Ano XXV - 29 de março de 2024

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QUANTO VALE UM EXECUTIVO?

CONTABILIDADE CRIATIVA - CONTABILIDADE FRAUDULENTA

FRAUDES CONTÁBEIS E FINANCEIRAS DAS MULTINACIONAIS

FALSIFICAÇÃO MATERIAL E IDEOLÓGICA DA ESCRITURAÇÃO

QUANTO VALE UM EXECUTIVO? (Revisado em 21-02-2024)

Por David Cohen - Colaborou Daniela Diniz - 23 de Julho de 2003, Revista Exame

DESTAQUES: Com a adoção em larga escala da remuneração variável, os executivos brasileiros podem ganhar muito mais. Mas vai ser mais difícil: a grande novidade é que as empresas estão aumentando o rigor na medição dos resultados

Sob pressão regularizadora das autoridades após os escândalos de "contabilidade criativa", e escaldadas por pagamentos generosos a desempenhos duvidosos, as empresas americanas vivem agora um período de transição. Mas desenhar novos planos de remuneração tem sido mais difícil do que elas imaginavam. "Passamos dez anos seguindo o rebanho com as stock options, e agora cada um tem de pensar na dinâmica particular de sua organização", disse o americano Blair Jones, especialista em remuneração da Sibson Consulting, à revista Business Week, em fevereiro.

Até dez ou 15 anos atrás (início da década de 1990), um executivo que chegasse ao topo da carreira numa grande empresa podia comemorar o Natal usufruindo um 14º, um 15º, às vezes um 16º salário. Parava por aí. Hoje, um executivo de sucesso de uma empresa focada em remuneração por desempenho (como ALL -- América Latina Logística, Natura, AmBev ou Alpargatas, por exemplo) pode levar para casa, num bom ano, uma cesta de Natal com 15, 20, em alguns casos mais de 30 salários. É um mundo de diferença. Isso não ocorre porque as empresas se tornaram mais perdulárias. Ao contrário: a razão é que se tornaram mais ambiciosas.

No mundo de antigamente, supunha-se que as tarefas de um presidente ou de um diretor de empresa fossem bem definidas, e pagava-se de acordo com a presumida aptidão para realizá-las. Por aptidão, entenda-se: formação, anos de experiência, identificação com a cultura da empresa. Nos anos 90, com o aumento da volatilidade do mundo corporativo -- por causa da globalização, das novas tecnologias e das mudanças de atitude nos mercados consumidor e financeiro -- ficou muito mais arriscada a vida das empresas. Como qualquer artigo em alta demanda, a entrega de resultados passou a valer um prêmio maior. Nascia a era dos executivos supervalorizados.

Especialmente nos Estados Unidos, muitas novas empresas do setor de tecnologia, que não tinham como pagar altos salários, começaram a atrair talentos com a promessa de participação na valorização futura do negócio, por meio da distribuição agressiva de stock options (opções de compra de ações por preço prefixado). A prática logo se espalhou, não só por causa da disputa pelos talentos mas porque as grandes empresas já percebiam que o alto prêmio que pagavam levava muitas vezes à busca por resultados a qualquer preço, sacrificando o crescimento no longo prazo. Foi o caso, por exemplo, de boa parte dos cortes de custos com a reengenharia, nos anos 80. As empresas passaram a seguir então um novo mantra: alinhar os interesses dos executivos com os dos acionistas. Para isso, nada melhor que atrelar sua remuneração aos destinos da companhia. Em pouco tempo, surgiu o sistema que durante uma década foi considerado perfeito: salário fixo para pagar as contas do dia-a-dia, bônus pelos resultados de curto prazo e stock options para garantir a preocupação com o longo prazo (porque a opção só dá lucro se as ações da empresa se valorizarem).

