Ano XXV - 29 de março de 2024

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O CAPITAL NO SÉCULO XXI


O CAPITAL NO SÉCULO XXI

POR QUE O LIVRO DE PIKETTY CAUSA TANTA REPERCUSSÃO?

São Paulo, 11/06/2014 (Revisado em 17-03-2024)

Thomas Piketty sacudiu o universo da economia mundial, Dinastias Familiares, Riqueza Hereditária, Sinais Exteriores de Riqueza, Megalomania - Ostentação, Internacionalização do Capital em Paraísos Fiscais, Desigualdade Social, Distribuição da Renda, Neocolonialismo.

  1. ESPECIALISTAS BRASILEIROS COMENTAM OBRA QUE SACUDIU UNIVERSO DA ECONOMIA - 29/05/2014
  2. DEMOCRACIA PRECISA DE CLASSE MÉDIA FORTE - 22/10/2014
  3. EUROPA ESTÁ À BEIRA DE UMA GRAVE CRISE POLÍTICA, ECONÔMICA E FINANCEIRA - 21/11/21014

Veja também:

  1. Países Desenvolvidos São Os Mais Prejudicados Pela Ação Danosa dos Paraísos Fiscais
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Coletânea por Américo G Parada Fº - Contador - Coordenador do COSIFE

1. ESPECIALISTAS BRASILEIROS COMENTAM OBRA QUE SACUDIU UNIVERSO DA ECONOMIA

Por Luiza Albuquerque - Atua no Programa de Estágio Jornal do Brasil. Texto publicado pelo Jornal do Brasil - Economia em 29/05/2014. Com negritos e com a colocação de subtítulos, comentários, e anotações em azul por Américo G Parada Fº - Contador - Coordenador do COSIFE.

OS COLECIONADORES DE RIQUEZAS (MEGALOMANIA & OSTENTAÇÃO)

O francês Thomas Piketty sacudiu o universo da economia mundial com a recente publicação do livro O Capital No Século XXI. Na obra, o pesquisador avalia que a desigualdade de renda vem aumentando, a ponto de retornar aos mesmos números do século XIX. Além disso, a sociedade estaria voltando ao "capitalismo patrimonial", no qual as grandes economias não são de indivíduos talentosos que construíram seu império por meio do mérito, mas sim de dinastias familiares. O economista afirma que, por a riqueza hereditária ser tão vasta, é quase invisível - as pessoas não têm consciência de sua existência.

As dinastias familiares com suas vastas riquezas hereditárias também estão presentes no Brasil, as quais nós chamamos de oligarquia porque sempre influenciaram direta ou indiretamente a governabilidade do Brasil. Temos os descendentes do coronelismo do açúcar e do álcool e do café com leite, nossos principais produtos de exportação, além dos minérios até o final da década de 1990.

Depois da abolição da escravidão, chegaram ao Brasil outros grupos de europeus e também de asiáticos, todos conduzidos e mantidos como agentes do imperialismo econômico inglês que perdurou até a falência econômica do Reino Unido, durante a 2ª Guerra Mundial.

A partir da queda do império inglês, nossa elite econômica, com seu irreversível "complexo de vira-latas", tentou passar a batuta para os norte-americanos, que no início da década de 1970 já apresentavam sinais de fraqueza econômica, que se tornou visível em 2008, depois de significativa demonstração de fragilidade no início deste século XXI, quando foi sancionado o SOX - Sarbanes Orley Act para combater o Capitalismo Bandido dos Barões Ladrões.

A partir da década de 1970, com a extinção do padrão-ouro para o dólar (O Dólar Furado = Sem Lastro), começou a fuga dos grandes capitalistas, não somente nos Estados Unidos como também na Europa, assim como no Brasil, que firmaram suas pirâmides empresariais (cartéis) em empresas fantasmas (holdings) constituídas em paraísos fiscais cartoriais, controlando fábricas em todo o mundo e especialmente nos paraísos fiscais industriais asiáticos.

