Ano XXV - 29 de março de 2024

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A ELITE BRASILEIRA VIVE NA PRAIA, DE COSTAS PARA O BRASIL


A ELITE BRASILEIRA VIVE NA PRAIA, DE COSTAS PARA O BRASIL (título de Américo Parada)

Ficar de frente para o mar, de costas pro Brasil, não vai fazer desse lugar um bom país!

São Paulo, 01/10/2002  (Revisada em 16-03-2024)

Referências: Canção: Notícias do Meu Brasil (Os Pássaros Trazem) - Milton Nascimento & Fernando Brant

FOLHA DE SÃO PAULO, maio de 1999

  • UM ECONOMISTA - ARIANO SUASSUNA - as universidades brasileiras pensam e ensinam de costas para o nosso país.
  • BELÉM, VÍTIMA DO REGIME COLONIAL DO ESPÍRITO - PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. - "o brasileiro não se interessa realmente pelo Brasil" e "vive, eternamente, de costas para o próprio país", desconhecendo "seus valores e potencialidades".


UM ECONOMISTA

Por ARIANO SUASSUNA

Certa vez, numa aula que dei em São Paulo, afirmei que as universidades brasileiras pensam e ensinam de costas para o nosso país. E, para provar o que estava dizendo, pedi que levantassem a mão os que, ali, pelo menos uma vez, já tivessem ouvido falar em Kant.

Todo mundo fez o gesto que eu solicitara.

Fiz então, pedido igual em relação a Matias Aires - e somente um rapaz ergueu, de novo, a mão que baixara.

Comentei: "Estão vendo? Matias Aires, o maior pensador de língua portuguesa do século 18, era brasileiro e paulista; e, aqui, só é conhecido por aquele rapaz que ali está!".

Voltei-me para o solitário e indaguei: "Você já leu Matias Aires? Ou somente ouviu falar sobre ele, em alguma das aulas que recebeu?".

O rapaz respondeu: "Nem uma coisa nem outra. Conheço o nome porque, aqui em São Paulo, moro na rua Matias Aires".

Por outro lado, em 1997, sendo entrevistado por Pedro Bial, ele me perguntou se eu não achava que a humanidade, em sua maioria, era impregnada "por um ideal de classe média"; que os homens, no fundo, queriam mesmo "era ir à Disneylândia, beber coca-cola e comer sanduíche no McDonald's".

Eu disse que não, reforçando: "E, ainda que assim fosse, o nosso dever - o dever dos escritores e de outros artistas, o dever dos políticos e intelectuais de todos os tipos - é colocar diante da humanidade um sonho mais elevado e mais belo, em direção ao qual nós possamos caminhar".

Pois bem: sendo meu amigo e muito bem conhecendo minhas idéias, o governador Miguel Arraes mandou-me há poucos dias um artigo publicado na Folha por Paulo Nogueira Batista Jr. Arraes sabia que sua leitura seria importantíssima para mim e me traria alento e esperança no momento difícil que o Brasil atravessa.

Na verdade, foi o que aconteceu. Primeiro porque, no caso, quem fala é um economista e, portanto, suas palavras têm uma autoridade que não teriam as de um simples escritor. Em segundo lugar porque seu autor escreve muito bem e, como eu, tem respeito e admiração pelo "grande Euclides da Cunha".

Paulo Nogueira Batista Jr. escolheu três cidades, Belém, Fortaleza e Florianópolis (isto é, uma do Norte, uma do Nordeste e outra do Sul), para refletir sobre o nosso "maravilhoso patrimônio histórico e cultural".

Observa, preocupado, que "o brasileiro não se interessa realmente pelo Brasil" e "vive, eternamente, de costas para o próprio país", desconhecendo "seus valores e potencialidades".

Mostra como, atualmente, "assim como na área da cultura, também na da economia o Brasil tem sido induzido a ignorar, descartar e desprezar os seus valores e interesses básicos".

O resultado é que, "a pretexto de modernizar, abrir e privatizar, produziu-se grande desnacionalização e enfraquecimento da economia nacional".

O melhor, porém, é que escreve: "Há quem diga que, no fundo, no fundo, o brasileiro não tem motivos individuais ou coletivos, históricos ou recentes para a auto-estima. É um engano (...). E depois auto-estima é uma questão (...) de saber encontrar, criar e recriar, na realidade multifacetada e multicolorida do mundo, do jeito mesmo que ele é, com todas as suas ambivalências, sombras e abismos, os motivos para viver, para fortalecer e fazer crescer a vida".