Parecia mesmo a solução ideal -- se a empresa vai bem, todos ganham, se a empresa vai mal, todos perdem. Mas aí vieram, há dois anos, o estouro da bolha da Nova Economia, uma recessão global e a eclosão dos escândalos de contabilidade fraudulenta nos Estados Unidos. O mercado americano, principal fonte desse sistema de remuneração, testemunhou casos de executivos que embolsaram milhões de dólares com o exercício de stock options pouco antes que suas companhias afundassem. No mercado em baixa, as empresas perceberam que o alinhamento de interesses entre os acionistas e seus prepostos, os executivos, não é tão simples como se imaginava. Notaram que vinham pagando por resultados, mas nem sempre os resultados que queriam. Em 2000, no auge da bolha, 85% dos executivos-chefes do Reino Unido receberam bônus máximo, e 43% das stock options foram exercidas depois que as empresas atingiram crescimento de apenas 2% a 3% acima da inflação, segundo dados da consultoria Bain. Mesmo os executivos que apresentaram resultados excepcionais podem ter sido exageradamente premiados. Um estudo da consultoria McKinsey concluiu que, entre 1991 e 2000, fatores ligados ao mercado e ao setor industrial foram responsáveis por 70% dos resultados das empresas, enquanto fatores específicos de cada companhia contaram apenas 30%. Mas os executivos eram regiamente premiados pelos 100%.

Sob pressão regularizadora das autoridades após os escândalos de "contabilidade criativa", e escaldadas por pagamentos generosos a desempenhos duvidosos, as empresas americanas vivem agora um período de transição. Mas desenhar novos planos de remuneração tem sido mais difícil do que elas imaginavam. "Passamos dez anos seguindo o rebanho com as stock options, e agora cada um tem de pensar na dinâmica particular de sua organização", disse o americano Blair Jones, especialista em remuneração da Sibson Consulting, à revista Business Week, em fevereiro.

Outro patamar de salários

As mudanças nas políticas corporativas que devem ocorrer nos Estados Unidos chegarão ao Brasil de duas formas: diretamente, nas empresas multinacionais e nas nacionais que negociam ações na bolsa americana; e indiretamente, pelo peso das corporações internacionais nos mercados locais e pela influência dos regulamentos americanos na legislação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Tem sido assim desde a abertura da economia nacional, no começo da década passada. Embora o Brasil não tenha chegado a viver os exageros do mercado americano, não ficou imune a eles. "As empresas estrangeiras trouxeram para cá outro patamar e outra composição de salários, com uma parcela variável maior", afirma Vicente Gomes, diretor de serviços de informação da consultoria de recursos humanos Hay. Segundo ele, nos últimos três ou quatro anos, a "velha economia" nacional diminuiu a diferença que a separava das estrangeiras. "As nacionais aumentaram o pacote variável de curto prazo, e as estrangeiras diminuíram", diz Gomes.

A particularidade das empresas nacionais é que o salário-base e os bônus costumam ser maiores do que nas estrangeiras, que em contrapartida pagam mais benefícios e incentivos de longo prazo (sendo longo prazo, no mundo corporativo de hoje, algo entre três e cinco anos). "Muitos diretores de recursos humanos falam que estão conscientes da diferença, e que ela é proposital", diz Felipe Rebelli, sócio-gerente da área de remuneração da consultoria Towers Perrin (veja gráfico abaixo com a mudança dos pacotes de benefícios). Ele aponta dois motivos: primeiro, nas empresas nacionais o reporte ao dono é mais direto. Isso indicaria menor necessidade de mecanismos para prevenir que os resultados de curto prazo sejam atingidos sem considerar o futuro, dado que o dono está sempre por perto, de olho no negócio. Em segundo lugar, a responsabilidade do executivo nacional é mais crucial e imediata. Ele não está à frente de uma unidade da companhia, mas da companhia inteira.

