Ano XXV - 23 de abril de 2024

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ESTADOS UNIDOS - EMPRESAS PRIVADAS EM BUSCA DE LUCROS MALTRATAM PESSOAS


ESTADOS UNIDOS - EMPRESAS PRIVADAS EM BUSCA DE LUCROS MALTRATAM PESSOAS

TRABALHADORES QUE CUIDAM DE DEMENTES FIZERAM GREVE PARA SALVAR VIDAS

São Paulo, 14/01/2022 (16/03/2024)

  1. O DESCASO COM O SER HUMANO PARA QUE A EMPRESA TENHA LUCRO
  2. A COLABORAÇÃO E A AJUDA DOS PARENTES DOS INTERNADOS
  3. O QUE OS PATRÕES GERALMENTE ALEGAM NOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO
  4. TRABALHADORES A PROCURA DE SINDICATO PARA SALVAR PACIENTES
  5. AS DIFICULDADES IMPOSTAS AO REGISTRO DE SINDICATOS
  6. TÁTICAS UTILIZADAS PELOS TRABALHADORES CONTRA SEUS PADRÕES
  7. AS GRANDES EMPRESAS SEMPRE SÃO CONTRÁRIAS AO SINDICALISMO
  8. VANESSA VASELKA COMO ORGANIZADORA DE SINDICATOS
  9. NA DÉCADA DE 1970 INICIOU A REDUÇÃO DE DIREITOS SOCIAIS DOS TRABALHADORES
  10. QUALQUER SEMELHANÇA COM FHC, TEMER E BOLSONARO NÃO É MERA COINCIDÊNCIA
  11. A CORRUPÇÃO DE PELEGOS PARA DINAMITAR A UNIDADE SINDICAL
  12. HISTÓRICO DA ATUAÇÃO DOS PROPRIETÁRIOS DA CASA DE REPOUSO DE OREGON
  13. O PELEGO E SUA SUBLIMINAR CAMPANHA ANTI-SINDICAL
  14. O MEDO DAS REPRESÁLIAS E A RECUSA DO APOIO DE OUTRAS LIDERANÇAS
  15. OS PROBLEMAS CAUSADOS POR GREVES EM SEGMENTOS OPERACIONAIS ESSENCIAIS
  16. AS CONSTANTES AMEAÇAS DOS PATRÕES CONTRA OS GREVISTAS
  17. OS GREVISTAS DESCULPANDO-SE AOS PARENTES DAS VÍTIMAS DE MAUS TRATOS
  18. IMPEDIDOS DE TER SINDICATO, DESEMPREGADOS EXERCERAM OUTRAS PROFISSÕES
  19. RETALIAÇÃO AOS GREVISTAS, ASSÉDIO MORAL, AMEAÇAS, PERSEGUIÇÕES
  20. CONCLUSÃO

Por Vanessa Veselka - ex-organizadora sindical e autora dos romances “The Great Offshore Grounds” e “Zazen”; e por Clayton Cotterell - fotógrafo e diretor de fotografia. Texto publicado em 14 de janeiro de 2022 pelo The New York Times. Opinion - These Memory Care Workers Went on Strike to Save Lives (Trabalhadores que Cuidam de Dementes Entraram em Greve Para Salvar Vidas). Tradução digital pelo Google e edição do texto original para adaptação ao modo de escrever e ler no Brasil por Américo G Parada Fº - Contador - Coordenador do COSIFE.

1. O DESCASO COM O SER HUMANO PARA QUE A EMPRESA TENHA LUCRO

Vanessa Veselka publicou artigo no The New York Times alertando que no inverno de 2021, no oeste do Estado de Oregon [litoral do Oceano Pacífico], nos Estados Unidos da América, trabalhadores de um centro de tratamento de pessoas com deficiências mentais estavam cansados ​​de ver internados sofrerem.

Na Rawlin, em Riverbend, uma casa para idosos com 72 leitos na cidade de Springfield (Oregon - USA), as condições de atendimento eram horríveis devido à falta de funcionários e devido à falta de treinamento especializado. Idosos (internados) de seus quartos gritavam por ajuda.

A fachada da mansão do Rawlin, sob a análise de um contador, obviamente revela que eram enormes os custos de manutenção da bonita edificação. Assim sendo, não havendo receita suficiente, os administradores preferiam contratar funcionários mais baratos.

