Ano XXV - 29 de março de 2024

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JUDICIALIZAÇÃO DAS CONTAS ELEITORAIS

CONTABILIDADE ELEITORAL - ELEIÇÃO MUNICIPAL DE 2016

PARTE 4 - COMENTÁRIOS E ASPECTOS JURÍDICOS SOBRE A PRESTAÇÃO DE CONTAS

4.5 - JUDICIALIZAÇÃO DAS CONTAS ELEITORAIS (Revisada em 21-02-2024)

Este Capitulo é de autoria de Anderson Pomini -Advogado especialista em direito eleitoral.

4.5.1 - Breve Histórico do Instituto da Prestação de Contas

A contabilidade da movimentação financeira das campanhas eleitorais sempre foi um tema sensível às normas que norteiam o processo eleitoral  brasileiro.

O financiamento eleitoral sempre foi um assunto controvertido e marcado por questionamentos relativos à origem, arrecadação e a forma de aplicação dos recursos, dando azo ao surgimento de mecanismos legais de controle e transparência sobre as contas eleitorais.

O antigo Código Eleitoral - Lei  1.164, de 24 de julho de 1950 - timidamente já dispunha sobre a obrigação de os partidos fixarem “as quantias máximas” que seus candidatos poderiam “despender pessoalmente com a própria eleição”. Surgia aí, de forma singela, o início da exigência da prestação de contas eleitoral {18}.

{18}Art. 143. Os partidos políticos estabelecerão nos seus estatutos os preceitos:

I - que os obriguem e habilitem a fixar e apurar as quantias máximas que os seus candidatos podem, em cada caso, despender pessoalmente com a própria eleição;

Décadas se passaram e hoje a prestação de contas se tornou poderoso instrumento jurídico de avaliação das contas eleitorais dos candidatos, partidos e coligações, podendo implicar em efeitos jurídicos e políticos negativos à órbita de cada um desses atores sociais que se aventuram no mundo político.

4.5.2 - Conceito de Prestação de Contas

Expediente utilizado para cotejar informações referentes à origem, arrecadação e gastos de recursos eleitorais, de modo que a sociedade tenha plena ciência, quase que em tempo real, das atividades financeiras de campanha dos partidos políticos, coligações e dos candidatos.

4.5.3 - Natureza Jurídica das Contas Eleitorais: Procedimento

Administrativo ou Judicial?

Há muito existe grande celeuma entre doutrina e jurisprudência acerca da natureza jurídica do processo de prestação de contas. Segundo o magistério do ilustre jurista José Jairo Gomes,

Instaurado na Justiça Eleitoral, o Processo de Prestação de Contas (PCON) possui natureza essencialmente administrativa" {19}.

{19} GOMES, José Jairo, Direito Eleitoral, Atlas, 11ª edição, pg.356

Numa outra linha, a recente doutrina de Abelha e Chein Jorge:

O dever de prestar contas deve dar origem a um processo perante os órgãos competentes da Justiça Eleitoral. Trata-se de processo de natureza jurisdicional com conteúdo eminentemente administrativo, mas que nem por isso deixa de seguir os ditames do devido processo legal (contraditório, imparcialidade, ampla defesa, duração razoável, motivação etc.) {20}

{20} RODRIGUES, Marcelo Abelha; JORGE, Flávio Cheim. Manual de Direito Eleitoral. São Paulo/ SP: Revista dos Tribunais, 2014. p. 215.

Destaca-se que, antes do advento da Lei 12.034/2009, que alterou o art. 30 da Lei 9.504/1997, a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral se direcionava para o entendimento de que as contas eleitorais tinham caráter eminentemente administrativo, razão pela qual não cabia recurso aos órgãos superiores:

“Prestação de contas. Candidato a deputado estadual. Acórdão regional. Rejeição. Recurso especial. Não-cabimento. Decisão.

Natureza administrativa. Precedentes. Recurso a que se nega seguimento.

