Ano XXV - 29 de março de 2024

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ATAQUE ESPECULATIVO À MOEDA BRASILEIRA


ATAQUE ESPECULATIVO À MOEDA BRASILEIRA

A QUEM REALMENTE INTERESSA?

SUMÁRIO:

  1. Folha de São Paulo - 23/08/98 - O TITANIC E O BALDE - Aloísio Mercadante - Lições Contemporâneas - Comentário de Américo Parada
  2. Folha de São Paulo - 14/01/1999 - Editorial - SEM DIREITO DE VACILAR - Comentário de Américo Parada.
  3. Folha de São Paulo - 16/01/1999 - DECISÃO DO BANCO CENTRAL INTERROMPE A FUGA DE DÓLARES - manchete de 1ª página - Comentário de Américo Parada
  4. Folha de São Paulo - O PREÇO DA TEIMOSIA - José Roberto de Toledo - por ocasião da demissão de Gustavo Franco em 1999.


Ao
Deputado Federal
ALOIZIO MERCADANTE OLIVA
e-mail: partido@pt.org.br

ASSUNTO:

Artigo intitulado: “O TITANIC E O BALDE”
Jornal Folha de São Paulo de 23/08/98 - Dinheiro - Lições Contemporâneas - pág.2-4

Prezado Senhor,

Em seu artigo, mencionou o ATAQUE ESPECULATIVO à nossa moeda tal como os “economistas de plantão”, os políticos da EXTREMA DIREITA e a imprensa de modo geral (falada, escrita e televisada). Eles parecem estar sempre preocupados em esconder a verdade do ouvinte / leitor / espectador (investidor nacional) menos atento ou menos conhecedor de alguns meandros relativos à oscilação do poder aquisitivo da moeda.

Em março do corrente ano, foi remetida carta (via Internet) ao jornal Gazeta Mercantil, porque o articulista daquele jornal, Fernando Nogueira da Costa, também se referia ao ATAQUE ESPECULATIVO dizendo que na verdade se tratava de DEFESA ESPECULATIVA, quando a experiência leva a entendimento diverso.

Ou seja, nem em seu artigo, nem no dele, ficou claro para o leitor ou investidor o que realmente é o “ATAQUE ESPECULATIVO” e quem tem interesse nele e na desvalorização da moeda local. Aliás, o Fernando Nogueira da Costa, no artigo que escreveu, demonstrou que não conhece profundamente os meandros da safadeza ou está escondendo os trunfos para as últimas cartadas.

Eis a mensagem revista e ampliada:

Jornal: Gazeta Mercantil de 23 de março de 1998, página A-3. - COMENTÁRIOS & PERSPECTIVAS
Artigo: BANCO CENTRAL DO BRASIL E DEFESA ESPECULATIVA
Autor:Fernando Nogueira da Costa

“ATAQUE ESPECULATIVO” ou “DEFESA ESPECULATIVA”?

O articulista Fernando Nogueira da Costa escreveu que o "CRASH" não foi alvo de "ATAQUE ESPECULATIVO" e sim de "DEFESA ESPECULATIVA", com o quê não concordo.

Para definirmos qual é a denominação certa para os fatos ocorridos durante o CRASH mundial, acredito que devemos fazer as seguintes reflexões:

1 ) - A quem interessa ou interessava a brusca queda do poder de compra da moeda local (em qualquer país)?

Interessa aos exportadores nacionais e para os investidores externos.

Aos exportadores interessa porque, sem o aumento dos custos internos, podem competir com preços mais baixos em dólares no mercado externo.

A investidores externos interessa porque, ao investirem no país receberão mais moeda local por dólar investido. Melhor ainda será para aqueles investidores externos que até o momento nada tenham investido no país alvo da desvalorização monetária.

Como ficou explicado, em ambos os casos, tanto o exportador como o investidor externo, depois da desvalorização, receberiam mais dinheiro em moeda local. E estes, creio, dificilmente fariam um "ataque" ou uma "defesa" especulativa antes de executarem suas operações de exportação ou investimento.

2) - Interessa às multinacionais, que investiram a médio e longo prazo num país, a desvalorização da moeda local?

O ataque especulativo para desvalorização da nossa moeda também não interessa às multinacionais que já  investiram no Brasil, simplesmente porque, por ocasião das remessas de lucros e dividendos e no caso de retornos de investimentos, ou mesmo na importação de produtos vindos da matriz, menos moeda estrangeira poderiam comprar após a desvalorização da moeda local.