Aliás, é sempre o que ocorre em semelhante empreendimentos. Para tais empresários, os salários e os direitos sociais de seus empregados são sempre os causadores de falências e não a megalomaníaca vontade de ostentação de uma falsa riqueza.

Os trabalhadores (daquela entidade com fins lucrativos) tinham que tomar todos os tipos de decisões tal como os militares são forçados a tomar numa guerra: você gasta um tempo precioso para cuidar de feridas, casos de emergência, mesmo que não tenha certeza de como cuidar.

Essa decisão pode significar que outros pacientes sejam obrigados a ficar sentados nas suas próprias fezes por horas ou possam tropeçar e cair nos corredores. O auxiliar de enfermagem pára para alimentar um paciente que tem dificuldade para engolir, mesmo sabendo que outros internados podem ficar sem alimentação.

Segundo os trabalhadores, a Onelife, empresa privada que operava o Rawlin, não tinha pessoal suficiente para cuidar adequadamente das dezenas de pessoas com demência e com outros graves problemas de saúde. Cerca de 20 internados morreram em dois meses, de meados de novembro de 2020 a meados de janeiro de 2021, apenas seis deles de Covid. Muitas das outras mortes, acreditam os empregados, poderiam ter sido evitadas com um tratamento melhor.

2. A COLABORAÇÃO E A AJUDA DOS PARENTES DOS INTERNADOS

Segundo a articulista Vanessa Veselka, as famílias dos internados, muitas vezes ajudavam na assistência por saberem que se tratava de uma entidade propensa à negligência. Mas, durante meses  não conseguiram entrar no Rawlin por causa do Covid. Então, com a falta daquela ajuda e a falta de pressão dos parentes, os cuidados deixaram de ser feitos adequadamente.

Depois que perdeu a sua paramédica (enfermeira) residente, a empresa Onelife a substituiu temporariamente por uma enfermeira regional (não residente) que visitava o sanatório alguns dias por semana e, nas emergências, precisava ser contatada por telefone.

Os mais dedicados membros da equipe de trabalhadores diziam que seus colegas, diante do descaso dos patrões, demitiram-se e que também pensavam em fazer o mesmo. A enfermeira Jenn Gregory, que estava no Rawlin há mais de dois anos, foi um dos poucos trabalhadores antigos que ficaram, tentando manter os demais. Ela ganhava US$ 12,40 por hora, pouco acima do salário mínimo do Estado de Oregon na época, enquanto as novas pessoas contratadas ganhavam US$ 13 e US$ 14. Elas eram principalmente jovens - alguns recém-saídos do ensino médio e por isso faltava experiência.

A certa altura, a enfermeira Gregory, que havia se recuperado do Covid e ainda não havia recuperado o olfato, entrou em um quarto e encontrou uma mulher idosa com grandes escaras (úlceras) que estavam infectadas. Uma delas era do tamanho de uma bola de softball, profunda o suficiente para expor o osso. Gregory chamou um colega de trabalho, Eric Holmes, de 18 anos, para a sala para ajudar. Quando ela saiu para continuar as rondas, o fedor que exalava era tão insuportável que o próximo paciente internado que ela atendeu, um idoso, a expulsou de seu quarto porque ela “cheirava a Vietnã”.

3. O QUE OS PATRÕES GERALMENTE ALEGAM NOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO

Em um e-mail para o The New York Times, Zack Falk, o executivo-chefe da Onelife, contestou a descrição dos ferimentos da mulher, dizendo que possivelmente ela havia chegado do hospital com as úlceras. Ele também alegou serem mentirosas as acusações de seus ex-funcionários sobre as circunstâncias que envolveram a morte de muitos pacientes internados. De acordo com o Falk, todos os trabalhadores receberam treinamento adequado, a equipe sempre teve os requisitos exigidos pelo Estado e o número de mortos não foi significativamente diferente do ocorrido no inverno de 2019.

4. TRABALHADORES A PROCURA DE SINDICATO PARA SALVAR PACIENTES

Os servidores do Rawlin formavam uma família traumatizada, que se apavorava a cada nova morte. Chamaram os fiscais do Estado. Eles intimaram a administração da empresa por mais trabalhadores e salários mais altos para que pelo menos fossem maiores do que ganhariam em um restaurante de fast-food (sanduíches). Sem saber mais o que fazer, eles procuraram um sindicato local.

