Ano XXV - 24 de abril de 2024

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CONTROLE SOCIAL DAS CONTAS PARTIDÁRIAS - ABUSO DO PODER ECONÔMICO

CONTABILIDADE ELEITORAL - ELEIÇÃO MUNICIPAL DE 2016

PARTE 4 - COMENTÁRIOS E ASPECTOS JURÍDICOS SOBRE A PRESTAÇÃO DE CONTAS

4.6 - CONTROLE SOCIAL [DAS CONTAS PARTIDÁRIAS] (Revisada em 21-02-2024)

Autoria deste Capítulo é do Contador Alexandre Di Pietra

4.6 - Controle Social

Este Capitulo é de Autoria de Alexandre Luis Mendonça Rollo, O presente artigo tem o objetivo de trazer à reflexão o chamado controle social do abuso do Poder Econômico, sugerindo condutas de contra campanha para que se possa, eventualmente, denunciar a prática de caixa dois (utilização de recursos não contabilizados), por aquele candidato que declara à Justiça Eleitoral valores absolutamente incompatíveis com o volume da campanha eleitoral por ele realizada nas ruas. Mas para que se possa chegar àquele objetivo, é preciso que se entenda a razão de ser da proibição da prática dos abusos nas eleições, passando pelo conceito de abuso e, em especial, por aquilo que a Justiça Eleitoral entende por abuso do poder econômico.

Um bom início para a reflexão a que nos propomos a debater passa pelo princípio da soberania popular que, como sabemos, tem assento constitucional (artigo 1º, parágrafo único, CF/1988), podendo ser considerado a “certidão de nascimento” do próprio Direito Eleitoral. Isso porque, sem o poder que “emana do povo” e sem o exercício de tal poder “por meio de representantes eleitos”, não haveria necessidade de eleições, nem do próprio Direito Eleitoral.

O princípio da soberania popular se traduz no respeito à vontade popular, que se manifesta através do voto. Se assim é, não se pode, a princípio, alterar o mérito da vontade popular. Se o povo quer como representante o palhaço, o índio, o atleta, o caboclo, a mulher fruta etc, tal vontade deve ser respeitada.

Desse importante princípio nasce uma regra processual fundamental que se aplica a todos os processos eleitorais que envolvam cassação de diplomas ou de mandatos eletivos, qual seja, a regra do “in dubio pro voto”, ou seja, em processo de cassação a dúvida deve impor a improcedência da demanda, tal como ocorre no Direito Penal, com a conhecida máxima do “in dubio pro reo”. Tal questão será melhor tratada mais adiante, quando estudaremos a questão do ônus da prova.

Mas sendo o princípio da soberania popular (respeito à vontade popular manifestada nas urnas), tão importante, logo vem à mente a seguinte dúvida: pode a Justiça Eleitoral alterar essa vontade popular cassando mandatos eletivos?

A resposta para essa indagação é afirmativa e passa pelo estudo de um segundo princípio de Direito Eleitoral tão importante quanto o primeiro, que é o princípio da lisura das eleições. São verdadeiros pilares deste princípio a livre formação da vontade do eleitor e a igualdade de oportunidades entre os candidatos. A livre formação da vontade do eleitor é tutelada pelo ordenamento jurídico eleitoral através de dispositivos legais tais como, dentre outros, os artigos 30-A, 41-A, 45, 73, 74, 75 e 77 todos da Lei 9.504/1997, vários artigos do Código Eleitoral (em especial os que tratam dos crimes eleitorais), artigo 22 da Lei Complementar 64/1990 etc.

Por meio destes dispositivos legais fica possibilitada a punição daqueles que descumpram regras relativas à arrecadação e aos gastos das campanhas eleitorais, daqueles que pratiquem captação ilícita de sufrágio, veda-se ainda a utilização da imprensa como fator de manipulação da vontade do eleitor, proíbe-se o uso da máquina administrativa e os abusos dos poderes político, econômico e dos meios de comunicação social.