Boa parte das empresas brasileiras passou a apostar mais na remuneração variável após a promulgação da Lei de Participação nos Lucros ou Resultados, em 2000, que exime as organizações de pagar impostos pelos prêmios por desempenho, caso sigam certas regras. Conta mais do que isso, no entanto, a nova mentalidade empresarial: para poder exigir de seus executivos uma postura empreendedora, para cobrar que assumam riscos junto com a companhia, é preciso remunerá-los de acordo. Uma pesquisa da Hay, com 330 empresas de seu banco de dados, aponta um aumento significativo da parcela variável nos salários dos executivos de 1999 para cá (veja gráfico abaixo). Também acompanhando os novos tempos, essa parcela variável começa a se sofisticar, dividindo-se entre bônus de curto e longo prazos. Uma outra pesquisa da Hay, feita em abril com 362 empresas que faturam acima de 50 milhões de dólares por ano (incluindo as de médio porte, portanto), verificou que 28% delas já têm planos de incentivo de longo prazo, no estilo das stock options ou da distribuição de ações, e 9% estavam estudando sua implementação. Contando só as nacionais, as taxas são de 16% já com planos e 14% em estudo.

A pergunta de 1 milhão de dólares

Claro que a confusão do mercado americano acendeu um sinal de alerta por aqui. "Muita gente freou a implementação dos planos de incentivo de longo prazo", diz Leonardo Salgado, consultor da Hay. Não é que elas não saibam que vão precisar dessa ferramenta mais cedo ou mais tarde. "A questão é em que bases implementar o incentivo", diz Salgado. "Essa é a pergunta de 1 milhão de dólares." Normalmente, falar que uma resposta vale 1 milhão de dólares é um modo de enfatizar sua importância. No caso dos altos executivos de grandes empresas, cujo salário anual gira em torno dos 200 000 dólares, o sentido é quase literal.

"Num ano de bons resultados, a proporção entre salário anual, bônus e stock options deve ser de 1 para 1 para 2", diz Guilherme Leal, um dos sócios-fundadores da Natura (que não está incluído no programa de remuneração). Ou seja, 14 salários mensais, algo próximo disso em bônus por desempenho se todas as metas forem atingidas e a soma das duas coisas em papéis de longo prazo. A Natura, que não tem ações na bolsa, entrega desde 1997 o que se costumou chamar de phantom stock options -- opções-fantasma, cuja valorização é calculada virtualmente, pela comparação com empresas concorrentes que estão listadas na Bolsa de Nova York. A Alpargatas usa um esquema similar. "A meta é que no quinto ano, ao ter direito de exercer todas as opções, o executivo receba 12 salários", diz Arnaldo Franco, diretor de RH da Alpargatas. Para esse cálculo, a Alpargatas estima um crescimento de 15% ao ano. Na ALL, o valor é calculado caso a caso. "Procuramos dar um incentivo de acordo com a importância do executivo no negócio, com base no patrimônio dele", diz Alexandre Behring, presidente da empresa de logística paranaense. "Se tudo der certo, ao fim de cinco anos as stock options devem dobrar ou triplicar esse patrimônio."

Planos desse tipo fazem os olhos de qualquer executivo saltarem. Mas há o reverso da moeda. "Numa empresa do ramo de construções, isso não deu certo", diz Cyro Magalhães, diretor de capital humano da consultoria de recursos humanos Mercer. "Ela financiava ações para os executivos e tinha até um quadro, pendurado em cima da cabeça da secretária, com a frase 'Estamos construindo o futuro' e a cotação da ação no dia." Perfeito para motivar, enquanto a cotação das ações subia. Mas, num certo momento, o valor caiu à metade. Os executivos viram, então, seus bônus se tornar dívida. "O quadro com a cotação das ações continua lá", diz Magalhães. "Mas a frase sumiu."