Vanessa Veselka, autora texto original em inglês, estava no sindicato procurado há um ano e meio quando foi recebida  a ligação telefônica sobre o Rawlin. Como organizadora do Local 503 do Service Employees International Union, ela representava trabalhadores que cuidavam de idosos em todo o Estado de Oregon e sabia que o setor de casas de repouso estava em desordem mesmo antes da pandemia.

Quando o Covid chegou, os trabalhadores de algumas casas de repouso tiveram que andar em sacos de lixo e usar bandagens como máscaras muito depois de os hospitais receberem equipamentos de proteção individual adequados. E, segundo a experiência dela (Vanessa Veselka), tudo de ruim acontece em casas de repouso, tendendo a ser muito pior na área dos casos psiquiátricos. Portanto, ela não ficou surpresa ao receber o telefonema de profissionais especializados em casos psiquiátricos. Não é surpresa a dificuldade que eles têm para organizar um sindicato.

5. AS DIFICULDADES IMPOSTAS AO REGISTRO DE SINDICATOS

Para formar um sindicato, os funcionários devem coletar assinaturas de pelo menos 30% dos trabalhadores elegíveis e enviá-las ao Conselho Nacional de Relações Trabalhistas como uma “demonstração de interesse”. O conselho trabalhista então organiza uma eleição, que é decidida por maioria simples. Nunca vi trabalhadores vencerem se seguirem essas instruções. Os trabalhadores nunca conseguem maioria absoluta para constituição de sindicatos. Poderia ser mais fácil pedir ao empregador o reconhecimento voluntário do sindicato. Raramente isto acontece.

Legalmente, os empregadores privados não podem interferir no direito de organização. Eles não podem subornar, ameaçar, retaliar, vigiar, dar a impressão de vigilância ou demitir trabalhadores dedicados ao sindicado ou a sua organização. Na realidade, muitos empregadores fazem todas essas coisas para impedir a sindicalização.

Para esconder de seus patrões a criação do sindicato, os trabalhadores precisam se organizar clandestinamente (associações) até que pelo menos 70% dos funcionários assinem o termos de inscrição no sindicato para que possam resistir a uma queda de 15% a 20% na participação quando a contra-campanha do empregador chegar. O período crucial é sempre entre a apresentação de uma eleição e a votação.

Durante o governo Trump, o conselho trabalhista expediu uma regra que permitia aos empregadores adiar as eleições por meio de manobras legais e também permitia que eles apresentassem contestações pós-eleitorais, o que pode impedir que os trabalhadores passem para a fase de negociação em um ritmo razoável. O tempo é uma arma para os criminosos do colarinho branco. Pessoas com poderio econômico podem facilmente superar pessoas sem nenhum dinheiro. Quanto mais tempo leva para chegar a uma eleição, menos chances os trabalhadores têm de conseguir seu sindicato.

Em lugares como o Rawlin, que tinha uma equipe pequena e com alta rotatividade, os trabalhadores nunca teriam um sindicato, em razão das táticas anti-sindicais utilizadas pelos empregadores (patrões). Mesmo que os trabalhadores conseguissem criar o sindicato, precisariam negociar um contrato, dando aos empregadores o direito estabelecer as regras de como seriam as greves. Com um empregador hostil, essas negociações podem levar um ano, e os trabalhadores ainda devem aceitar as condições impostas para que declarada uma greve para conseguir qualquer coisa.

Dada a situação,Vanessa Veselka disse a verdade aos trabalhadores: se eles quisessem um sindicato e realmente não pudessem esperar por mudanças, eles teriam que obter uma inegável maioria de filiados (cartões sindicais = filiações) e deveriam entrar em greve até que o empregador reconhecesse voluntariamente o sindicato. Este foi o caminho que eles escolheram.

6. TÁTICAS UTILIZADAS PELOS TRABALHADORES CONTRA SEUS PADRÕES

Naquela ocasião, 85% dos trabalhadores elegíveis solicitaram filiação (firmaram os cartões sindicais) em uma semana e abordaram a administração para exigir o reconhecimento de seu sindicato. Eles deram à administração 72 horas para responder. Foram colocados vídeos nas redes sociais mostrando trabalhadores falando sobre a campanha sindical, o que fez com que a campanha fosse imediatamente pública. Depois que a Rawlin disse que não reconheceria voluntariamente o sindicato, os trabalhadores notificaram sua intenção de greve.