Já a igualdade de oportunidades entre os candidatos, além de ser obtida ao se garantir a livre formação da vontade do eleitor, também o é, por exemplo, com a previsão de algumas inelegibilidades de natureza constitucional (como a inelegibilidade por parentesco), e com a necessidade de desincompatibilização (necessidade esse que está prejudicada ao se exigir, por exemplo, que o Ministro de Estado se desincompatibilize para disputar uma eleição e não se ter a mesma exigência para o Presidente da República candidato à reeleição).

O princípio da lisura das eleições é diretamente tratado pelo artigo 23 da Lei Complementar 64/1990, podendo ainda ser resumido com a seguinte frase proferida pelo então Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Ministro Carlos Ayres Britto: “Não basta vencer as eleições. É preciso vencê-las limpamente”.

Para fecharmos essa breve introdução é preciso dizer que os princípios da soberania popular e da lisura das eleições devem ser interpretados harmonicamente, ou seja, na dúvida, deve prevalecer o princípio da soberania popular e o respeito à vontade do eleitor (nesse caso, eventual ação de cassação deve ser julgada improcedente).

Entretanto, caso haja provas robustas de práticas abusivas que geraram um desvirtuamento da vontade do eleitor (Ex.: candidato venceu as eleições comprando votos), caberá à Justiça Eleitoral cassar o mandato daquele que venceu as eleições mediante trapaças já que essa não era a vontade isenta do eleitor.

4.6.1 - Abusos Eleitorais

São três os abusos com os quais se preocupa a legislação eleitoral: abuso do poder econômico, abuso do poder político e abuso dos meios de comunicação social, todos com potencial, em tese, para alterar o resultado legítimo de uma eleição (ou seja, todos com potencial, em tese,  para gerar uma cassação de mandato eletivo pela Justiça Eleitoral).

O substantivo abuso diz respeito a mau uso, uso errado, excesso, uso inadequado ou nocivo. No dizer de José Jairo Gomes, “haverá abuso sempre que, em um contexto amplo, o poder for manejado com vistas à concretização de ações irrazoáveis, anormais, inusitadas ou mesmo injustificáveis diante das circunstâncias que se apresentem e, sobretudo, ante os princípios e valores agasalhados no ordenamento jurídico. Por conta do abuso, ultrapassa-se o padrão normal de comportamento, realizando-se condutas que não guardam relação lógica com o que normalmente ocorreria ou se esperaria que ocorresse” {1}.

Já a palavra poder deve ser compreendida como força bastante, capacidade, possibilidade, domínio e controle de situações, recursos ou meios que possibilitem a concretização ou a transformação de algo. Ainda nas palavras de José Jairo Gomes, o poder se revela “na força, na robustez, no império, na potencialidade de se realizar algo no mundo.

Implica a capacidade de transformar uma dada realidade” {2}.

Por fim, a expressão “abuso de poder” seria a concretização de ações / omissões com vistas a influenciar ou determinar opções e comportamentos alheios. Tais ações denotam mau uso de recursos detidos pelo beneficiário ou a ele disponibilizados. As condutas levadas a cabo não são razoáveis nem normais à vista do contexto em que ocorrem, revelando existir exorbitância por parte do agente.

A legislação eleitoral, por sua vez, preocupa-se com os abusos de poder porque a eleição em que o abuso se instala resulta corrompida, pois impede que a vontade genuína do eleitor se manifeste nas urnas, ferindo o princípio da lisura das eleições. Tal prática contribui para a formação de representação política não autêntica. Daí a necessidade de se dotar o Direito Eleitoral de instrumental adequado para refrear o uso abusivo do poder nas eleições.