"Para as empresas interessa, é claro, ter o máximo de comprometimento dos executivos com os resultados. "A remuneração influi decisivamente no resultado das empresas", diz Rebelli, da Towers Perrin. No entanto, um relatório da consultoria, de 2000, indica que menos da metade das empresas identificava que os programas de remuneração variável tivessem feito alguma diferença nos resultados, tanto da organização como das unidades ou dos indivíduos. A conclusão de um estudo de 1998 tinha sido a mesma. O motivo mais citado, segundo o relatório, foi a falha na definição dos objetivos dos programas, incluindo indicadores de desempenho e suas respectivas metas.

O variável que não varia

Isso significa que não adianta adotar programas de remuneração por desempenho se sua implementação for malfeita. "No Brasil, a remuneração variável não varia", diz Marcos Morales, diretor de serviços de informação da Mercer. "Estou exagerando, claro. Mas ela varia muito menos do que deveria. Na prática, há mecanismos de compensação na hora da definição das metas." Uma pesquisa da consultoria, feita com 161 empresas (das quais metade tinha faturamento acima de 289 milhões de dólares), mostra que os bônus se mantiveram praticamente constantes desde 1998 até o ano passado. Para presidentes, a média foi de 6,7 salários. No pior ano, 2002, receberam 5,8, e no melhor, 2000, 8,2. Para diretores, a média foi de 4,8 salários, variando de 4,2 a 5,6. Para gerentes de primeira linha, média de 2,9, com mínimo de 2,5 e máximo de 3,3. Mesmo nos bancos, normalmente muito mais agressivos em remuneração variável, é difícil contornar esse problema. "O executivo sempre espera ganhar o mesmo que no ano passado", diz Rodrigo Aranha, diretor de RH do banco de investimentos JPMorgan. "Pior que a frustração pelos bônus é a frustração pelas ações. Não temos essa cultura de longo prazo e, se o executivo pega uma circunstância de mercado desfavorável, a sensação de perda é inevitável."

Enquanto havia a expectativa de que o Brasil estava pavimentando a estrada para o futuro, dava para conviver com programas de remuneração menos eficientes. Mas, nos últimos dois anos, a diminuição dos investimentos estrangeiros fez com que as esperanças de salto no crescimento econômico dessem lugar à dura luta pela sobrevivência. Nenhuma grande companhia quer ou pode voltar ao antigo sistema de salários fixos e prêmios tímidos -- afinal, o que elas precisam hoje é de ainda mais engajamento, não menos. Por isso, a maioria delas está quebrando a cabeça para descobrir a melhor fórmula de adequar a remuneração de seus executivos aos objetivos do negócio.

"Cerca de metade das empresas que pesquisamos fez ajustes no desenho de seus programas nos últimos dois anos", diz Rebelli. Ele foi o responsável pela pesquisa Top Exec, divulgada em junho, que investigou as estratégias de remuneração de altos executivos em 97 empresas com faturamento a partir de 250 milhões de reais. As principais alterações foram nos indicadores de desempenho e na amplitude da faixa de premiação. Traduzindo: as empresas querem reconhecer desempenhos excelentes de forma extraordinária, e para isso estão tentando adotar critérios que reflitam bem os resultados. "Os indicadores de bônus estão mudando. Estão agora mais ligados a resultados financeiros e operacionais, como o Ebitda (lucros antes dos impostos, taxas, depreciações e amortizações), fluxo de caixa, valor econômico adicionado (EVA) e similares, ou ligados à atividade direta do executivo", diz Rebelli. A pesquisa da Towers Perrin separou 25% das empresas com melhor desempenho, medido pelo retorno sobre o patrimônio líquido e margem de lucro. E reparou: as melhores não dão mais benefícios que as outras, mas pagam salário-base e oferecem bônus mais altos. Também oferecem mais incentivos de longo prazo (80% delas têm esse plano, ante 63% das outras).