O egrégio Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo, por unanimidade, rejeitou as contas apresentadas por Celso Antônio Giglio, candidato ao cargo de deputado estadual pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) no pleito de 2006”. (TSE, REspe 28.107, Rel. Caputo Bastos)

Com o advento da referida Lei, o processo de prestação de contas passou a ostentar natureza jurisdicional, surgindo a possibilidade de interposição de recursos perante os órgãos superiores da Justiça Eleitoral, senão veja-se:

“Prestação de contas. Campanha eleitoral. Não apresentação. Trânsito em julgado. - Após a edição da Lei  12.034/2009, osprocessos de prestação de contas de campanha têm natureza judicial,com possibilidade de interposição de recursos, conforme odisposto nos § 5º, 6º e 7º do art. 30 da Lei das Eleições, o que implica a necessidade de estrita observância das disposições previstasna legislação eleitoral, não havendo possibilidade de mitigaçãoda coisa julgada com base nos princípios da proporcionalidade eda razoabilidade. - Agravo regimental não provido. (AgR-AgR-Al 83414, Rei. Mm. Arnaldo Versiani, DJe 8.2.2012)”

A partir de então, as decisões que julgassem as contas prestadas pelos candidatos ou comitês financeiros poderiam ser objeto de interposição de recursos ao órgão superior da Justiça Eleitoral, no prazo de 3 (três)dias, a contar da publicação no Diário Oficial.

Posteriormente, esse artigo sofreu uma pequena alteração, sem, contudo, alterar a viabilidade de interposição recursal. Hoje, o texto está escrito da seguinte forma:

“Art. 30. A Justiça Eleitoral verificará a regularidade das contas de campanha, decidindo:

§ 5º Da decisão que julgar as contas prestadas pelos candidatos caberá recurso ao órgão superior da Justiça Eleitoral, no prazo de 3 (três) dias, a contar da publicação no Diário Oficial”.

Desta forma, após o advento da Lei  12.034/2009, a natureza jurídica do processo de prestação de contas transcendeu da esfera administrativa para a jurisdicional, sendo possível a interposição de recursos perante os órgãos superiores em caso de decisão desfavorável.

4.5.4 - Da Obrigatoriedade da Prestação de Contas

Terminado o pleito, os candidatos, partidos e coligações têm o dever de entregar à Justiça Eleitoral todo o balanço financeiro atinente à respectiva campanha, discriminando os valores e bens arrecadados, bem como os gastos efetuados e eventuais sobras (financeiras ou estimáveis) {21}.

{21} Art. 28 da Lei 9.504/1997 c/c Art. 41 da Resolução  23.463/2015.

Já faz algum tempo que o Tribunal Superior Eleitoral assentou entendimento no sentido de que a desistência ou renúncia à candidatura não desobriga o candidato de prestar contas do período em que praticou atos de campanha. Tanto é que a norma regulamentadora das eleições municipais que se avizinham dispõe que o candidato que renunciar à candidatura, dela desistir a qualquer tempo, for substituído ou tiver o registro indeferido pela Justiça Eleitoral, tem o dever de prestar contas em relação ao período em que participou do processo eleitoral, mesmo que não tenha realizado atos de campanha. {22}

{22} Art. 41, § 7º, Resolução TSE  23.463/2015.

No caso de falecimento de candidato, a obrigatoriedade de prestar contas referente ao tempo em que foram praticados atos de campanha, ficará a cargo do administrador financeiro nomeado pelo candidato quando da abertura de conta da campanha. {23}

{23} Art. 41, § 8º, Resolução TSE  23.463/2015.

Há de se ressaltar, ainda, que a ausência de movimentação de recursos de campanha, financeiros ou estimáveis em dinheiro, não isenta o partido e o candidato do dever de prestar suas contas. {24}

{24} Art. 41, § 9º, Resolução TSE  23.463/2015.

4.5.5  - Momento da Prestação de Contas

Como já explicado, a arrecadação e os gastos de campanha devem ser informados à Justiça Eleitoral no curso do pleito. A minirreforma eleitoral, inserida pela Lei 12.165, de 2015, estabeleceu um novo formato quanto ao marco temporal para a apresentação das contas parciais. {25}

{25} Art. 28, § § 4º, da Lei 9.504/1997

Agora, de acordo com a novel legislação, os partidos políticos, as

coligações e os candidatos são obrigados, durante as campanhas

eleitorais, a divulgar em sítio criado pela Justiça Eleitoral:

a) os recursos em dinheiro recebidos para financiamento de sua campanha eleitoral, em até 72 (setenta e duas) horas de seu recebimento; e

b) no dia 15 de setembro, relatório discriminando as transferências do Fundo Partidário, os recursos em dinheiro e os estimáveis em dinheiro recebidos, bem como os gastos realizados.

