Ano XXV - 20 de abril de 2024

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GOVERNANÇA CORPORATIVA - 6. As Lições que Ficaram


A CRISE DE CREDIBILIDADE DA GOVERNANÇA CORPORATIVA

APESAR DE TUDO, DE DEZ/2002 A DEZ/2016 NADA MUDOU - A PILANTRAGEM MODERNIZOU

São Paulo, 17/12/2016 (Revisada em 20-02-2024)

6. As Lições que Ficaram

  1. Preliminares
  2. Um Outro Contexto
    • Ética e Desenvolvimento Humano
    • Corrupção e Fraudes Contábeis
    • Auditoria Externa
  3. A Governança Corporativa no Brasil

6.1. Preliminares

Apesar da diferença radical entre a realidade americana e a nacional [brasileira], o trabalho se propõe a estabelecer paralelos com o ambiente e a situação das empresas que se referem às práticas contábeis, de auditoria e de GC, na procura das lições resultantes dos episódios relatados.

Este trabalho não abordou, de forma sistemática e em detalhes, nenhum escândalo financeiro ocorrido com empresas nacionais [do Brasil], pois a imprensa brasileira geralmente não reporta os casos de escândalos financeiros em detalhes, nem os acompanha com o auxílio de especialistas financeiros. Por esses motivos, existe uma grande dificuldade em obter um quadro transparente dos escândalos financeiros ocorridos no nosso País. (35)

(35) Por exemplo, foi publicado um artigo relatando o fato de a Secretaria da Receita Federal ter multado três laboratórios farmacêuticos em R$ 90 milhões; e estar com outros 17 sob fiscalização.

As multas eram decorrentes da apuração de possíveis fraudes em preços de transferência, visando aumentar o custo de matérias-primas importadas das matrizes, com a conseqüente redução da base tributária.

Apesar da aplicação da multa por sonegação fiscal, trazendo o assunto para a esfera do interesse público, o artigo não nomeava nenhuma das empresas envolvidas (O Globo, 22 de julho de 2002).

NOTA DO COSIFE:

Esses fatos foram especialmente discutidos em curso ministrado na ESAF - Escola de Administração Fazendária logo antes e depois de sancionada a Lei 9.430/1996 que estabeleceu as regras sobre Preços de Transferência ou Valoração Aduaneira constantes do RIR/1999.

Em razão da existência dessas fraudes de superfaturamento das importações para aumento dos custos de produção no Brasil, com a dissimulada remessa antecipada de lucros como forma de redução da carga tributária, foi criada a legislação de introdução dos remédios genéricos para evitar essas fraudes praticadas por empresas estrangeiras.

Veja explicações complementares em Comércio Exterior - Preços de Transferência ou Valoração Aduaneira.

6.2. Um Outro Contexto

  1. Ética e Desenvolvimento Humano
  2. Corrupção e Fraudes Contábeis
  3. Auditoria Externa

6.2.1. Ética e Desenvolvimento Humano

O último Relatório de Desenvolvimento Humano, divulgado no final de julho pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), fez uma avaliação do sistema político de diversos países baseado em 11 quesitos, dos quais nos interessam três para efeitos deste artigo: liberdade de imprensa, índice de percepção de corrupção e estado de direito.

Com relação ao primeiro, o Brasil foi avaliado como tendo uma imprensa parcialmente livre, obtendo nota 31 numa escala de 0 a 100. Essa nota situa o País numa posição bastante próxima da classificação de liberdade total (faixa de 0 a 30 pontos). No entanto, o quarto poder não tem exercido, de forma efetiva, sua liberdade para divulgar desvios éticos no ambiente empresarial, sendo relevante destacar que as redes de comunicações estaduais estão, quase todas, dominadas por famílias de políticos, o que sugere a forte possibilidade de a transparência do fluxo de informações estar comprometida, favorecendo a prática de fraudes em todos os níveis.