Uma greve por reconhecimento é um ato radical. Vanessa Veselka disse que em todos os seus anos de trabalho, nunca tinha se envolvido com a criação de um sindicato.

7. AS GRANDES EMPRESAS SEMPRE SÃO CONTRÁRIAS AO SINDICALISMO

Ela disse ainda que sua introdução na organização de sindicatos aconteceu mais de duas décadas antes da Rawlin, quando conseguiu um emprego em um armazém da Amazon em Seattle (Estado de Washington), na esperança de criar o sindicato daqueles trabalhadores.

Vanessa Veselka diz que em 1999, a Amazon estava prestes a se tornar o Walmart da internet, abrindo centros de distribuição em todo aquele país. A Amazon já parecia ser veementemente anti-sindical. As políticas da empresa dificultavam que as pessoas se reunissem ou falassem muito umas com as outras. Quando se espalharam rumores de que os trabalhadores do armazém de Seattle estavam se organizando, a administração começou a procurar folhetos e outros materiais pró-sindicato entre seus funcionários.

Vanessa Veselka disse que, apesar do fracasso dessa criação, seu desejo de organizar sindicatos permaneceu. Tinha visto nos sindicatos o que não tinha visto em outros tipos de ativismo: o poder [econômico]. A necessidade de fechar negócio [realizar vendas] parecia ser o único objetivo na corrida desenfreada para o lucro corporativo.

8. VANESSA VASELKA COMO ORGANIZADORA DE SINDICATOS

Conseguiu um emprego em um SEIU local:1199NW, sindicato para profissionais de saúde no Estado de Washington, onde aprendeu os fundamentos da organização de sindicatos:

"Diga aos trabalhadores que o sindicato é deles e depois se comporte dessa maneira; os trabalhadores devem conhecer os riscos; nunca minta".

Vanessa Veselka disse que à medida que eram ganhas eleições sindicais em hospitais de todo o Estado de Washington, viu que a organização de sindicatos poderia levar a muito mais do que o direito de negociar coletivamente salários e benefícios. O sindicato podia ser transformador.

Em razão dos esclarecimentos, as pessoas envolvidas decidiam voltar para a escola. Elas finalmente marcavam consultas com oftalmologista em vez de depender de “leitores de código de barras" do supermercado. Elas se separam de parceiros ou cônjuges abusivos. Em suma, as pessoas começavam a imaginar um futuro melhor, que as incluíssem nas classes econômicas superiores da que estavam. Vanessa Veselka disse que adora transmitir esses ensinamentos.

Mas ela também sentia que estava travando uma batalha difícil. A adesão à sindicatos estava em declínio há décadas. A “doutrina Joy Silk” do conselho trabalhista de 1949, era o padrão de justiça sob o qual muitos membros da Maior Geração (Terceira Idade) se sindicalizaram, estabelecia regras favoráveis aos trabalhadores quando apresentassem (cartões sindicais) grande número de filiações ao sindicato e, por isso, solicitam o reconhecimento dele. Neste caso, os empregadores deviam reconhecer o sindicato e iniciar a fase de negociação, a menos que colocassem “dúvidas sobre a legalidade” das reivindicações do sindicato, dizendo ser ilegal insistir no pleito, simplesmente com o intuito de ganhar tempo assim minar a campanha sindical.

9. NA DÉCADA DE 1970 INICIOU A REDUÇÃO DE DIREITOS SOCIAIS DOS TRABALHADORES

O padrão Joy Silk foi revogado por volta de 1970 e as novas regras se tornaram mais favoráveis ​​aos empregadores.

A redução dos direitos dos trabalhadores continuou no governo de Ronald Reagan, depois George HW Bush, depois Bill Clinton. Com a ascensão da Fox News e Rush Limbaugh, nos âmago dos trabalhadores foi introduzido o sentimento anti-sindical. Quando a maioria das pessoas pensa na presidência de George W. Bush, pensa nos ataques de 11 de setembro, na guerra do Iraque ou no furacão Katrina.

10. QUALQUER SEMELHANÇA COM FHC, TEMER E BOLSONARO NÃO É MERA COINCIDÊNCIA

Na realidade deve ser lembrado a insana guerra travada por George W. Bush contra a sindicalização de trabalhadores. Os direitos de horas extras foram retirados, os padrões de segurança foram revertidos e muitos funcionários do governo federal perderam importantes proteções quando delatores.