4.6.2 - Abuso do Pode Econômico

Conforme dito anteriormente, um dos abusos com os quais a legislação eleitoral se preocupa é exatamente o abuso do poder econômico. E a preocupação com tal abuso é tanta que a Constituição Federal, de forma expressa, registrou que lei complementar poderá estabelecer outros casos de inelegibilidade (além daqueles previstos na Lei Maior), a fim de proteger a “normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico” (art. 14, parágrafo 9º.), prevendo ainda uma ação justamente para coibir tal prática, quando estabelece que “o mandato eletivo poderá ser impugnado ante a Justiça Eleitoral no prazo de quinze dias contados da diplomação, instruída a ação com provas de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude” (art.14, parágrafo 10 da CF/88).

A expressão “abuso do poder econômico” deve ser compreendida como a concretização de ações que denotem mau uso de recursos patrimoniais detidos, controlados ou disponibilizados ao agente.

Para a caracterização do abuso do poder econômico eleitoral é preciso, por óbvio, que a conduta tenha em vista processo eleitoral futuro ou em curso. No dizer de Fávila Ribeiro “a interferência do poder econômico traz sempre por resultado a venalização do processo eleitoral, em maior ou menor escala. {34}

O abuso do poder econômico pode decorrer do emprego abusivo de recursos patrimoniais, do descumprimento de regras atinentes à arrecadação e ao uso de fundos de campanha, da oferta ou doação, a eleitores, de bens, produtos ou serviços diversos, da prática do chamado caixa dois e da realização de gastos que superem o valor fixado pelo Tribunal Superior Eleitoral (lembra-se aqui, que a Resolução TSE 23.459/2015 fixou tetos de gastos para as campanhas eleitorais, que não podem ser superados pelos candidatos)

{34} Abuso de poder no direito eleitoral, 2ª. edição, Forense, pág. 58;

4.6.2.1 - Abuso do Poder Político com Viés Econômico

De modo geral, os fatos que caracterizam abuso de poder político não se confundem com os que denotam abuso do poder econômico. Em tese, tais formas de abuso de poder são independentes entre si, de sorte que uma pode ocorrer sem que a outra se apresente. Mas em vários casos concretos as duas figuras andam juntas em fenômeno conhecido como abuso do poder político com viés econômico. Nele, o mau uso de poder político (uso da máquina administrativa), é acompanhado pelo econômico, estando ambos inexoravelmente unidos.

Conforme a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, o abuso de poder político caracteriza-se quando o agente público, “valendo-se de sua condição funcional e em manifesto desvio de finalidade, compromete a igualdade da disputa e a legitimidade do pleito em benefício de sua candidatura ou de terceiros” (TSE, Respe 468-22/RJ, Rel. João Otávio de Noronha, DJe de 16.6.2014), ao passo que o abuso do poder econômico configura-se pelo “uso desproporcional de recursos patrimoniais, sejam eles públicos ou privados, de forma a comprometer a igualdade da disputa eleitoral e a legitimidade do pleito em beneficio de determinada candidatura” (TSE, AgR-REspe 601-17/SC, Rel. Mm. Nancy Andrighi, DJe de 9.4.2012).

Em determinado caso concreto julgado no TSE entendeu-se que a contratação de seis veículos de comunicação por determinado Município caracterizou abuso do poder político entrelaçado com econômico sob o fundamento de que o Prefeito “abusou de sua posição de chefe do Poder Executivo Municipal para atender seus interesses eleitorais visando ao pleito que se aproximava, desvirtuando propaganda institucional e utilizando recursos públicos para financiar a divulgação de reportagens que promoviam a sua pessoa ou prejudicavam a candidatura de seu adversário”.

Como se vê, a Justiça Eleitoral preocupa-se com os abusos e com o seu potencial de alterar o resultado legítimo de uma eleição.

4.6.2.2 - Casos concretos de abuso do poder econômico e ônus da prova

Conforme já dito anteriormente, o princípio da soberania popular impõe que, na dúvida, não possa a Justiça Eleitoral alterar o resultado das urnas. Em outras palavras, não se cassam mandatos eletivos com base em suposições, presunções, matérias jornalísticas, boatos, fofocas etc. Para que isso ocorra, a Justiça Eleitoral exige, acertadamente, provas robustas e incontroversas de ferimento ao princípio da lisura das eleições.