Essa perda com a desvalorização só não aconteceria se os recursos a serem remetidos estivessem protegidos contra a inflação ou desvalorização, mediante operações de “hedge” (proteção) baseadas em “swap” ou outros “derivativos” no mercado futuro ou de opções das Bolsas Mercantis e de Futuros, ou ainda no “mercado de balcão” (fora das bolsas).

Operações dos tipos enumerados funcionariam como uma "defesa especulativa", quando então a contraparte na operação de hegde ou swap assumiriam a perda com a desvalorização da moeda. Na prática, dessa forma, não se alteraria o valor em moeda local da remessa a ser efetuada.

3) - Interessa aos especuladores estrangeiros, que investiram no país a curto prazo, a desvalorização da moeda?

Não. Por que? Porque também receberiam menos dólares por ocasião do retorno de seus investimentos.

4) - Então, a quem realmente interessa a desvalorização da moeda local?

Interessa aos que captaram de recursos no país alvo do tal ATAQUE ESPECULATIVO que provocará a desvalorização da moeda.

Por que? Porque se eles captaram em moeda local, sem nenhuma cláusula de reajuste com base na inflação ou desvalorização cambial e se tiverem investido todos os recursos captados em moedas estrangeiras fortes, é para eles altamente importante que haja a tal desvalorização ou inflação interna.

Assim acontecendo, necessitarão vender menos moeda estrangeira para resgatar os recursos captados em moeda local, agora desvalorizada. Dessa forma, sobrariam recursos no exterior (em moeda estrangeira), que seriam de propriedade do banqueiro captador. Ou seja, o saldo restante no exterior não mais estaria indiretamente vinculado às contas a pagar ou aos investimentos a resgatar. Portanto, esse ganho cambial seria o lucro do captador devidamente depositado num paraíso fiscal, isento de qualquer tributação sobre ele.

A outra opção do captador seria a de investir diretamente em títulos com correção cambial no país em que está captando ou investir indiretamente também em títulos com correção cambial através de um paraíso fiscal como se estrangeiro fosse.

5) - Quem são os grandes interessados na desvalorização da moeda local?

Os principais interessados são os justamente os banqueiros nacionais ou estrangeiros que tenham captado em moeda local e a aplicado os valores captados em moedas estrangeiras fortes ou em títulos públicos com correção cambial. Isto é, os principais beneficiados com o ataque especulativo são aqueles que investiram em moedas (ou títulos) que não sofrem grandes flutuações de preço, tais como, o dólar norte-americano, o marco alemão, o iene japonês, o franco francês e suíço e a libra inglesa (e os títulos brasileiros com correção cambial).

A desvalorização também interessa aos exportadores, que receberão mais moeda local por dólar cobrado pelo produto exportado.

Contrariamente, a desvalorização não interessa aos importadores de bens comprados a prazo e em moedas estrangeiras, porque suas dívidas aumentariam.

A desvalorização também não interessa às classes mais endinheiradas, porque desembolsariam mais moeda local para comprar os bens supérfluos importados, sem os quais não conseguem mostrar sua supremacia ou megalomania aos mais pobres.

6) - Durante o “CRASH”, o que ocorreu na prática?

Na prática, não só no Brasil como também nos "tigres asiáticos", ocorreu o descrito nas duas últimas questões supra mencionadas.

Os banqueiros instalados naqueles países, com altas captações em moeda local, especularam, comprando moedas estrangeiras e fazendo investimentos de curto prazo em títulos no exterior e em moedas fortes. Ao apurarem que estavam com elevados prejuízos em moeda local, contabilizados em razão da má administração, das mordomias em suntuosos prédios e dos gastos em clubes de golfe, hotéis cinco estrelas, cassinos, iates, carrões, jatinhos, helicópteros, publicidade, festanças e convenções, resolveram transferir esses seus prejuízos para terceiros, ou melhor, para o povão. Segundo Joelmir Beting, resolveram socializar os prejuízos apurados, repartindo-os com seus investidores locais. Para lucrar, deveriam forçar um ganho cambial em detrimento de quem realmente é o dono do dinheiro e vai perder grande parte do que aplicou em razão da desvalorização da moeda local.

Ao captador cabe, então, espalhar a notícia de que a moeda está super valorizada e que há a necessidade de uma grande desvalorização. Força a queda, ao oferecer grandes quantidades de dólares para venda, mas não os vende ou, se os vende mais baixo, compra imediatamente igual quantidade por aproximadamente o mesmo preço (operação conhecida como “day-trade” - mera especulação). A grande quantidade de operações “day-trade”, acaba forçando a desvalorização, pela formação de um novo “preço de mercado”.