Com o tempo, as vitórias duramente conquistadas dos profissionais de saúde aqui e ali começaram a parecer escaramuças à beira de um império. Essas lutas custam tanto aos trabalhadores e pouco aos empregadores.

11. A CORRUPÇÃO DE PELEGOS PARA DINAMITAR A UNIDADE SINDICAL

As corporações [CORRUPTORAS] podem gastar muito dinheiro em consultores [LOBISTAS] que destroem sindicatos com a introdução de PELEGOS em suas fileiras. Esses PELEGOS são treinados para colocar as pessoas umas contra as outras. Endereços de e-mail de trabalhadores brancos são usados ​​para enviar insultos raciais, e os horários de trabalho são alterados para atrapalhar mães solteiras. Nas palavras de um sindicalista aposentado (reformado), o trabalho (anti-sindical) era para quebrar o espírito coletivo “para para que o empregador tivesse a certeza de que nunca haveria uma força de trabalho unida”.

Vanessa Veselka disse que ficou atenta para ver se a Onelife aceitaria firmar contrato de trabalho com um sindicato.

12. HISTÓRICO DA ATUAÇÃO DOS PROPRIETÁRIOS DA CASA DE REPOUSO DE OREGON

A Onelife foi fundada por um ex-médico chamado Greg Falk e seu filho, Zack. Em 2016, Greg Falk concordou em desistir de sua licença médica depois que o Oregon Medical Board descobriu que ele havia se envolvido em “conduta não profissional ou desonrosa” e “negligência grave ou repetida”. (Zack Falk disse que seu pai “escolheu se aposentar em vez de se envolver em uma longa e cara defesa de sua prática”) Em 2017, Greg Falk abriu o Rawlin com Zack, que se tornou o executivo-chefe da Onelife.

Vanessa Veselka disse que sabia que os Falks tinham dinheiro – Greg Falk e sua esposa haviam comprado uma casa de US$ 6,25 milhões no ano anterior – mas a Onelife era uma operação relativamente pequena, com quatro instalações no Oregon, todas recebendo financiamento do Medicaid. Ela tinha pensado que a Onelife não estaria disposta a gastar muito com um sindicalista. Ela disse que estava errada.

Logo, uma barraca de bufê branca apareceu no estacionamento do Rawlin. Dentro da tenda estava um homem que viera “educar” os trabalhadores sobre os sindicatos. Ele foi enviado por uma empresa de consultoria nacional renomada por seu zelo anti-sindical.

Um formulário arquivado pela empresa mais tarde mostrou que a Onelife pagava à empresa US$ 3.500 por dia, mais despesas. A barraca, que oferecia comida grátis para os trabalhadores, o hotel e o aluguel de carro para o consultor poderiam ter acrescentado US$ 1.000 a mais por dia.

13. O PELEGO E SUA SUBLIMINAR CAMPANHA ANTI-SINDICAL

O discurso de um sindicalista [PELEGO = Sindicalista cooptado por órgãos patronais ou do governo] é quase sempre o mesmo: os sindicatos são corruptos e vão ficar com o seu dinheiro. Nada vai mudar de qualquer maneira. Os pelegos dizem ainda que os sindicatos eram importantes no passado, não mais precisamos deles agora.

Muitas vezes, um trabalhador é apresentado para descrever a sua experiência ruim com um sindicato em outro emprego. Às vezes, os trabalhadores recebem e-mail da empresa dizendo que um funcionário anti-sindicato teve seus pneus cortados e que eles respeitam o direito de se organizar, mas não podem tolerar a violência. Ocasionalmente, uma gerente chorosa alega ter recebido ameaças de morte em sua casa.

Nos últimos anos, os desequilíbrios de poder no local de trabalho desafiam nossa compreensão, principalmente no assédio sexual, que cresceu enormemente; e os desequilíbrios de poder também existem na distribuição ou organização do trabalho e dos salários.

Nos setores de salários mais altos, onde as oportunidades de carreira dependem de recomendações [apadrinhamentos nas avaliações de desempenho], os trabalhadores são reféns de suas reputações.

Em indústrias, nos setores de salários mais baixos, coisas simples podem prejudicar a vida de alguns, como uma mudança de horário de um pai solteiro que tenha dependentes de cuidados infantis. A comida gratuita fornecida pelos sindicalistas [PELEGOS] pode não parecer um incentivo para votar contra um sindicato, mas para os trabalhadores que vivem na pobreza, como alguns dos do Rawlin, a insegurança alimentar era real.