É o que se verifica, por exemplo, no seguinte julgado: “.Com base na compreensão da reserva legal proporcional, a cassação de diploma de detentor de mandato eletivo exige a comprovação, mediante provas robustas admitidas em Direito, de abuso grave o suficiente a ensejar essa severa sanção, sob pena de a Justiça Eleitoral substituir-se à vontade do eleitor” (Recurso Especial Eleitoral 18564, Acórdão de 17/12/2015, Relator(a) Min. LUCIANA CHRISTINA GUIMARÃES LÓSSIO, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Volume - Tomo 96, Data 19/05/2016, Página 63/64).

Já aqui se percebe, portanto, que não basta a prática do abuso. É preciso ficar provado, sem qualquer margem a dúvidas, que houve abuso, e, mais do que isso, que o abuso foi grave. Nesse ponto, vale lembrar, em abono ao julgado anteriormente citado, que “para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam” (art. 22, inciso XVI da Lei Complementar 64/1990).

Ou seja, naquilo que toca ao objeto do nosso estudo - Contra Campanha (controle social) - não basta o simples ajuizamento de ação que busque a cassação do mandato eletivo do adversário. É preciso que tal ação esteja aparelhada com prova farta (fotografias, gravações de vídeos, testemunhas etc), da prática abusiva e de sua gravidade a prejudicar o próprio resultado das eleições.

No mesmo sentido é o seguinte julgado: “.Quanto ao abuso do poder econômico, não consta dos autos elementos probatórios suficientes à condenação, inclusive porque sequer o alegado showmício restou demonstrado. 5. O abuso do poder político não pode ser comprovado única e exclusivamente com base em matéria jornalística (Agravo Regimental em Recurso Ordinário 196412, Acórdão de 03/03/2016, Relator(a) Min. LUCIANA CHRISTINA GUIMARÃES LÓSSIO, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 06/04/2016).

Quanto à questão das matérias jornalísticas como meio de prova é preciso lembrar que, não raramente, jornais locais adotam posições favoráveis a determinados grupos e contrárias a outros. Também pode ser dito que, comumente, grupos políticos são proprietários de veículos de comunicação impressa. Se assim é, realmente não se pode aceitar como prova exclusiva, o uso de matérias jornalísticas que podem não ser confiáveis para alicerçar um decreto condenatório.

Na mesma linha, lembra-se também que, conforme o artigo 368-A do Código Eleitoral, “A prova testemunhal singular, quando exclusiva, não será aceita nos processos que possam levar à perda do mandato”. Verifica-se, portanto, que a própria legislação eleitoral cuida de proteger o princípio da soberania popular ao não aceitar, com razão, cassações que não estejam amparadas em provas efetivamente robustas da prática do ilícito eleitoral e de sua relevância jurídica.

UTILIZAÇÃO DE RECURSOS PATRIMONIAIS EM EXCESSO.

Para o Tribunal Superior Eleitoral “a utilização de recursos patrimoniais em excesso, sejam eles públicos ou privados, sob poder ou gestão do candidato, em seu benefício eleitoral, configura abuso do poder econômico” (Recurso Especial Eleitoral 94181, Acórdão de 15/12/2015, Relator(a) Min. MARIA THEREZA ROCHA DEASSIS MOURA, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 45, Data 07/03/2016, Página 51). Nesse caso específico ficou decidido que gastos vultosos com contratação de cabos eleitorais e com combustível, foram graves o suficiente para a configuração do abuso. Para evitar esse tipo de prática o art. 100-A da Lei . 9.504/1997 limitou a contratação de pessoal (nesse ponto já vale o controle feito pelos adversários acerca dos prestadores de serviço nas campanhas). Também ajudou a evitar tal prática a Resolução TSE 23459 que acabou com o limite de gastos fixado pelos Partidos (agora há uma tabela com os gastos de cada eleição em cada Município do Brasil, podendo os adversários fazer um acompanhamento do volume das demais campanhas e dos valores de mercado dos produtos e serviços utilizados para avaliar, ao final, se os valores declarados são compatíveis com a campanha feita na rua).

