir ativos pagos no mesmo período ou adquiridos em períodos anteriores. Pode ocorrer o caso de sacrifícios de ativos, no esforço de propiciar receita, cujos desembolsos efetivos somente irão ocorrer em outro exercício, ou de se incorrer em despesas a serem desembolsadas posteriormente (sacrifício de ativo no futuro, ativo esse que pode nem existir hoje).

Todas as despesas e perdas ocorridas em determinado período deverão ser confrontadas com as receitas reconhecidas nesse mesmo período ou a ele atribuídas, havendo alguns casos especiais:

  1. os gastos de períodos em que a entidade é total ou parcialmente pré-operacional. São normalmente ativados para amortização como despesa a partir do exercício em que entidade, ou a parte do ativo, começar a gerar receitas;
  2. a parcela dos gastos dos departamentos de pesquisa e desenvolvimento que superar o montante necessário para manter o setor em funcionamento, independentemente do número de projetos em execução. (Esses últimos gastos incluem os salários fixos dos pesquisadores e as depreciações dos equipamentos permanentes.) Todo o gasto incremental necessário para determinado projeto poderá ser ativado e, quando o projeto iniciar a geração de receitas, amortizado contra as receitas.

Os gastos diferidos que não vierem a gerar receitas deverão ter seus valores específicos descarregados como perda no período em que se caracterizar a impossibilidade da geração de receita ou o fracasso ou desmobilização do projeto.

Os gastos com propaganda e promoção de venda, mesmo institucional, deverão ser considerados como despesas dos períodos em que ocorrerem.

Somente um motivo muito forte e preponderante pode fazer com que um gasto deixe de ser considerado como despesa do período, ou através do confronto direto com a receita ou com o período. Se somos conservadores no reconhecimento da receita, devemos sê-lo em sentido oposto, com atribuição de despesas.

Os juros e encargos financeiros decorrentes da obtenção de recursos para construção ou financiamento de ativos de longo prazo de maturação ou construção somente poderão ser ativados durante o período pré-operacional. Entretanto, seu montante deverá ser contabilizado em conta específica de ativo a ser amortizada a partir do exercício em que o ativo entrar em operação. As demais despesas financeiras serão apropriadas aos períodos em que foram incorridas.

Observações:

  1. É importante esclarecer que os princípios da realização da receita e de confrontação das despesas são, em conjunto, também conhecidos por Regime de Competência.
  2. Há situações em que se têm valores, quer de receita, quer de despesa, que competem a exercício anterior, mas que deixaram de nele ser considerados. Duas diferentes e extremadas posições têm sido discutidas. Na primeira, defende-se que tais ajustes devem ser feitos ao resultado do exercício em que se descobre o erro. Na segunda, defende-se que o ajuste deve ser feito à conta de reserva.

Nossa legislação (Lei 6.404/1976) preferiu uma versão próxima à primeira, só admitindo como ajuste de exercício anterior aquele relativo a erro ou mudança de critério contábil que não se deva a fatos subseqüentes.

A atual tendência é de se evitarem esses ajustes a contas que não a do resultado do exercício, preferindo-se sua discriminação dentro da demonstração do resultado.

Os conceitos-chave deste item são:

  1. custo como base de valor;
  2. perda de potencial de benefícios;
  3. padrão de mensuração (da moeda);
  4. produtos ou serviços transferidos;
  5. despesas associáveis às receitas do período;
  6. despesas atribuíveis ao período.






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