Com as maciças aplicações no exterior efetuadas pelos captadores locais, há uma tendência à desvalorização da moeda local. A simples notícia de uma provável maxi-desvalorização da moeda local é imediatamente agravada com a fuga dos investidores externos, que procuram sair do país o mais rapidamente possível para não perder com a iminente queda das reservas em moedas estrangeiras, já que isso pode gerar uma declaração de moratória. O somatório desses problemas vem agravar os problemas do país em benefício unicamente dos banqueiros que protegeram seu patrimônio aplicando em moedas fortes ou efetuando operações de hedge ou swap.

Como todos deve saber a moratória é a postergação do pagamento de juros, do resgate ou liquidação de títulos lançados no país ou no exterior e de empréstimos tomados no exterior.

O Banco Central, neste caso, tenta evitar a desvalorização, vendendo (“queimando”) ou entregando suas reservas em ouro e moedas estrangeiras aos investidores internacionais em fuga antecipada. O captador local, por sua vez, só vai vender as suas reservas depositadas no exterior depois da desvalorização da moeda local, ocasião em que as reservas do país estarão prestes a se esgotar.

AS NOTÍCIAS

Durante o tal “CRASH” nos países asiáticos, os jornais brasileiros mostraram muitas fotos (e as televisões, “imagens”) de grupos de investidores querendo resgatar o fruto de toda uma vida de trabalho e poupança. Dinheiro esse que tinha sido roubado ou, melhor dizendo, especulado pelos bancos depositários.

CONCLUSÃO

Até aqui, já podemos concluir que o "CRASH" foi um "ATAQUE ESPECULATIVO" e que não foi de investidores estrangeiros e sim de banqueiros nacionais. É justamente por isso que já nos cansamos de ouvir dizer que “OS BANQUEIROS SEMPRE GANHARAM COM A INFLAÇÃO”

Nos demais casos de proteção, de fato se trata de "DEFESA ESPECULATIVA”, tal como defendeu o articulista Fernando Nogueira da Costa, no jornal Gazeta Mercantil.

Essa proteção ou “Defesa Especulativa” é feita contra a diminuição de preços dos Ativos (bens e direitos = valores a receber) e contra o aumento de preços dos Passivos (obrigações = contas a pagar). Para que seja efetuada essa proteção ou “Defesa Especulativa”, são utilizados os mercados futuros e de opções de moedas e de ouro e mercados futuros de mercadorias e de índices das Bolsas Mercantis, os mercados a termo e de opções das Bolsas de Valores e os “swaps” e outros derivativos no mercado de balcão (fora das bolsas).


“ATAQUE ESPECULATIVO”
AO INVESTIDOR BRASILEIRO

Antes da criação do Mercado de Taxas Flutuantes (“câmbio turismo”), o investidor brasileiro (digo, "o povão") em diversas ocasiões foi vítima dos “ATAQUES ESPECULATIVOS” que lhes causaram consideráveis perdas.

Entre esses ataques podemos citar:

1) - os desvios de recursos de fundações e de institutos de previdência (US$ 6 bilhões - teve CPI, mas não teve punição),

2) - os desvios dos Fundos de Investimentos e em especial os dos recursos de incentivos fiscais dos Fundos DL 157 (onde se concluiu que as perdas foram "a mercado", ou seja, mediante negociações nos pregões das bolsas, segundo eles: sem "especulação", sem "insider" e sem normas do CMN - Conselho Monetário Nacional que forçassem as perdas, como em 1986 - “Plano Cruzado”),

3) - os desvios dos orçamentos da União (caso dos "anões"),

4) - os desvios dos Estados (vide "os precatórios") e

5) - os desvios dos Municípios (caso das ATM de São Paulo no governo do Jânio Quadros),

Podemos citar ainda, o “Plano Collor”, que reteve o dinheiro do povo e pagou correção monetária bem inferior a inflação real do período. O interessante foi que o governo reconheceu tal fato ao remeter ao Congresso Nacional, o projeto que resultou na Lei nº 8200/90, que permitiu a correção especial dos balanços das pessoas jurídicas como forma de corrigir a manipulação governamental dos índices inflacionários, mas, não corrigiu (não repôs) as perdas do “povão”. As perdas com a caderneta de poupança e com o FGTS só foi reposta mediante medidas judiciais.