Essa fuga de capitais, também chamada de internacionalização do capital nacional, que se tornou multinacional ou transnacional, provocou a quebra dos países desenvolvidos, também chamados de países hegemônicos, que conseguiram se manter no auge enquanto puderam conduzir com mão de ferro o neocolonialismo (colonialismo econômico) conseguido mediante a implantação de ditaduras nos países outrora diretamente colonizados.

Com a fuga dos magnatas para paraísos fiscais, os déficits orçamentários (interno) e no balanço de pagamentos (externo) provocou o enfraquecimento dos governantes dos países desenvolvidos que perderam o apoio financeiro que necessitavam. Os magnatas, que davam esse apoio financeiro, fugiram para paraísos fiscais, deixando de pagar tributos e de produzir para exportação. Por tais motivos vem acontecendo o empobrecimento causado pelo desemprego das populações dos países desenvolvidos, algo que jamais se conseguiu imaginar ou vislumbrar até o final da década de 2010. Por isso, Thomas Piketty diz que estamos voltando ao século XIX, quando se iniciou o neocolonialismo (logo depois da abolição da escravidão em todos os países, o Brasil foi último deles).

A diferença básica entre o século XIX e o atual século XXI é que naquela época o neocolonialismo tinha o apoio dos países por intermédio de seus governantes. Agora o neocolonialismo imposto pelos capitalistas anarquistas independe dos governantes dos antigos países hegemônicos. Pelo contrário, agora aqueles governantes (hegemônicos) estão submissos aos caprichos dos magnatas, que os mantém devidamente subornados com pompa e circunstância, tendo os lobistas como importantes intermediários da corrupção.

A AUTOFAGIA DO CAPITALISMO

Estão matando a galinha dos ovos de ouro do capitalismo. Estão empobrecendo o consumidor.

De acordo com o autor [Thomas Piketty], o capitalismo não pode se apresentar como solução para a desigualdade, porque a distribuição de renda não acompanha o ritmo de acúmulo das riquezas. Assim, mesmo que fosse alcançado o capitalismo "perfeito", ainda haveria ricos e pobres. O livro se tornou um best-seller e foi defendido por nomes como o de Paul Krugman, economista ganhador do prêmio Nobel de 2008.

AS ILHAS DE PROSPERIDADE CERCADAS DE FAVELAS POR TODOS OS LADOS

As grandes cidades em todo o mundo têm-se revelado como ilhas de prosperidade cercadas de favelas em suas respectivas periferias ou subúrbios.

"É um bom livro porque levanta a questão da desigualdade da riqueza, que é um aspecto importante, principalmente após a crise de 2008. Thomas Piketty fez um excelente levantamento estatístico e tem o grande mérito de ter colocado em pauta este tema da desigualdade", aponta Antonio Carlos dos Santos, economista da PUC-SP.

"Após a Primeira Guerra Mundial, foram realizadas políticas econômicas favoráveis à redução da desigualdade. Piketty argumenta que esse período de redução não alterou o longo processo de aumento da desigualdade. No capitalismo isso seria uma tendência, ou seja, se o mercado agisse livremente, haveria o crescimento da desigualdade. Ele afirma que o único meio de reverter esse cenário é por meio de ações no campo da política", explica.

Veja o texto denominado A Desigualdade Norte-Americana Não É Fruto da Crise de 2008.

OS ETERNOS DEFENSORES DO CAPITALISMO EXCLUDENTE

Em 23/05/2014, o jornal Financial Times publicou uma análise apontando uma série de supostos erros no estudo de Piketty e colocando em dúvida a relevância da obra. O autor do texto [do Financial Times] criticou Piketty, dizendo que os ajustes realizados nas projeções para épocas que não havia dados não foram justificados e que o mesmo método não foi utilizado para todos os países.

Piketty respondeu esclarecendo que a disponibilidade de dados sobre a riqueza não é a mesma que sobre a renda e que, para homogeneizar as diversas fontes de informação, os ajustes foram necessários.

É FÁCIL PERCEBER QUE A POBREZA ESTÁ AUMENTANDO

Para evitar que o crescimento da pobreza seja comprovado, é preciso esconder os dados oficiais.