De se observar também que mesmo os recursos públicos, quando gastos de forma excessiva (ainda que travestidos de gastos públicos lícitos), podem desbordar para a prática de abuso do poder econômico. Assim, por exemplo, o Prefeito que nunca gastou recursos públicos em sua gestão em determinada rubrica e que, em ano eleitoral, abre os cofres públicos para a realização desses atos nunca antes realizados (com a divulgação respectiva para a população local), pode responder, a depender de cada caso concreto, por abuso do poder econômico.

DISTRIBUIÇÃO DE CAMISETAS A CABOS ELEITORAIS.

Também é do TSE o entendimento de que “.a distribuição pontual de 50 camisetas a cabos eleitorais e à equipe de campanha não configura vantagem oferecida a eleitor. Isso porque se trata de “mecanismo de organização de campanha” (RO 1507, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe de 1º.10.2010). Nesse particular pode-se dizer que, realmente, se houve distribuição de camisetas a cabos eleitorais, não haverá abuso. Mas, ao contrário, se houve a filmagem de uma passeata/caminhada com centenas de pessoas usando a mesma camiseta, restará provada a confecção e distribuição indiscriminada de camisetas ao eleitor, o que pode configurar compra de voto e/ou abuso do poder econômico, tudo a depender da “contra campanha” que pode ser feita pelos adversários.

ABUSO DO PODER ECONÔMICO NA PRÉ-CAMPANHA.

Com o encurtamento das campanhas eleitorais de 90 para 45 dias, ganhou força e relevância a chamada pré- campanha (atos realizados antes do dia 16/08 e expressamente previstos no art. 36-A da Lei 9.504/1997, além da prática do chamado proselitismo político). Segundo pensamos, se a pessoa pode conceder entrevistas na televisão se identificando como pré-candidato, exaltando suas qualidades pessoais e expondo suas plataformas e projetos políticos (só não cabendo pedido explícito de votos), poderá também, por exemplo, prestar contas de seu mandato, figurar em propaganda partidária impressa de seu partido, figurar em “outdoor” do dia das mães etc.

É preciso, todavia, que se tome cuidado com os excessos.

Assim, por exemplo, se o candidato a Prefeito poderá gastar em sua campanha eleitoral R$ 100.000,00, não é razoável que gaste, na pré-campanha, R$ 200.000,00. Novamente aqui é possível o controle social desses gastos. É possível, por exemplo, fotografar a utilização de 50 “outdoors” em Município pequeno, quantificar com as empresas do setor o valor de mercado de cada um, para se ter uma estimativa do valor gasto pelo pré-candidato ou recebido a título de doação. O importante aqui é que se saiba que gastos excessivos antes da campanha ter início, também podem configurar abuso.

Nesse sentido: o eventual abuso do poder econômico “exige comprovação da utilização excessiva, antes ou durante a campanha eleitoral, de recursos materiais ou humanos que representem valor econômico, buscando beneficiar candidato, partido ou coligação, afetando a normalidade e a legitimidade das eleições” (AgRg no RCED 580, Rel. Min. Arnaldo Versiani, DJe de 1º.11.2011).

RECURSOS NÃO CONTABILIZADOS - ART. 30-A DA LEI 9.504/1997.