Agora vejamos como o tal "ATAQUE ESPECULATIVO" ocorreu no Brasil entre a criação do "Mercado de Taxas Flutuantes" ("Dólar Turismo") pelo Banco Central do Brasil em 1988/89 e o advento do "Plano Real", gerando a alta inflação verificada e, consequentemente, as constantes desvalorizações da nossa moeda.

Logo após a criação do "MERCADO DE TAXAS FLUTUANTES" ou, mais precisamente, a partir do "Plano Collor" foi permitido que “brasileiros” (pessoas físicas ou jurídicas) fizessem depósitos de moeda nacional no exterior. A medida, segundo os “economistas de plantão”, visava o fortalecimento da moeda nacional, tornando-a conversível no exterior. Pura ilusão.

Logo que se vislumbrou o retorno da inflação, diversas empresas brasileiras e principalmente as estrangeiras, bancárias ou não, passaram a fazer elevados depósitos em moeda nacional no exterior.

Pergunto: será que algum banqueiro internacional seria louco de aceitar nossa moeda inflacionária em depósitos? Claro que não.

Imediatamente ao recebimento do tal depósito em moeda brasileira, a pedido do depositante, os valores em moeda nacional eram transformados em moeda estrangeira pelo banco depositário. Mas, aqui, na contabilidade do depositante, continuavam constando como “DEPÓSITOS EM MOEDA NACIONAL NO EXTERIOR”, embora o dinheiro estivesse realmente depositado em moeda estrangeira em alguma subsidiária do banco depositário, num paraíso fiscal.

Com a alta inflação e o retorno da correção monetária das demonstrações financeiras (Lei nº 8200/90, já citada), esses depósitos passaram a ser utilizados como forma de "PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO", mediante a redução do imposto de renda sobre lucros e como meio de remeter disfarçadamente lucros para o exterior sem tributação.


EXEMPLO

Suponhamos que um banco tenha captado moeda nacional equivalente a US$ 100 milhões, pagando taxas prefixadas. Devemos salientar que naquele período eram proibidas as taxas pós-fixadas (com correção monetária ou cambial). Suponhamos, ainda, que esse mesmo banco tenha transferido os recursos captados para sua subsidiária bancária no exterior (estabelecida num paraíso fiscal). Imediatamente ao recebimento da nossa moeda e através dessa mesma matriz (a remetente), a subsidiária do paraíso fiscal converte o correspondente valor de moeda nacional em dólares no brasileiro "MERCADO DE TAXAS FLUTUANTES" (“Câmbio Turismo”).

As divisas adquiridas, podiam ser obtidas também em outras instituições financeiras ou fornecidas pelo próprio Banco Central do Brasil mediante as "ARBITRAGENS" de ouro por dólar. Ou seja, naquele tempo era privativo do BACEN a compra de ouro com pagamento em dólares (“Câmbio Turismo”) e esses dólares eram vendidos à instituição do paraíso fiscal depositária da nossa moeda.

Depois de um ano, por exemplo, com uma inflação e uma desvalorização cambial próxima dos 2000%, o banco necessitava de apenas US$ 5 milhões para adquirir a mesma quantidade de moeda nacional remetidas ao exterior um ano antes. Com isso o banco no Brasil (ou qualquer outra empresa depositante) gerava uma perda inflacionária equivalente a US$ 95 milhões, o que reduziria os seus lucros tributáveis.

Além de pagar menos imposto de renda o depositante estabelecido no Brasil ainda fazia uma remessa disfarçada de lucros para o exterior, sem qualquer tributação. Isto é, gerava "CAIXA 2" no exterior, no valor de US$ 95 milhões.


Quem perdeu?

Perdeu o investidor que adquiriu títulos do banco a taxas prefixadas, as quais, no decorrer do tempo, ficaram bem inferiores à inflação real (“ATAQUE ESPECULATIVO”). E perdeu, também, o Fisco, que deixou de receber o imposto de renda sobre os lucros diminuídos pela perda inflacionária gerada e sobre o dinheiro disfarçadamente remetido ao exterior (e chamavam isso de “PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO”).

Se algum banco estatal (federal ou estadual) se utilizou do artifício aqui demonstrado (e parece que vários fizeram), é necessário averiguar quem foi ou quais foram os beneficiários do dinheiro que restou no exterior.


ESPECULADOR - O MAL NECESSÁRIO

Sobre os especuladores, sobre os quais também se referiu o articulista Fernando Nogueira da Costa, nunca concordei que sejam “um mal necessário”, como dizem os profissionais das bolsas. O especulador sempre ganha o que deveria ganhar aquele que realmente trabalhou, produziu e vendeu. Ou seja, no caso dos produtos agrícolas, o pequeno produtor é aquele que trabalha, ganha pouco e vive mal no campo, enquanto que os especuladores e os intermediários não trabalham, ganham muito e vivem bem na cidade.