Assino e subscrevo. E peço a Paulo Nogueira Batista Jr. que, se um dia nos encontrarmos, permita que eu transforme em amizade pessoal a admiração que passei a sentir por ele ao ler seu artigo.


BELÉM, VÍTIMA DO REGIME COLONIAL DO ESPÍRITO

FOLHA DE SÃO PAULO, 6 de maio de 1999

Por PAULO NOGUEIRA BATISTA JR., economista e professor da Fundação Getúlio Vargas-SP

"Não se imagina, no resto do Brasil, o que é a cidade de Belém", escreveu o grande Euclides da Cunha no início do século 20. Pois acabei de voltar de Belém, onde passei alguns dias, e poderia dizer exatamente a mesma coisa.

Quase cem anos depois, em plena suposta "era da informação", o quadro não mudou: o Brasil continua a ignorar o maravilhoso patrimônio histórico e cultural de uma de suas principais cidades.

O leitor poderá estar estranhando um pouco o tema que escolhi esta semana para uma coluna que é, afinal, de opinião econômica. Mas pretendo mostrar, caro leitor, que a relação entre os dois assuntos é maior do que pode parecer à primeira vista.

Veja o meu caso. Tenho mais de 40 anos e nunca fui, nem quis ser, um daqueles economistas "tecnocráticos", encantado ou obcecado com a ciência econômica e suas aplicações. Dentro dos estreitos limites da minha ignorância de economista, sempre tive grande interesse por temas culturais. Apesar disso, até o ano passado, quando conheci Belém, não tinha a mais vaga e remota idéia do que é essa cidade brasileira!

Eis o que eu queria dizer: o brasileiro não se interessa realmente pelo Brasil. Vive, eternamente, de costas para o próprio país e desconhece solenemente os seus valores e potencialidades.

Trata-se, como é óbvio, de uma das facetas da nossa crônica falta de auto-estima. Do nosso secular complexo de vira-latas, como diria Nelson Rodrigues. Complexo esse que sofreu, nos anos 90, diga-se de passagem, uma intensificação impressionante, que bem mereceria uma avaliação aprofundada da parte dos estudiosos dos problemas sociais brasileiros.

Foi esse complexo revigorado de vira-latas que contribuiu - e muito - para que a política econômica brasileira, nos últimos dez anos, importasse todo tipo de "consenso" internacional vagabundo, fabricado no Primeiro Mundo para consumo na periferia do planeta.

Assim como na área da cultura, também na da economia o Brasil tem sido induzido a ignorar, descartar e desprezar os seus valores e interesses básicos. O resultado foi que, a pretexto de modernizar, abrir e privatizar, produziu-se grande desnacionalização e enfraquecimento da economia nacional.

Há quem diga que, no fundo, no fundo, o brasileiro não tem motivos individuais ou coletivos, históricos ou recentes para a auto-estima. É um engano. Belém está aí, a demonstrá-lo de forma escandalosamente clara. Assim como Fortaleza, Florianópolis e outras cidades que só recentemente tive a oportunidade de conhecer melhor.

E, depois, é preciso considerar o seguinte: auto-estima é uma questão de disposição interna, subjetiva. De saber encontrar, criar e recriar, na realidade multifacetada e multicolorida do mundo, do jeito mesmo que ele é, com todas as suas ambivalências, sombras e abismos, os motivos para viver, para fortalecer e fazer crescer a vida. O que vale no plano individual da vida de cada um de nós vale também no plano nacional.

Evidentemente, enquanto continuarmos valorizando e importando indiscriminadamente tudo o quanto é vulgaridade produzida na Europa e, sobretudo, nos EUA, nada de fundamental vai mudar. Continuaremos clientes de todas as bobagens que, sob a égide de uma falsa "globalização", percorrem a Terra à cata de consumidores incautos e provincianos.

"Eadem, sed aliter" ("O mesmo, mas de outra maneira"), ensinava Schopenhauer. Certos traços centrais de um país mudam pouco ou nada. Ou, em todo o caso, muito menos do que sugere a superfície das coisas.

No livro "Contrastes e Confrontos", publicado em 1907, o mesmo Euclides da Cunha desancou o "cosmopolitismo" das elites brasileiras, a sua atitude imitativa e servil que conformava "uma espécie de regime colonial do espírito", capaz de transformar "o filho de um país num emigrado virtual, vivendo, estéril, no ambiente fictício de uma civilização de empréstimo".

O nosso fascínio beócio com a "globalização", com as novidades, muitas vezes falsas, da economia e da cultura "globais" do final do século 20 é apenas a última transfiguração desse antigo, antiquíssimo regime colonial do espírito.







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