Verifica-se, deste modo, que o legislador teve a intenção de aprimorar o sistema de prestação de contas com a divulgação permanente dos recursos auferidos e gastos realizados pelos candidatos, partidos e coligações.

Isso porque, o cidadão tem o direito de saber como seus eventuais representantes se comportaram durante o pleito. Esse método tem o condão não só de manter o eleitor informado, mas também de estimulá-lo a fiscalizar, amiúde, aquele que se lançou à condição de administrar a coisa pública.

A sociedade tem exigido transparência e ampla publicidade acerca da forma pela qual os candidatos desenvolvem os atos de campanha, o que inclui, certamente, a possibilidade de análise das contas dos possíveis agentes políticos em tempo real.

Portanto, o novo texto legal surge com arrimo na exigência da moralidade e probidade que todo candidato deve ostentar, facilitando ao eleitor a plena convicção de quem está apto ou não a ser elevado ao alto escalão da administração, sem a prática do abuso do poder econômico.

No entanto, o dever de prestar contas não se exaure com o manejo das contas parciais. Encerrado o pleito, todos os candidatos, partidos e coligações precisam entregar o balanço financeiro final de campanha até o 30º (trigésimo) dia posterior à realização das eleições, em caso de primeiro turno. {26}

{26} Art. 29, III, da Lei 9.504/1997.

Em havendo segundo turno, o conjunto das contas deve ser encaminhado à Justiça Eleitoral, referente aos 2 (dois) turno, até o 20º vigésimo dias posterior à sua realização.

Destarte, todos os dados lançados ao instituto da prestação de contas formarão um processo que tramitará perante os órgãos da Justiça Eleitoral e que estará sujeito a 5 (cinco) hipóteses:

a) aprovação, quando estiverem regulares;

b) aprovação com ressalvas, quando verificadas falhas que não lhes comprometam a regularidade;

c) desaprovação, quando verificadas falhas que lhes comprometam a regularidade;

d) não prestação, quando não apresentadas as contas após a notificação emitida pela Justiça Eleitoral, na qual constará a obrigação expressa de prestar as suas contas, no prazo de setenta e duas horas.

Embora os dois modos de aprovação das contas elencados nas alíneas “a” e “b” também possam requer um estudo mais aprofundado sobre seus efeitos, este autor cingirá seu trabalho nos reflexos jurídicos irradiados pela desaprovação e pela não apresentação das contas.

4.5.6-  Reflexos Jurídicos com a Desaprovação das Contas

O resultado das contas de campanha é reflexo da organização administrativa, financeira e jurídica eleitoral do candidato, partido e coligação. Antes de iniciar o estudo sobre os efeitos das decisões que implicam em desaprovação ou em reconhecimento da falta da prestação de contas, será necessário traçar uma breve síntese do rito pelo qual se desenvolverá o processo.

Segundo a Resolução TSE 23.463/2015, que regulamentará as eleições municipais de 2016, a Justiça Eleitoral, quando do exame das contas, disponibilizará toda a análise contábil eleitoral, o que inclui extratos  financeiros e recibos eleitorais no sítio oficial do Tribunal Superior Eleitoral. Igualmente, será determinada a imediata publicação de edital para que qualquer partido político, candidato ou coligação, o Ministério Público, bem como qualquer outro interessado, possa impugná-las no prazo de 3 (três) dias. {27}

{27} Art. 51, caput, da Resolução TSE 23.463/2015.

Para a análise das contas, a Justiça Eleitoral pode requisitar técnicos do Tribunal de Contas da União, dos Estados e dos Tribunais e Conselhos de Contas dos Municípios, pelo tempo que for necessário, bem como servidores ou empregados públicos do município, ou nele lotados, ou ainda pessoas idôneas da comunidade, devendo a escolha recair preferencialmente naqueles que possuem formação técnica compatível, dando ampla e imediata publicidade de cada requisição. {28}

{28} Art. 63, caput, da Resolução TSE 23.463/2015.

Em caso de indícios de irregularidade na prestação de contas, a Justiça Eleitoral pode requisitar, diretamente ou por delegação, informações adicionais, bem como determinar diligências específicas para a complementação dos dados ou para o saneamento das falhas, com a perfeita identificação dos documentos ou elementos que devem ser apresentados.{29}

{29} Art. 64, caput, da Resolução TSE 23.463/2015.