À medida que a greve se aproximava, a influência do PELEGO começa a aparecer. A primeira perseguição acontece  nos dias em que a maioria das mães solteiras trabalhavam. As perseguições seguintes ocorrem com seus parentes ou amigos mais próximos. Assim, o sindicato pode perder até 20% de apoiadores em cinco dias úteis. Assim, a campanha sindical, em queda livre, deixa de ser apoiada pelos demais funcionários.

Com o apoio girando em torno de 60%, são convocadas Assembleias de trabalhadores para decidirem sobre a declaração de greve. Em Seattle as assembleias aconteciam no estacionamento de uma pizzaria vazia, perto do rio Willamette. Enquanto a assembleia progredia, outros trabalhadores faziam piquetes. Num desses momentos, Vanessa Veselka diz foi conversar em particular com Summer Trosko, uma paramédica de 40 anos com mãos fortes, cabelos pretos grossos e pele morena.

14. O MEDO DAS REPRESÁLIAS E A RECUSA DO APOIO DE OUTRAS LIDERANÇAS

Vanessa Veselka diz que é comum a existência de vários líderes em uma unidade sindical, mas, muitas vezes surge um líder de líderes. A Summer Trosko era uma dessas pessoas que se destacam como líderes. Ela tinha um núcleo moral de fúria silenciosa sobre o que estava acontecendo com os internados na casa de repouso, combinado com uma profunda compaixão por seus colegas de trabalho.

Vanessa Veselka disse a ela que não achava que poderíamos nos manter juntos e atacar com a maioria. Summer Trosko achou que nós poderíamos e disse: “Quando você sai e faz a coisa certa, o universo te apoia”.

Vanessa Veselka disse que sempre está nervosa na noite anterior a uma ação. Só pensa em comer lasanha e andar. Nos dias antecedentes à greve, são divulgados vídeos que os trabalhadores fizeram sobre suas experiências, mas no dia seguinte todos estão num ambiente muito diferente.

O primeiro grupo a apoiar a greve foi a Socialist Rifle Association (Associação Socialista de Fuzileiros), um grupo esquerdista pró-armas. O sindicato viu-se obrigado a implorar que não usassem algo que revelasse aquele apoio. Não deveriam usar cartazes que identificassem o apoio da “A Socialist Rifle Association Supports Memory Care Workers” (Associação Socialista de Fuzileiros de Apoio a Trabalhadores Que Cuidam de Dementes). Também não era necessário a revelação do apoio dos Proud Boys (Garotos Orgulhosos) de Oregon, que quase certamente os ajudariam.

15. OS PROBLEMAS CAUSADOS POR GREVES EM SEGMENTOS OPERACIONAIS ESSENCIAIS

Greves área da saúde não são como outras greves. Devido à natureza do trabalho, as pessoas que cuidam de idosos ou com demência, quase todas mulheres e muitas vezes "pessoas de cor", não podem simplesmente abandonar o trabalho. Essas pessoas devem dar 10 dias de antecedência para que o empregador tenha tempo de contratar trabalhadores substitutos em agências de recrutamento, frequentemente pagando-lhes o dobro dos salários dos funcionários que estão substituindo.

Uma grande desvantagem para os grevistas era a facilidade com que podiam ser substituídos. A vida assistida e os cuidados residenciais são uma indústria pouco regulamentada: no Estado de Oregon não exige certificação para trabalhadores em instalações quem cuidam de dementes. Técnicos de medicina como Summer Trosko podem ser contratados na rua sem nenhuma experiência numa segunda-feira e distribuir drogas da Classe II (como OxyContin e morfina) na quinta-feira. Mesmo que os Falks pagassem o dobro por substituições de grevistas, isso significava apenas cerca de US$ 12 a US$ 16 extras por hora para cerca de duas dúzias de trabalhadores.

Na manhã em que a greve começou, um piquete se formou em frente ao Rawlin. No último momento, os membros do Local 503 votaram a favor dos grevistas com um pagamento de piquete de US$ 100 por dia, um valor que representava perda para muitos dos trabalhadores. As pessoas se moviam em um círculo solto, mais solto pelo distanciamento social. No meio da manhã, ativistas, membros da igreja e trabalhadores de outros sindicatos se juntaram ao piquete.