Voltando ao exemplo do candidato que possui limite de gasto de R$ 100.000,00, mas que realiza campanha milionária, desde que haja um acompanhamento de tal campanha pelos adversários (controle social), pode-se provar a prática do caixa dois. Assim, por exemplo, se o candidato realizou propaganda no rádio, mas nãodeclara tal produção em sua prestação de contas, terá utilizado recursos não contabilizados para o pagamento respectivo. Se o candidato teve um “site” de campanha e não declarou tal confecção, se realizou 10 comícios e declarou 5, se tinha pessoas trabalhando em sua campanha e não declarou despesas com pessoal, se declarou carros sem declarar combustível, se utilizou comitê de campanha e não declarou a utilização do imóvel, se iniciou campanha forte antes da abertura da conta bancária respectiva etc, tudo isso poderá ser objeto de representação com base no art. 30-A da Lei 9.504/1997.

Para o TSE, “.estaria sobejamente demonstrada a prática de captação e gasto ilícito de recursos, apto a configurar abuso do poder econômico, tendo sido ressaltada a existência de caixa dois, em razãoda movimentação de todos os gastos eleitorais sem transitar pela conta bancária de campanha, aberta tardiamente, além de terem sido apresentadas contas retificadoras com alteração substancial dos valores sem justificativa para tal, prática punível na forma do disposto nos arts. 30-A da Lei das Eleições e 14, § 10, da CF/88.

9. Irregularidades graves como omissões de despesas, ausência de identificação de doadores, falta de emissão de notas fiscais e gastos superiores ao limite estabelecido para a campanha configuram a prática vedada que, por sua gravidade, leva à cassação do diploma”

(Recurso Especial Eleitoral 131064, Acórdão de 17/11/2015,  Relator(a) Min. MARIA THEREZA ROCHA DE ASSIS MOURA, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Volume -, Tomo 235, Data 14/12/2015, Página 168/169).

É preciso, portanto, que o candidato fique atento à campanha de seus adversários, registrando todos os atos de campanha com fotografias e vídeos que, posteriormente, podem servir de prova de utilização de recursos não contabilizados para o pagamento de atos de campanha não informados na respectiva prestação de contas.

VÁRIAS REPRESENTAÇÕES OU UMA REPRESENTAÇÃO?

Outra questão estratégica envolvendo eventuais ataques às campanhas eleitorais de adversários, advindas dos atos de contra campanha (controle social), diz respeito ao ajuizamento de várias ações envolvendo, cada uma delas, uma acusação, ou o ajuizamento de uma ação com várias acusações cumuladas. Sobre a questão já decidiu o TSE que “A apuração do abuso do poder econômico, nos feitos em que os fatos apontados são múltiplos, deve ser aferida a partir do conjunto de irregularidades apontadas. Assim, ainda que algumas delas não possuam, em si, gravidade suficiente para autorizar a cassação do registro ou do diploma dos representados, é possível que, no conjunto, a gravidade seja reconhecida. Precedentes” (Ação Cautelar 92888, Acórdão de 05/11/2015, Relator(a) Min. HENRIQUE NEVES DA SILVA, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 233, Data 10/12/2015, Página 127-128).

O raciocínio desenvolvido pelo TSE, portanto, é de que mais vale apenas uma representação forte, do que várias representações que, vistas de forma isolada, podem não configurar condutas com gravidade suficiente para um decreto de cassação. Aqui, portanto, vale a máxima de que o importante é a qualidade, não a quantidade.

Em Resumo do quanto dito anteriormente, a prática de abusos, em especial a prática do abuso do poder econômico (com possibilidade de ocasionar a cassação de registro/diploma/mandato eletivo), pode ser objeto de contra campanha (controle social), dos adversários, bastando o acompanhamento e o registro do dia-a-dia da pré-campanha e da campanha investigada, com possibilidades concretas de se apurar e de se provar judicialmente a prática de caixa dois, a exorbitância com determinados gastos e, eventualmente, o emprego de recursos em práticas proibidas pela legislação eleitoral. Lembra-se, por fim, que a prova do abuso deve ser robusta e incontroversa, que o ônus da prova é daquele que acusa e que o abuso, para ser reconhecido, demanda demonstração da gravidade das circunstâncias que o caracterizam.



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