Importante destacar que o setor técnico da Justiça Eleitoral auxilia o juiz no exame da prestação de contas, servindo de maneira subsidiária à convicção do magistrado quando do julgamento das contas. De igual modo, o Ministério Público Eleitoral também encontra atividade nos autos da prestação de contas, emitindo parecer conclusivo sobre as contas eleitorais.{30}

{30} Arts. 64, §§ 2º e 3º, 66, 67 e 68 da Resolução TSE 23.463/2015.

Ao final, verificada a regularidade das contas, o juiz pode desaprovar as contas quando constatadas falhas que comprometam sua regularidade.

Conquanto a desaprovação das contas possa gerar um efeito político nefasto à imagem do candidato, prejudicando-o perante seu eleitorado, o resultado final em si não lhe acarreta nenhum efeito jurídico negativo.

Explico. A desaprovação das contas não gera cassação de diploma,mandato e tampouco inelegibilidade. Todavia, a Justiça Eleitoralremeterá cópia de todo o processo ao Ministério Público Eleitoral, de forma que este formule uma representação contra o infrator, caso encontre elementos que contrariem a norma vigente.

O rito dessa representação seguirá os moldes do art. 22 da Lei [Complementar] 64/1990 - Lei das Inelegibilidades. Julgada procedente a representação, ainda que após a proclamação dos eleitos, o Tribunal declarará a inelegibilidade do representado e de quantos hajam contribuído para a prática do ato, cominando-lhes sanção de inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes à eleição em que se verificou, além da cassação do diploma do candidato diretamente beneficiado. {31}

{31} Art. 74, caput, da Resolução TSE  23.463/2015 c/c Art. 22, XIV, da Lei [Complementar] 64/1990.

E o que acontece com o partido caso suas contas eleitorais sejam rejeitadas?

Pois bem, nesse caso o partido perderá o direito ao recebimento da quota do Fundo Partidário do ano seguinte. A sanção de suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário, por desaprovação totalou parcial da prestação de contas do candidato, deverá ser aplicada de forma proporcional e razoável, pelo período de 1 (um) mês a 12 (doze) meses, ou por meio do desconto, do valor a ser repassado, na importância apontada como irregular, não podendo ser aplicada a sanção de suspensão, caso a prestação de contas não seja julgada, pelo juízo ou tribunal competente, após 5 (cinco) anos de sua apresentação. {32}

{32} Art. 25, parágrafo único da Lei 9.504/1997 c/c o art. 68, § 3º, da Resolução 23.463/2015.

Portanto, em caso de desaprovação das contas eleitorais, o candidato poderá, em tese, ser posteriormente representado, nos termos dos artigos 30-A da Lei das Eleições e 22 da Lei [Complementar] 64/1990, sofrendo cassação do diploma e os efeitos da inelegibilidade pelo prazo de 8 (oito) anos, ao  passo que o partido ficará sem receber as cotas do fundo partidário que lhe disserem respeito.

4.5.7 - Ausência de Prestação das Contas

De outro lado, a decisão que julgar as contas eleitorais como não prestadas acarretará duas situações:

a) ao candidato, o impedimento de obter a certidão de quitação eleitoral até o final da legislatura, persistindo os efeitos da restrição após esse período até a efetiva apresentação das contas; e

b) ao partido político, a perda do direito ao recebimento da cota do Fundo Partidário.

Assim, o candidato deixará de estar quite com a Justiça Eleitoral durante o período da legislatura para a qual concorreu. Em outras palavras, até o final da legislatura para a qual concorreu e enquanto não apresentar as contas eleitorais após esse período, a pessoa poderá ter seu registro de candidatura indeferido caso opte concorrer a novas eleições, além de outros impedimentos, como a expedição de passaportes e inscrição em concursos públicos. {33}

{33} Art. 11, § § 7º, da Lei 9.504/1997.

Portanto, enquanto o candidato não apresentar as contas eleitorais, este não ficará quite com a Justiça Eleitoral, fato esse que ensejará o indeferimento de seu registro de candidatura; Já o partido fica sem receber as cotas do fundoenquanto durar a inadimplência.

Em síntese, o cidadão que pretende postular mandato popular deverá estar atento às exigências legais que disciplinam o processo eleitoral, em especial o da prestação de contas de campanha, visto que o eleitor terá total acesso aos financiadores do projeto político, informação vital para a definição do seu voto.



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