No caso dos mercados de moedas, ouro, índices e ações a história é outra. Trata-se de um jogo pôquer entre "cobras criadas". Ganha quem for mais audacioso, mais aventureiro, tiver mais sorte ou blefar mais (vide o “caso NAHAS”). Nesses mercados, o pequeno investidor apenas aposta em quem vai ganhar, tal como se estivesse num JÓQUEI CLUBE e escolhesse como ganhador o cavalo favorito ou o azarão.


Peruíbe, 14 de janeiro de 1999

Ao
Jornal FOLHA DE SÃO PAULO
1ª Página - 14 de janeiro de 1999

ASSUNTO:

EDITORIAL - SEM DIREITO DE VACILAR

Os editores do jornal Folha de São Paulo (em primeira página) tacham o governador de Minas Gerais de irresponsável.

Irresponsável é aquele que satisfaz os caprichos mesquinhos de especuladores estrangeiros, enquanto seu povo passa necessidades: sem emprego por falta de produção e de exportação, com baixos salários (o menor salário mínimo da América do Sul), sem verbas para a saúde e para a educação, sem direitos trabalhistas nos contratos temporários, sem aposentadoria (porque diante das novas regras pobre não viverá o suficiente para aposentar).

Escreveram mais adiante que o nó está na questão fiscal. Pergunto:

Como resolver a "questão fiscal" num país em que dois terços de seus Estados as empresas (cujos empresários são os políticos locais) têm incentivos fiscais (ou seja, são isentas do imposto de renda, além de seus donos na condição de políticos concederem a elas ainda incentivos estaduais e municipais)?

Como mudar essa situação, se esses mesmos dois terços de Estados incentivados também têm dois terços de representatividade no Congresso Nacional?

Pois é, este é um país em que em apenas um terço dos Estados as empresas são obrigadas a pagar impostos. E destas, pelo menos dois terços sonegam. Ou seja, no Brasil apenas 10% ou 20% das empresas contribuintes em potencial pagam impostos. São aquelas que não têm como fugir da "malha fiscal". Por isso, "os poucos que pagam, pagam muito".

A partir de 1997 foram tantas as dificuldades interpostas para a regularização de pessoas jurídicas, que é mais fácil trabalhar na clandestinidade, sonegando impostos.

Hoje em dia, a arrecadação tirada dos micro, pequenos e médios empresários talvez seja maior do que a paga pelos grandes empresários. Para isso foram criados meios de controlar e tributar indiretamente a receita desses segmentos de menores empresários, tais como o vale-transporte, o vale-refeição, o vale-alimentação, o SIMPLES, o IPMF e a CPMF, o imposto sobre combustíveis e lubrificantes, entre outros. De outro lado, é verdade que das pessoas físicas é arrecadado mais imposto de renda do que das pessoas jurídicas, aqui incluídos os bancos. Os bancos estatais proporcionalmente pagam mais impostos do que os privados.

Em razão da elevada sonegação reinante no Brasil, foram criados justamente a partir de 1988 os impostos indiretos que são cobrados nas contas de energia elétrica e de serviços telefônicos, que depois das privatizações primeiramente são usufruídos pelos "novos empresários", que os aplicam em títulos públicos. Foi criada a "contribuição" sobre a movimentação de contas bancárias (CPMF), à qual os especuladores não estão sujeitos, enquanto o dinheiro deles não for depositado em contas bancárias movimentadas por cheques. E com essa mesma finalidade foram criados outros impostos, taxas e contribuições dos quais o povo não pode fugir. Somente as empresas, os empresários e os especuladores deles conseguem escapar mediante artimanhas contábeis, jurídicas e financeiras. É o Planejamento Tributário.

O investidor brasileiro paga imposto de renda em suas aplicações financeiras, enquanto que os estrangeiros não. Por isso, os mais espertos investidores brasileiros passaram a investir no Brasil como se estrangeiros fossem. Para isso, o Conselho Monetário Nacional e o Banco Central do Brasil criaram caminhos financeiros e cambiais para a transferência e fuga de capitais, nacionais e estrangeiros. Tudo isso pouco antes de Mário Amato (presidente da FIESP - Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) ter dito em 1989 que, se o LULA fossem eleito, 800.000 empresários iriam para o exterior.

