Ano XXV - 18 de abril de 2024

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COITADO DO MALUF


Coitado do Maluf

Por Luis Fernando Veríssimo

O GLOBO, 27-10-2005 - Extraído do site do Ministério do Planejamento

Como votaria a população brasileira num referendo sobre a decisão da justiça de soltar os Maluf? O resultado seria um retrato mais verdadeiro da alma brasileira do que foi a vitória do “Não” à proibição de fabricar armas. Os Maluf foram soltos por razões humanitárias que, pelo que li, desprezaram praxes e normas jurídicas. A corte se apiedou deles. A nação referendaria a piedade? Acho que sim ) — mas eu também achei que a lógica do desarmamento era irresistível. Não está fácil sondar a alma brasileira.

“Coitado do Maluf...” foi o que eu pensei ao ver as fotos dele deixando a prisão. Não era o sentimento correto. O fato requeria indignação, não compaixão. Afinal, ali estava um flagrante de privilégio, um membro notório da nossa cleptocracia recebendo um favor que um cidadão comum não receberia. Ou então um flagrante de um sistema inepto, igualitário no pior sentido, que trata o figurão indiciado, o assassino e o proverbial ladrão de galinha com a mesma frouxidão. “Coitado do Maluf...” não era a frase apropriada para a ocasião. Mas ali também estava um homem arrasado, obviamente doente. Dizer “Pobre do Maluf” seria um pouco de comiseração demais. Não há possibilidade de o Maluf ficar pobre num futuro previsível. Mas era um semelhante na sua hora mais amarga. Decididamente, um coitado. E achar que o Maluf merecia compaixão era achar que o Supremo estava certo, mesmo que não estivesse correto.

Um referendo aprovaria isto? Maluf é tão típico de um determinado amoralismo empreendedor, reincidente na política brasileira (não vamos dizer paulista para não parecer preconceito), que se tornou uma figura folclórica e, como tal, simpática. O voto no referendo talvez refletisse essa simpatia, que é uma forma de resignação ao inevitável: o que pode se esperar do Maluf a não ser que aja como um Maluf? Antes de mais nada, é um ser humano, pô. Deixa o homem solto. Mas se o voto no “Não” do domingo passado mostrou alguma coisa é que o pessoal não está muito paciente — com a lei frouxa, com a tolerância, e muito menos com velhos mitos sobre a nossa amabilidade. Algo mudou na enigmática alma brasileira. Não sei se para pior. Talvez o sentimentalismo fosse mesmo um dos nossos atrasos.





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