O que se paga é o que se leva

Infelizmente, não existe fórmula de remuneração mágica que funcione para toda e qualquer empresa. Isso foi o que os americanos tentaram, com as stock options, e deu no que deu. Nas subsidiárias de multinacionais, o problema é agravado pela distância entre o resultado local e a recompensa, atrelada à valorização dos papéis da matriz. "Numa empresa do setor de energia da Colômbia, os diretores ganhavam tanto dinheiro com as stock options que deixaram até de aparecer para trabalhar", diz a argentina Alejandra Figini, recém-nomeada diretora-geral da consultoria de recursos humanos Adecco no Brasil. "Um dos critérios para remuneração passou a ser presença. Botaram cartão de ponto para os altos executivos."

Para os americanos George P. Baker e Michael Jensen, professores da Escola de Negócios de Harvard, o problema da remuneração por desempenho não é que seja pouco eficiente, mas que seja eficiente demais. Por isso, é preciso muito cuidado ao escolher aquilo pelo que se paga. Se os executivos ganham mais quanto maior é a empresa (a relação histórica é um salário 3% maior para uma empresa 10% maior), há um incentivo não declarado para a aquisição de companhias, ainda que a margem de lucro diminua. Também não é de espantar que a maioria dos processos de fusão fracasse, quando os executivos são premiados por fechar o negócio, e não por obter sinergia entre as empresas envolvidas.

A indústria farmacêutica oferece bons exemplos de processos de remuneração influenciando no ciclo do negócio. Em princípio, um remédio de uso contínuo, por exemplo, não deveria ter épocas de pico e épocas de redução de vendas. Mas é costume os vendedores realizarem promoções quando estão perto de cumprir metas, para poder ganhar seus bônus. O resultado é uma sazonalidade artificial. "Até pouco tempo atrás, era comum os gerentes abarrotarem o distribuidor com um produto e concederem um tempo maior para ele vender, para que pudessem bater metas", diz Fernando Vasconcelos Heiderich, presidente da Schering-Plough Coopers. "Essa prática dificultava muito o nosso controle de estoque." O sistema de remuneração mudou depois da fusão entre a Schering-Plough e a Coopers, em abril do ano passado. Antes, os vendedores costumavam ganhar bônus por estourar as vendas de um produto sem nenhum esforço extra, quando o governo determinava a vacinação do gado na sua região, por exemplo. Hoje, todos os executivos são responsáveis pela venda de uma série de produtos. "Também estabelecemos um critério de crédito mais rigoroso na análise dos clientes", diz Heiderich. "Além de melhorar o sistema, as vendas líquidas aumentaram em 18%."

Escolher os resultados que devem ser premiados é crucial. Tem sido crescente o uso de indicadores como EVA, lucro líquido, faturamento. Muitas empresas incluem também índices de clima entre os funcionários, satisfação dos clientes, até desenvolvimento pessoal. Alguns especialistas e executivos discordam. Seu argumento é de que as metas operacionais seriam meios para chegar ao lucro, não um fim em si mesmas, e premiá-las seria pagar duas vezes pelo mesmo resultado. "Não concordo", diz Tadeu Alves, presidente da empresa farmacêutica Merck Sharp & Dohme. Lá, as metas obedecem a uma grade, com 50% de peso em fatores como penetração de mercado, vendas e crescimento e outros 50% em fatores como desenvolvimento humano, visibilidade e valores. "Não medimos apenas o que foi obtido, medimos também como isso foi obtido, a maneira como se atuou para chegar aos resultados", diz Alves.

Pagar também é cultura

Para ser eficiente, cada empresa tem de resolver sua própria equação. "O sistema de compensação é também uma forma de expressar a cultura da empresa", diz Néstor Azcune, diretor-geral da consultoria Watson Wyatt no Brasil. "No entanto, às vezes vemos coisas estranhas, como empresas que querem ser agressivas e dão prêmio a funcionários que completam 30 anos de casa, ou empresas que precisam de inovação mas não recompensam as idéias novas." Marcos Morales, da Mercer, conta que foi procurado por uma empresa para criar um plano de retenção de executivos, porque sua base gerencial rodava 2,5 vezes por ano. "Mas a empresa era extremamente agressiva, e descartava os gerentes que não davam resultado", diz Morales. "Perguntei se eles iriam mudar de estilo, e disseram que não." No final, a empresa desistiu de incentivos de longo prazo e adotou um pacote para atrair talentos, reconhecer e recompensar os resultados.