Eleito Collor, os empresários não fugiram, mesmo porque não tinham para onde ir e nem onde investir. Mesmo assim, transferiram seu dinheiro para paraísos fiscais pelo naquela época recém criado Mercado de Taxas Flutuantes, o do câmbio turismo. E assim ficaram livres do confisco, que só atingiu a poupança do povo. Como no exterior não tinham onde investir, trouxeram o dinheiro de volta para o Brasil para emprestar ao governo como se o capital estrangeiro fosse. A partir daí houve a internacionalização do capital nacional.

Esses mesmos caminhos financeiros e cambiais criados pelos gestores de nossa política econômica permitiram que esses falsos estrangeiros promovessem ataques especulativos à moeda nacional. Inicialmente em "doses homeopáticas" por intermédio das operações "catraca" e "bicicleta", que consistia na transferência de moeda estrangeira entre o câmbio comercial e o turismo, com lucro para eles e prejuízo para o Tesouro Nacional.

Depois, passaram a remeter o dinheiro para fora (em moeda estrangeira) toda vez que se fazia necessária a mini desvalorização de nossa moeda, para, por exemplo, incentivar as exportações e corrigir o indireto e nefasto subsídio às importações de supérfluos. Após a desvalorização, esses especuladores retornavam o seu capital, obtendo mais moeda nacional do que a utilizada para comprar os dólares inicialmente remetidos.

Nessas operações, quem perdia? Perdia o Tesouro Nacional e perdiam as empresas que tomaram dinheiro emprestado no exterior. Estas, de um dia para o outro tinham sua dívida em moeda nacional aumentada, onerando seus custos de produção, que geram o aumento de preços e consequentemente a inflação.

Qual a solução para esse problema dos empresários devedores em moedas estrangeiras? O governo deveria subsidiar a venda de dólares para que essas empresas devedoras possam pagar suas dívidas sem onerar seus custos. Nada demais, se considerarmos que há muito tempo o governo vem subsidiando a importação de supérfluos pelas nossas elites burguesas, em razão da super valorização de nossa moeda e da irresponsável e contraditória redução das alíquotas do imposto de importação. A perda financeira com esse subsídio aos devedores talvez seja menor, além de evitar a inflação, o desemprego e o caos político, econômico e social.

Os mencionados caminhos financeiros e cambiais ainda facilitaram a lavagem de dinheiro sem origem regularmente tributada. Para facilitar ainda mais a fuga de capitais, a partir de 1997 as remessas de lucros (juros e dividendos) ficaram isentas de tributação. Para evitar o pagamento do IOF (imposto sobre operações financeiras), do IPMF e da CPMF, os grandes negócios passaram a ser realizados no exterior, em paraísos fiscais, mediante a utilização no Brasil de contas bancárias de instituições financeiras, ditas internacionais ou "não residentes", que não são legalmente autorizadas a funcionar no Brasil e que também não são conhecidas no exterior. Essas instituições financeiras "do exterior" estão totalmente isentas de impostos, tanto aqui como no paraíso fiscal onde estão registradas como "OFFSHORE" (empresas que podem operar em qualquer parte do mundo, menos no "país" em que estão registradas formalmente).

Desde 1992 passou a ser livre o depósito de moeda nacional no exterior, que era e é imediatamente convertida em moeda estrangeira. Pergunta-se: que banqueiro estrangeiro seria louco de ficar com nossa moeda em depósito? Nem os banqueiros nacionais a querem. Se possível, ao recebê-la, imediatamente a trocam por moedas estrangeiras. Justamente por isso o Banco Central do Brasil estabeleceu limites para essas aplicações (ataque especulativo).

Até o advento do Plano Real em julho de 1994 o depósito de nossa moeda no exterior possibilitou o Planejamento Tributário mediante a contabilização de perdas inflacionárias no Brasil e a remessa disfarçada de lucros e a formação de "Caixa 2" no exterior. Com o depósito de nossa moeda no exterior o Banco Central do Brasil não mais recebia o Compulsório e assim perdeu a sua única forma de tirar moeda de circulação sem pagar juros. O dinheiro depositado nas contas bancárias passou a ser automaticamente transferido para fundos de investimentos, que também passaram a ser constituídos no exterior, com autorização do Banco Central do Brasil.

Na "GUERRA FISCAL", alguns Estados "governistas" diante da iminente derrota eleitoral concederam incentivos fiscais: empréstimos com juros subsidiados, isenções e longos prazos para recolhimento dos impostos estaduais para determinados grupos empresariais em detrimento de outros no mesmo Estado em flagrante afronta aos fundamentos básicos do direito constitucional e tributário, que não permitem atos discriminatórios do Estado contra seus contribuintes.