O índice de corrupção do Brasil recebeu nota 4, numa escala de 0 a 10, salientando que notas inferiores a 5 reprovam os países nesse quesito. Na opinião de executivos, analistas de risco e acadêmicos, o Brasil não passa no teste de corrupção governamental, estando classificado em 56º lugar na lista dos países mais corruptos dentre uma lista de 102 países. A percepção de que a corrupção é alta no Brasil tem dois desdobramentos: significa menor propensão a investir por parte de investidores estrangeiros, pois alta corrupção significa maiores custos; e representa menor qualidade de vida para os brasileiros, pois o grau de corrupção está diretamente ligado à qualidade de vida de nossa população. Nessa mesma pesquisa, comparativamente, os EUA estão em 16º lugar, com 7,7 pontos.

O quesito estado de direto foi um no qual o Brasil teve uma das piores avaliações, obtendo nota –0,26, numa escala de –2,5 a + 2,5. Esse quesito é julgado com base na existência de mercados negros, no respeito público e privado a contratos, na corrupção do sistema bancário, em obstáculos à realização de negócios e na previsibilidade das decisões do Poder Judiciário. Essa nota reflete um contexto muito difícil para a prática das atividades e da ética empresariais.

O ambiente nacional aqui delineado não favorece os negócios. Os três fatores avaliados de forma negativa contribuem para explicar duas situaçõ- es: o baixo volume de crédito direcionado para as atividades empresariais, fruto de uma relação desequilibrada entre credor e devedor; e a reduzida participação do mercado de capitais no financiamento dos negócios, acarretada em grande parte pela baixa proteção aos acionistas minoritários.

6.2.2. Corrupção e Fraudes Contábeis

As perdas anuais com fraudes chegam a US$ 400 bilhões em todo o mundo, de acordo com a Kroll, empresa especializada em gerenciamento de riscos. Tem crescido o número de empresas que pede a abertura de inquéritos policiais para coibir práticas fraudulentas cometidas por funcionários e até mesmo por executivos, pois somente com inquérito policial a empresa pode responsabilizar o fraudador e se eximir da responsabilidade civil que os atos fraudulentos possam ter causado a terceiros.

Entre as fraudes mais comuns cometidas no Brasil estão os desvios de recursos por funcionários (fraudes puras) e as manobras para a redução do lucro (fraudes contábeis). As fraudes puras têm um perfil bem distinto, pois ocorrem, em geral, em esquemas montados com fornecedores ou funcionários do governo, em prejuízo do proprietário da empresa, o que espelha um ambiente menos propício a fraudes do tipo Enron.

No Brasil, o direito romano-germânico ou direito positivo impõe à contabilidade intensa normatização, embora a verificação da aderência das demonstrações contábeis aos PFC ainda encontre algumas áreas cinzentas, em que as leis e normas deixam espaço para o arbítrio das empresas. A redução do lucro é, por excelência, o campo das fraudes contábeis no País, sendo realizada com um objetivo: minimização de impostos e de dividendos. Na estrutura societária de grande número de empresas brasileiras, com controladores bem definidos, todos os meios são acionados para manter os recursos dentro da empresa.

As fraudes contábeis envolvem desde acintosas afrontas aos PFC até manobras mais sutis, de difícil confirmação, e que ocorrem principalmente em contas do balanço que não podem ser checadas fisicamente. Essas manobras são realizadas com transações cuja mensuração está permeada por um alto grau de subjetividade, resultando em valores que não podem ser clara e objetivamente definidos, e afetam as estimativas para as provisões e contingências trabalhistas e ambientais, as provisões para devedores duvidosos e o nível de obrigações atuariais com fundos de pensão, entre outras.

O estudo que avaliou o grau de permissividade ética dos profissionais da contabilidade no Brasil (36) com relação à natureza da manipulação – operacional ou contábil – traduz a lógica que orienta o comportamento deles. O fato de as empresas nacionais de capital aberto terem controle concentrado por grupos familiares, com gestão parcialmente familiar exercida num contexto relacional, contribui para explicar a inclinação dos profissionais de contabilidade no Brasil a serem mais receptivos a manipulações contábeis do que os seus congêneres americanos.

(36) Estudo de Moacir Sancovschi (UFRJ) e Felipe Janot de Matos (FACC/UFRJ).

A situação diferenciada das empresas brasileiras em relação às americanas decorre de vários motivos: é pequeno o contingente de empresas com ações negociadas em bolsa de valores; a concessão de stock options não constitui prática comum no Brasil; e as medidas saneadoras implementadas após os grandes escândalos ocorridos na década de 1990, como os dos bancos Econômico e Nacional, parecem ter se revelado eficientes.