Nos casos em que há mudança de cultura, o estilo de remuneração é fundamental. Um exemplo é a companhia de energia CPFL, de São Paulo. "Antes da privatização, em 1997, ninguém se preocupava com o resultado", diz Wilson Ferreira Jr., presidente da CPFL. "Agora, temos metas na tela de cada executivo." A remuneração variável também ajuda a "romper um pouco as amarras do sistema trabalhista", segundo o diretor de RH da CPFL, Arlindo Casagrande Filho.

Exatamente quão agressiva deve ser a remuneração variável também muda de empresa para empresa. "Os bancos de investimento ganham muito dinheiro num dia e no outro podem perder ainda mais", diz Aranha, do JPMorgan. "Ter uma política de remuneração variável é uma necessidade." A média brasileira é de 60% de fixo para 40% de variável nas empresas mais conservadoras, com as taxas invertidas nas empresas mais agressivas. "Antes do estouro da bolha, os profissionais aceitavam sem pestanejar que 60% da remuneração fossem variáveis", afirma Carlos Diz, da consultoria de contratação de executivos Spencer Stuart. "Hoje, eles tentam negociar 60% de fixo."

Às vezes, o que vale mais é não ter remuneração agressiva. "Os esquemas de incentivo corporativo encorajam os gerentes a se concentrar ou na execução das tarefas correntes ou em desenvolver e implementar novas idéias de negócios, mas não em ambos", diz Jonathan Day, sócio do escritório da McKinsey em Londres. "Se a empresa quer as duas coisas, como acontece com muita freqüência nos cargos mais elevados, os incentivos agressivos podem atrapalhar, em vez de ajudar." A lógica é que, como a inovação é difícil de medir, os executivos tendem a se concentrar nas tarefas que lhes tragam mais recompensa em relação aos riscos -- as de curto prazo. "A resposta, um pouco contra-intuitiva, é reduzir os incentivos." E a motivação, vem de onde? "A solução é muito difícil: criar uma cultura de alto comprometimento", diz Day.

É o que tenta fazer o grupo Promon, de engenharia e tecnologia. O controle da empresa pertence aos funcionários, e sua política salarial é tal que os iniciantes recebem bem mais que a média do mercado, mas a diferença vai caindo, até ficar negativa nos níveis de gerência mais altos. A diretoria ganha a metade do que altos executivos de empresas do ramo recebem. Os bônus dependem do lucro da companhia (um terço dele é distribuído), do desempenho individual e da importância do profissional. O cálculo de bônus é feito em uma moeda da empresa, o F, e cada um pode receber de zero a 10 Fs. No ano passado, cada F correspondeu a apenas 0,18 salário. Como a Promon retém seus executivos? "Em geral, quem chega aos postos mais altos já passou pelas outras fases e se impregnou da cultura da empresa", diz Luiz Ernesto Gemignani, presidente da Promon. Há três anos, o grupo chegou a mudar seu esquema de remuneração, adotando stock options e bônus agressivos para atrair executivos de tecnologia. Mas, quando o setor murchou, houve demissões e os sobreviventes foram convidados a aderir ao sistema anterior. Claro que também aí há problemas. "Uma vez tentei contratar um prestador de serviços que tinha a cara da Promon", diz Gemignani. "Mas ele respondeu que não viria porque queria ficar rico." Nos dias de hoje, reconhece ele, está mais difícil convencer os jovens a ingressar no sistema: 25% dos funcionários não têm ações da empresa (a média sempre foi de 15%, com períodos em que chegou a 5% de não-sócios).

Tem de ter meta?