Enquanto isso o Zé Povinho, menos favorecido, vai continuar pagando ICM e IPI sobre o que come e inclusive sobre os produtos da "cesta básica". De outro lado, não são cobrados o ICM e o IPI nas exportações de nossos produtos alimentícios para países em que o povo ganha salário médio até dez vezes maior do que o nosso. Ou seja, o povo brasileiro passa fome e paga impostos para que os estrangeiros mais favorecidos comam melhor e apliquem seus recursos no Brasil sem o pagamento de impostos.

Diante desses fatos, perguntamos:

Como é possível controlar a fuga de capitais e a lavagem de dinheiro com o caminho aberto para o livre trânsito de divisas com isenção de impostos?

Como é possível fazer o controle monetário sem pagar juros se a política de depósitos compulsórios se tornou inócua em razão do livre transito de divisas?

Como é possível combater a sonegação se não existem fiscais em número suficiente e com a capacidade técnica necessária para o bom desempenho da função?

Como é possível resolver o problema do déficit fiscal se a maioria dos contribuintes em potencial estão isentos de tributação?

Como é possível evitar a falência dos 10% ou 20% de empresários que pagam impostos e dos que obtiveram empréstimos externos para produzir e exportar?

Como é possível controlar o déficit da balança comercial se a nossa moeda super valorizada dificulta as exportações e incentiva as importações?

Como é possível reduzir as desigualdades sociais com os mais pobres pagando mais impostos do que os mais ricos?

As respostas estão aí, nas entrelinhas do exposto.


Peruíbe, 16 de Janeiro de 1999

Ao
Jornal FOLHA DE SÃO PAULO
1ª PÁGINA - manchete

"DECISÃO DO BANCO CENTRAL INTERROMPE A FUGA DE DÓLARES"

A manchete de primeira página, embora em letras pequenas, induz o leigo leitor a pensar que a medida governamental salvou o Brasil de uma crise maior.

Na verdade, para salvar o Brasil desta crise, essa decisão devia ter sido tomada quando as reservas brasileiras beiravam os US$ 60 bilhões. Mas, os sonhadores e eternos estudiosos da cartilha do FMI achavam que nossas reservas se igualariam às do Japão, mesmo sabendo que não temos tecnologia e nem produção industrial compatíveis com a japonesa e por isso não temos superávit no balanceamento entre nossa exportação e a importação. E, para piorar esse déficit, nossas matérias primas exportáveis têm preços cada vez mais baixos no mercado internacional.

Aliás, já que falamos em estudiosos e sonhadores, podemos definir as CIÊNCIAS ECONÔMICAS (deles) como a ciência dos sonhos ou talvez dos pesadelos. Eles não conseguem provar na prática que suas teorias e teses são verdadeiras. Rarrarrarrá! Rir de que, se as hienas que comem excremento somos nós, o povo.

Qual a vantagem de decretar a maxidesvalorização com as reservas brasileiras em seu nível máximo?

Era vantajosa simplesmente porque os que tinham investimentos aqui não os retirariam. Se o fizessem, teriam prejuízo, ou seja, receberiam menos dólares do que trouxeram. Com tal medida, teríamos outra vantagem, os próprios especuladores mandariam mais dólares para o Brasil, para fazer saldo médio.

Explicando: com o dólar a R$ 1,00 (um real), o investidor dito estrangeiro que investiu US$ 100.00, obteve R$ 100,00. Então o governo decreta uma maxidesvalorização de 50%. Isto é, US$ 1.00 passaria a custar R$ 1,50 (um real e cinqüenta centavos). Se aquele investidor quisesse levar o seu dinheiro investido no Brasil, pelos US$ 100,00, anteriormente investidos, receberia apenas US$ 66.67. Isto é, perderia US$ 33.33 de seu investimento inicial.

Então, no lugar de levar seu dinheiro, o investidor dito estrangeiro mandaria para o Brasil mais US$ 100.00, pelos quais receberia R$ 150,00 (cento e cinqüenta reais). Isto é feito normalmente nos investimentos efetuados nas Bolsas de Valores. Se a nossa moeda sofresse nova valorização para, por exemplo, R$ 1,25 por dólar, ele levaria todo o dinheiro para fora sem perder nada. Se a valorização ficasse entre R$ 1,25 e R$ 1,50, na remessa dos US$ 200.00 para o exterior a perda do investidor dito estrangeiro poderia, em alguns casos, ser menor do que remetendo US$ 100.00 a R$ 1,50.