16. AS CONSTANTES AMEAÇAS DOS PATRÕES CONTRA OS GREVISTAS

Durante todo o dia, os trabalhadores em greve abriram caminho para dar lugar a seus substitutos, muitos dos quais usavam adesivos do sindicato [do PELEGO] como demonstração de apoio. Alguns membros da equipe original [subornados pelo PELEGO] também passaram, levando panfletos e pedindo desculpas, incapazes de olhar os grevistas nos olhos. Zack Falk andava para frente e para trás pela linha de piquete em um carro esportivo brilhante.

Um homem que trabalhava para a Onelife apareceu para filmar o piquete. Era apenas uma das muitas ações ameaçadoras tomadas pela empresa pra que os trabalhadores desistissem da greve. Primeiramente os funcionários relataram ter sido informados de que não mais poderiam retornar às suas funções na empresa se entrassem em greve, e dois trabalhadores ainda disseram que foram encurralados (ameaçados) pela administração antes da greve. (Falk negou essas alegações).

Não existem normas específicas que garantam o direito de organizar greves. É extremamente difícil atender aos critérios do conselho trabalhista para uma decisão contra um empregador.

Em geral, o trabalhador reclamante primeiro deve provar que os gerentes sabiam que ele estava coagido e que a intenção era a de retaliação (represália, desforra, perseguição). Como os ativistas da reforma policial sabem, a intento da perseguição é muito difícil de provar. Mesmo que sejam fornecidas evidências suficientes como um e-mail ameaçador, o processo é lento e os remédios ou recursos (para evitar ou corrigir situações desagradáveis) geralmente são inúteis. Certamente as eventuais advertências ao empregador não são fortes o suficiente para impedir que novamente cometa as mesmas coerções.

Apresentamos [ao Conselho Trabalhista] duas acusações contra a Onelife alegando coerção, entre outras coisas, mas não esperávamos que nenhuma delas continuasse e eventualmente as retiramos. Se o Conselho Trabalhista tivesse aceitado as denúncias, essas acusações resultariam apenas em avisos afixados dentro do Rawlin.

17. OS GREVISTAS DESCULPANDO-SE AOS PARENTES DAS VÍTIMAS DE MAUS TRATOS

Na quarta noite da greve, piquetes organizaram uma vigília à luz de velas em memória [lembrança] aos pacientes que morreram. 

Vanessa Veselka disse que as vigílias à luz de velas a irritavam porque muitas vezes era assim que as mulheres são forçadas a se tornarem santas para arrancar mudanças de um público aterrorizado com sua raiva.

Simplificando, Vanessa Veselka disse que nunca viu um sindicato que representa os trabalhadores de policiamento e manutenção de ruas fazer uma vigília à luz de velas sobre as mortes no trânsito. Neste caso, porém, a vigília foi um ato de total seriedade. Os cuidadores, que eram tão próximos dos pacientes internados, em alguns casos mais próximos que suas famílias, não tinham realmente um lugar para se reunir e lamentar.

As pessoas se reuniram na grama molhada, segurando guarda-chuvas. Sob uma tenda dobrável havia velas com os números dos quartos do falecido escritos nelas. Os cuidadores compartilhavam as lembranças que podiam, mas como as regras de privacidade médica proíbem o uso de nomes e detalhes, grande parte foi codificada, uma linguagem apenas inteligível para os trabalhadores. Em tons que subiam e desciam, eles diziam: “Aquele era meu melhor amigo”; "Ele foi um homem maravilhoso"; “ela era uma coisinha mal-humorada”; “Eles são nossa família”.

Summer Trosko disse à multidão que os trabalhadores fariam greve por mais 10 dias. Muitas vezes perguntou a si mesma o que leva as pessoas a brigar quando suspeitam que não vão vencer. Neste caso a vitória seria dos pacientes internados na empresa em questão.

18. IMPEDIDOS DE TER SINDICATO, DESEMPREGADOS EXERCERAM OUTRAS PROFISSÕES

Summer Trosko gostaria de dizer que os trabalhadores de Rawlin conseguiram seu sindicato, mas não conseguiram. A greve durou 14 dias, depois dos quais muitos dos trabalhadores desistiram de continuar em greve. Cerca de 12 funcionários marcharam até a instalação e entregaram suas cartas de demissão pessoalmente. Trosko disse que foi ótimo.