Dinheiro é sempre um assunto que causa polêmica. As opiniões sobre sistemas de remuneração variável vão desde considerá-los a panacéia da motivação perfeita até apontá-los como destruidores da "verdadeira" motivação para o trabalho, que deve ser o interesse na tarefa em si (clique aqui ou no box acima para ler a reportagem "O dinheiro motiva?"). Há, ainda, os que defendem a remuneração variável como a mais justa -- porque quem produz resultados fica com parte deles --, mas discordam do sistema de metas associado a ela. Entre esses está o professor de Harvard Michael Jensen, um dos primeiros estudiosos a defender o uso das stock options, há 30 anos. Num artigo escrito em 2001, intitulado "Paying People to Lie" (Pagando as pessoas para mentir), Jensen afirma que o sistema de metas incentiva as pessoas a tentar fixar objetivos fáceis de atingir e, depois, a atingi-los a qualquer custo, mesmo se causarem dano à empresa. Isso acontece especialmente nas descontinuidades da curva de remuneração, ou seja, no ponto a partir do qual se paga um bônus e no ponto a partir do qual se deixa de pagá-lo. Jensen propõe uma função linear entre resultados e remuneração -- sem limite mínimo nem máximo, comuns nas empresas. Contra as metas, seu colega George Baker exibe um argumento poderoso. Na opinião dele, para que elas fossem eficientes, teriam de ser perfeitamente mensuráveis. "Mas qualquer atividade cujo desempenho possa ser medido objetivamente de forma perfeita não pertence ao universo da empresa", diz Baker. "Essa atividade deveria ser exonerada e contratada no mercado."

Alexandre Behring, da ALL, que foi aluno de Jensen, em Harvard, não concorda com o antigo mestre. "Ele é um gênio. Mas o que diz não dá para pôr em prática." Se a sua empresa também acredita que não tem como prescindir das metas, então pelo menos que as use direito. Como a Natura, por exemplo. Os incentivos são extremamente agressivos: se o Ebitda e a participação de mercado ultrapassarem em 5% a meta, os executivos ganham 140% do bônus-alvo (que vai de três a dez salários, de acordo com o cargo). Se ultrapassarem a meta em 10%, eles ganham 210% do alvo. Além disso, cada um tem metas individuais, que podem multiplicar esse resultado por até 1,45. Estamos falando de um bônus potencial de 30,5 salários. Mas (há sempre um mas): as metas são difíceis. Bem difíceis. "Pagamos o bônus integral para quem cumprir 70% das metas individuais", diz Flávio Pesiguelo, gerente de planejamento e desenvolvimento de RH da Natura. "O recado é que as metas têm de ser tão agressivas que 70% seja ótimo."

Outro exemplo é a ALL, de Behring, uma empresa formada na cultura da GP Investimentos, dona da AmBev, um grupo obcecado por metas. Uma de suas características é medir tudo o que for possível. "Quando compramos a empresa, as locomotivas não tinham nem medidor de combustível", diz Behring. "Hoje, o palmtop do maquinista está conectado ao computador de bordo. Ele pode saber na hora como foi sua condução, e a cada 15 dias recebe dicas para economizar combustível." De dois anos para cá, o consumo caiu 15%. Na ALL, as metas são interligadas, para estimular o trabalho em equipe. E são rígidas. "Não dá para isolar a pessoa do mundo real. Se a meta não foi cumprida, não adianta dar justificativa", diz Behring. "Pode haver injustiças, como em qualquer sistema, mas é muito difícil que todo ano o cara dê azar." E, claro, o variável varia. "Já teve ano em que ganhei pouco. Também sofro", diz Behring, mal disfarçando um sorriso. Ele assegura que foi esse sistema que ajudou a ALL a crescer de 150 milhões de reais de faturamento para 1,2 bilhão, em seis anos. Quem dera todos os executivos brasileiros pudessem dizer que sofrem assim.



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