6.2.3. Auditoria Externa

A atuação profissional dos auditores externos está regulada pela Instrução CVM 308, emitida em 14 de maio de 1999, com a exceção do seu Art. 23, que se encontra sub judice. Tal artigo, em seus dois incisos, estabelece regras de impedimento para as empresas de auditoria, vedando a prestação de serviços quando ela adquirir ou manter valores mobiliários da entidade ou prestar, de forma concomitante, serviços de consultoria e de auditoria externa.

As demais regras estão em vigor e são abrangentes, incluindo a exigência de exame de qualificação técnica; a obrigatoriedade de rotação de auditores após cinco anos; a implantação de programa interno de controle de qualidade; a revisão de seu controle de qualidade por empresas pares; e a implantação de programa de educação continuada.

A Instrução CVM 308 representa um considerável avanço em proporcionar um contexto operacional com menor conflito de interesses entre as empresas e seus auditores. Enquanto reguladores de outros países discutem a adoção de medidas para minimizar a emergência de conflitos de interesses, essa instrução vem sendo contestada na Justiça brasileira há três anos.

Na fronte da fiscalização, uma fonte da CVM revelou que a autarquia detectou, desde 1994, mais de cem casos de empresas que apresentaram um lucro menor do que o real. Em 2001 foram republicadas demonstrações contábeis de 17 empresas, chegando a dez só no 1º semestre de 2002.

6.3. A Governança Corporativa no Brasil

As grandes corporações americanas têm suas ações distribuídas de forma altamente pulverizada, o que exige um conjunto de princípios de GC bem diferente do demandado pelo mercado de capitais brasileiro, no qual as empresas são, em sua maioria, de controle claramente identificado.(37)

(37) Avaliação realizada esse ano revelou que, no Brasil, 605 das empresas abertas possuem um acionista com mais de 50% dos votos e este acionista possui em média 74% do capital votante. Entre as empresas em que o controle não está em mãos de um único acionista, os três maiores possuem 78% do capital votante e os cinco maiores detêm uma parcela de 82% do capital votante.

No Brasil, o prêmio de controle (38) é elevado em relação a outros países, o que sugere a existência de uma fraca proteção aos minoritários, pois, em tese, deveria haver ganhos para todos. (39)

(38) É o valor adicional ao preço de mercado pago por um terceiro para garantir a maioria do capital votante de uma empresa. Em tese, ao deter uma parcela grande do capital de uma empresa, o investidor está correndo um risco maior porque não está diversificando. Esse risco deve ser compensado pelo benefício do prêmio de controle.

(39) Ao comprar ações de uma empresa, o investidor espera uma maximização do retorno do capital investido nas ações; mas quando há concentração do controle, esse objetivo não será necessariamente seguido pelos controladores da empresa, porque eles já têm garantido o prêmio de controle.

Os minoritários perdem quando os administradores não seguem os objetivos dos investidores, diluindo o direito dos minoritários através de pagamento de salários excessivos, vendas de ativos ou produtos para empresas controladas pelos próprios administradores a preços favoráveis, escolha de estratégias de investimento orientadas por razões pessoais etc.

No contexto nacional, os princípios de GC deveriam estar focados na defesa do minoritário através da formalização de normas explícitas regulando os direitos e deveres dos acionistas controladores e dos minoritários. Existe uma corrente que nega a ênfase à proteção do minoritário, restringindo o alcance de objetivos da GC à melhoria da gestão, em nome de uma enviesada “tropicalização”. Encampam, ainda, a tese de que a defesa dos acionistas minoritários é assunto que foge ao escopo de uma GC tropicalizada. Subjacente a esse raciocínio está a premissa de que a mediação de conflitos entre os controladores e uma administração profissionalizada deveria constituir o seu cerne.

Os partidários dessa GC restrita têm uma visão reducionista: por menor que seja a participação de recursos do mercado providos pelos acionistas minoritários, sua defesa é a essência ética de um bom padrão de GC, na medida em que a sua adoção busca conceder equilíbrio, numa relação de poder, à parte menos protegida. Essa postura restritiva também minimiza o fato de que as empresas abertas brasileiras têm outras obrigações além daquelas relativas à otimização da gestão operacional, como a de realizar uma adequada prestação de contas.







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