Razões incompreensíveis geralmente marcam reivindicações não atendidas. Uma trabalhadora foi aprovada no exame para conseguir sua carteira de motorista (profissional), outra abandonou um relacionamento abusivo e pelo menos mais duas voltaram a estudar.

Elizabeth Roby, que saiu da empresa Panda Express para trabalhar na casa de atendimento a idosos, decidiu estudar para se tornar uma assistente de enfermagem certificada. Jenn Gregory se recusou a trabalhar por menos de US$ 15 por hora em seu próximo emprego e mais tarde se juntou ao Holmes colega de trabalho na nova empresa. Eles passaram a ganhar US$ 16 por hora, perto de US$ 4 mil por mês.

Trosko e outro técnico de medicina, Hermes Ochoa, viajaram pelo Estado de Oregon conversando com legisladores e seus eleitores sobre a necessidade de mais transparência e supervisão no setor de internados por demência. Graças em parte aos seus esforços e à atenção da mídia atraída pela greve, o Rawlin teve que responder a perguntas sobre as acusações de negligência e de uso de pessoal inadequado. a entidade foi intimada pelo Departamento de Serviços Humanos de Oregon e da unidade de Serviços de Proteção a Adultos do condado, cujos funcionários são membros da SEIU (Sindicato Especializado) no  Local 503, atinente ao  Rawlin. Seu dirigente Falk disse que a Onelife (terceirizada) foi inundada com um número sem precedentes de reclamações durante a greve, e acredita que os grevistas estavam tentando manchar a reputação da Onelife. Mais de uma dúzia de alegações de negligência foram comprovadas.

19. RETALIAÇÃO AOS GREVISTAS, ASSÉDIO MORAL, AMEAÇAS, PERSEGUIÇÕES

Vanessa Veselka revelou que tinha uma lista de coisas que faria diferente da próxima vez, mas não se arrependia da escolha de fazer greve por reconhecimento de danos a trabalhadores e a pacientes vitimados por demência. A retaliação que os trabalhadores relataram foi sofrida ao longo do mês em que tentavam organizar um sindicato. Sofreram assédio moral e sexual, ameaças, vigilâncias (perseguições). Esses atos do empregador teriam ocorrido ao longo de dois a seis meses se tivéssemos esperado mais tempo para a declaração da greve, antes da constituição do sindicato. Era difícil a convocação da Assembleia de constituição por a empresa usava como táticas a contratação de equipes pequenas e com alta taxa de rotatividade dos trabalhadores, o que os impedia de realizar a convenção.

A lei trabalhista existente nos Estados Unidos depois de 1970 deixou de proteger funcionalmente o direito de se organizar sindicatos, ao contrário do que era possível anos atrás. Um simples restabelecimento das regras sobre “eleições oportunas” não ia resolver o problema existente, salvo se houve verdadeira mudança. No final do verão de 2021, o novo conselheiro geral do conselho trabalhista divulgou um memorando demonstrando grande interesse em retornar à doutrina Joy Silk, que era o padrão descartado por volta de 1970. Se o Ato (a lei) Joy Silk fosse revogada (como foi), os trabalhadores teriam conseguido organizar sindicatos sem várias das grandes empresas como  Amazon, Starbucks e Whole Foods. Essa organização  poderia ter ocorrido de 10 a 20 anos atrás. E se Joy Silk tivesse sido o padrão quando ocorreu a revolta no Rawlin, teria conseguido organizar seu sindicato  logo após a entrega de seus formulários de inscrição.

20. CONCLUSÃO

A campanha dos trabalhadores da Rawlin talvez possa ser  encarada como uma vitória porque eles conseguiram a adesão da maioria de seus colegas de trabalho e finalmente denunciaram as coisas irregulares que os incomodavam. Graças à escolha da enfermeira Summer Trosko como líder, outros colegas reconheceram o valor de suas atividades e decidiram o que fazer para denunciar irregularidades. Eles escolheram pela conjugação de forças para organização do sindicato. Eles escolheram atacar juntos. Eles escolheram demitirem-se juntos para forçar o atendimento de suas reivindicações no sentido da melhoria da forma como eram tratados os pacientes que ali viviam ou morriam. Os trabalhadores na realidade não conseguiram fundar um sindicato, mas agiram como se ele existisse.







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