Ano XXV - 28 de março de 2024

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Parte 6 - A TRIBUTAÇÃO SOBRE O CAPITAL E O IMPOSTO SOBRE GRANDES FORTUNAS


A REFORMA TRIBUTÁRIA IGUALITÁRIA NO BRASIL

THOMAS PIKETTY: O CAPITAL NO SÉCULO XXI

São Paulo, 20/03/2015

Referências: Desigualdade. Tributação Justa. Progressividade. Imposto de Renda. Imposto sobre Grandes Fortunas. Transparência Internacional.

PIKETTY E A REFORMA TRIBUTÁRIA IGUALITÁRIA NO BRASIL

Por Ricardo Lodi Ribeiro - Professor Adjunto de Direito Financeiro da UERJ. Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Direito da UERJ. Ex-Procurador da Fazenda Nacional. Presidente da Sociedade Brasileira de Direito Tributário (SBDT). Advogado e Parecerista. Publicado pela Revista de Finanças Públicas - Tributação e Desenvolvimento - V.3, N.3 (2015). Acesso em 20/03/2015.

6. A TRIBUTAÇÃO SOBRE O CAPITAL E O IMPOSTO SOBRE GRANDES FORTUNAS

Uma das principais propostas de Piketty para combater a desigualdade social pela via da tributação é a introdução de um imposto sobre os grandes capitais em escala mundial como medida destinada a reduzir das grandes fortunas, promovendo o maior equilíbrio entre os segmentos sociais.

Sua função, não seria redistributiva de prestações públicas para os mais pobres, como se viu, mas distributiva, de modo a regular o capitalismo limitando a extrema concentração de renda, a partir da estratégia de diminuir o retorno do capital privado para os níveis abaixo da taxa de crescimento, subvertendo a equação r > g, para fazer com que o crescimento da riqueza nacional supere a remuneração dos grandes capitais (r < g).

Propõe Piketty uma incidência anual de 0% para patrimônios inferiores a 1 milhão de euros; 1% para aqueles entre 1 a 5 milhões de euros; 2% para os valores além de 5 milhões de euros; podendo subir até 5 a 10% para os patrimônios acima de 1 bilhão de euros. (59)

(59) PIKETTY. O Capital no Século XXI, p. 503.

Segundo o autor, as vantagens de tal tributação sobre a atual taxação patrimônio são:

  1. atingir não só o capital imobiliário mas também o financeiro;
  2. permitir a dedução das dívidas incidentes sobre o patrimônio, o que hoje não se admite;
  3. adotar a progressividade, já que hoje quase toda a tributação sobre patrimônio é proporcional. (60)

(60) PIKETTY. O Capital no Século XXI, p. 503-504.

Por outro lado, segundo Piketty, sendo um imposto sobre o patrimônio acumulado, e não sobre a percepção dos rendimentos por ele gerado em determinado período de tempo, não ocorre o desestímulo aos novos investimentos. (61)

(61) PIKETTY. O Capital no Século XXI, p. 556.

Ademais, a tributação da renda é frequentemente subdimensionada pelos seus detentores a partir de patamares muito elevados. Daí a necessidade de uma tributação direta sobre o capital, permitindo captar a capacidade contributiva dos titulares de grandes fortunas, o que no âmbito da tributação da renda nem sempre é possível em função de possibilidades mais amplas de planejamento fiscal. (62)

(62) PIKETTY. O Capital no Século XXI, p. 511.

Além de tal lógica contributiva, segundo Piketty, o imposto sobre o capital possui uma lógica de incentivos aos investimentos que tenham um retorno mais elevado, ou ainda a alienação do capital que não encontra boa rentabilidade. (63)

(63) PIKETTY. O Capital no Século XXI, p. 512-513.