Entretanto, os sonhadores e estudiosos, por ingenuidade ou safadeza (ou são muito burros ou estavam de fato mal intencionados), preferiram acreditar que nenhum investidor dito estrangeiro iria especular contra o GOVERNO DA SITUAÇÃO. Afinal, como diziam, somente se o LULA ganhasse a eleição o dinheiro sairia correndo daqui.

Diante disso, podemos especular (já que eles podem, eu também posso) que fatalmente a flutuação da nossa moeda só foi liberada no momento em que os sonhadores e estudiosos sabiam que não mais havia dinheiro especulativo para ser retirado do Brasil. Assim sendo, o que restou nas reservas brasileiras, como se poderia averiguar nos registros do Banco Central do Brasil, fatalmente era dinheiro investido a longo prazo, que não poderia ser resgatado imediatamente.

Então, os US$ 30 bilhões, que saíram em média a R$ 1,25 a unidade (ou menos), voltariam a R$ 1,50 (ou mais). Como isso o Tesouro Nacional teria que emitir papel moeda e o Brasil perderia R$ 7,5 bilhões, mais do que o necessário para acabar com a seca no nordeste.

Enquanto isso, os infelizes pequenos investidores brasileiros perderam 50% de sua poupança aplicada em fundos de investimentos administrados pelos pares desses mesmos sonhadores e estudiosos mal intencionados.

E, ainda, tiveram a cara de pau de tachar o governador de Minas Gerais de irresponsável.



FOLHA DE SÃO PAULO

O PREÇO DA TEIMOSIA

JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO

Foram cinco anos e oito meses de trabalho ininterrupto, a maior parte como principal figura do Banco Central e, desse modo, como responsável pelas políticas monetária e cambial do país.

Essa permanência, longa para os padrões brasileiros, deveu-se principalmente à admiração e confiança conquistadas por Gustavo Franco junto ao presidente Fernando Henrique Cardoso.

É atribuída ao ex-presidente do BC a idéia que garantiu o sucesso inicial do Plano Real: a URV. Daí sua posição de força dentro do governo.

Em sua nota de despedida, Franco afirma que participou de inúmeras batalhas, lutando pelo Brasil. "Não se tem noção do quanto é desgastante e solitária a defesa de princípios, a execução de políticas impessoais, voltadas para a maioria".

A história lembra a de um herói trágico que, apesar da luta solitária, é abatido em meio à batalha em nome de seus princípios e políticas impessoais.

Pode até ser, mas o problema é que os tais princípios se transformaram em dogmas. Durante o reinado de Franco, a supervalorização do real tornou-se tabu. As críticas à sua política cambial eram respondidas com ironias e nada mais.

Na primeira crise do Plano Real, o saco de maldades foi usado para aumentar as taxas de juros. Na segunda, saiu dele um novo aumento dos juros e um arrocho fiscal. Na terceira, o saco já estava vazio e foi necessário fazer o impensável: mexer no câmbio.

O que teria ocorrido se, em vez de produzir maldades a prestação, Franco tivesse corrigido o câmbio desde o início?

Haveria hoje 500 mil desempregados a mais na Grande São Paulo do que havia no mês imediatamente anterior à posse de FHC?

As reservas internacionais teriam despencado de US$ 73,4 bilhões desde abril do ano passado até os US$ 31 bilhões atuais?

Os empresários nacionais teriam se arriscado a multiplicar sua dívida externa até chegar aos US$ 139,5 bilhões de hoje?

Impossível responder com certeza, mas é provável que, como ensinou Maquiavel (um dos autores mais citados pelo presidente), a maldade, feita de uma só vez, tivesse produzido menos estragos.

Talvez soe inútil fazer perguntas para as quais nunca saberemos as respostas, mas elas ajudam a lembrar que decisões sobre políticas públicas baseadas na auto-suficiência de seus gestores são, no mínimo, temerárias.

Como afirmou o próprio ex-presidente do BC, "o Plano Real não pode depender da colaboração individual de pessoas especiais". Por mais especiais que elas sejam.

Apesar de Franco dizer que sempre teve isso claro, só agora sabemos que ele, "já faz tempo", vem amadurecendo a idéia de que necessitamos flexibilizar as políticas de juros e de câmbio.

Infelizmente o fruto demorou muito para amadurecer. Demais até. O câmbio foi finalmente flexibilizado, mas ninguém sabe dizer se em tempo de evitar o pior. O estrago está feito e vai aumentar.

José Roberto de Toledo é repórter da Folha.







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