Pelo lado da justiça fiscal, o imposto sobre capital, ao estabelecer incidências progressivas sobre a riqueza individual, seria, segundo Piketty, uma instituição que permitiria ao interesse comum a retomar o controle do capitalismo ao se apoiar nas forças da propriedade privada e da livre concorrência, pois cada categoria de riqueza seria taxada da mesma maneira, sem discriminação a priori quanto à sua origem, partindo do princípio de que, em geral, os detentores dos ativos estão em melhor posição do que o poder público para decidir sobre os investimentos a serem feitos. (64)

(64) PIKETTY. O Capital no Século XXI, p. 518.

Segundo a sua proposta, o imposto sobre grandes capitais poderia absorver, com vantagens, o imposto sobre a propriedade imobiliária, sendo lançado de ofício para coibir as fraudes, e teria como referência ao valor de mercado do capital, sendo ainda passível de dedução dos empréstimos, permitindo-se que o patrimônio seja tributado pelo seu resultado final e não apenas pelo seu ativo como é hoje. (65)

(65) PIKETTY. O Capital no Século XXI, p. 515.

A tributação sobre grandes fortunas na França foi levada a efeito pelo Impôrt sur lês Grandes Fortunes (IGF), introduzido na França no Governo socialista de François Mitterrand, em 1981. O imposto francês foi revogado em 1986 para reaparecer em 1988 como imposto de solidariedade sobre a fortuna (Impôrt de Solidarité sur La Fortune – ISF). Piketty noticia que o IGF e o ISF não modificaram muito o quadro da distribuição de renda na França, em face da opacidade quanto ao nível e a repartição do patrimônio submetido ao imposto e de uma legislação que estabelece uma série de regimes derrogatórios em favor das rendas do capital. (66)

(66) PIKETTY, Thomas. "A febre e o termômetro”, in: Bava, Silvio Caccia (org.). Piketty e o Segredo dos Ricos. São Paulo: Veneta; Le Monde Diplomatique Brasil, 2014, p. 29-30.

Por influência da experiência francesa, a Constituição brasileira de 1988 previu a criação do imposto sobre grandes fortunas (IGF). De acordo com o art. 153, VII, CF, o IGF deve ser instituído por lei complementar. Porém, nunca foi instituído no Brasil, a despeito do projeto de lei complementar apresentado pelo Senador Fernando Henrique Cardoso em 1989, que nunca foi aprovado. (67)

(67) Registre-se que, nem mesmo quando o autor do projeto foi Presidente da República (1995-2002), houve efetivo apoio governamental para a sua aprovação.

A Constituição determina que a lei complementar irá instituir o tributo, definindo não só definir o seu fato gerador, a sua base de cálculo e seus contribuintes, como determina o art. 146, III, a, CF, em relação aos demais impostos, mas também, a sua alíquota e demais elementos para a exigência do tributo. Porém, pode-se extrair da Constituição que a grande fortuna pressupõe a riqueza imobilizada no patrimônio do contribuinte, e não o seu auferimento durante certo período de tempo, como a renda. Dessa ideia a lei complementar não poderá afastar-se, com o que se atende aos objetivos apresentados por Piketty.

O grande problema para a instituição da tributação sobre grandes fortunas em nosso país não é de ordem normativa. Como se viu, basta uma lei complementar para institui-lo. Mas de ordem política e econômica. Sob o primeiro aspecto, é preciso superar a resistência dos muito ricos à sua instituição, e a influência que estes exercem sobre o Congresso Nacional. Quanto ao segundo aspecto, já identificado por Piketty, é o risco de que as grandes fortunas se mudem para outros países que não adotem a tributação sobre os grandes capitais, o que acabaria por comprometer o desenvolvimento econômico. Por isso, o economista francês propõe a sua adoção em escala global, o que, ele mesmo reconhece ser uma utopia útil em um mundo globalizado financeiramente, mas ainda normatizado pelo Estado nacional. Essas dificuldades que a concorrência tributária internacional impõe à tributação no plano nacional dos grandes capitais é o tema a ser enfrentado no item seguinte.

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