O economista da PUC-SP [Antonio Carlos dos Santos] reitera a dificuldade de encontrar dados sobre as riquezas e acredita na veracidade do trabalho de Piketty.

"Dados sobre renda são de fácil acesso, enquanto os de riqueza são escassos e devem passar por tratamento estatístico. É bom lembrar que o livro é um entre vários estudos do Piketty, que faz parte de um grupo de economistas que realizam importantes trabalhos. É muito pouco provável que os resultados obtidos por Piketty venham a ser revertidos por novas estatísticas", defende.

Os dados sobre a riqueza dos magnatas não estão disponíveis porque, no Brasil, por exemplo, a Lavagem de Dinheiro era livre até o final do século XX, conforme foi estabelecido pelos dirigentes do Banco Central indiciados pela CPI do Banestado.

Assim, os nossos magnatas promoviam a Blindagem Fiscal e Patrimonial mediante a ocultação de seus bens, direitos e valores em paraísos fiscais, razão pela qual quase todos o investimentos feitos no Brasil são de "estrangeiros" escondidos nas chamadas de ilhas do inconfessável.

PRECISAMOS ACABAR COM OS PARAÍSOS FISCAIS

Por tal motivo, têm-se destacado em vários textos deste COSIFE que a solução para o problema da internacionalização do capital seria o confisco de todos os investimentos vindos de paraísos fiscais.

Mas, como os governantes e políticos em todo o mundo estão sendo subornados por esses magnatas, nenhum desses falsos representantes do Povo será capaz de efetuar ou de pelo menos convocar internacionalmente para que haja esse confisco, como teve coragem de fazer o nosso ex-presidente (o torneiro mecânico sindicalista).

TODO O AQUI DESCRITO ESTÁ NAS PÁGINAS DO COSIFE DESDE 2001

Claudio Dedecca, economista da Unicamp, assegura que é um exagero dizer que a obra traz novidades, mas reconhece a importância da mesma.

"O tema da desigualdade já foi explorado, há uma literatura ampla sobre essa tendência, então é um certo exagero dizer que a obra traz conclusões inéditas. As conclusões de Piketty são amplamente amparadas, já exploradas na literatura internacional e brasileira", aponta.

"Por outro lado, o livro tem o mérito de constituir um fórum público importante e amplo em torno do tema. O autor fez um trabalho muito esforçado e meritório, dando visibilidade a um problema real da sociedade capitalista", pondera.

"Foi bom para mostrar que o capitalismo não funciona bem como promete, já que agrava as desigualdades. Na primeira metade do século XX, a Inglaterra já havia taxado as heranças para impedir esta tendência, assim como outros países europeus. Depois dos anos 80, houve um enfraquecimento da regulamentação do estado sobre a economia e foram abertas brechas para que houvesse um aumento na desigualdade, para que a taxação sobre as heranças fossem reduzidas. No Brasil há um projeto de lei formulado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, 'dormindo' há décadas no Congresso, que objetiva taxar as heranças para diminuir os efeitos da desigualdade", continua o economista.

Dedecca garante que o problema existe no Brasil, mas que não é restrito ao país.

"No Brasil é um problema, assim como é no mundo inteiro. A tendência de financeirização da riqueza permitiu a transformação do modo como a mesma se organiza. Até a década de 80, boa parte da riqueza era de responsabilidade das famílias. Hoje, muitas vezes, uma pessoa jurídica detém o dinheiro, tornando mais difícil para o estado taxar, já que existe o argumento de que isso poderia coibir investimentos. Não é fácil enfrentar esta questão", finaliza.

2. DEMOCRACIA PRECISA DE CLASSE MÉDIA FORTE

As controversas teses em "O capital no século 21", do economista francês Thomas Piletty, provocaram críticas, mas também elogios entusiásticos.

Christian Pricelius (md) do Deutsche Welle entrevista o economista francês Thomas Piketty. Publicado em 22/10/2014 por Carta Capital

"Os ricos ficarão sempre cada vez mais rapidamente mais ricos, pois dispõem de um estoque de rendimentos de capital que traz significativamente mais rendimentos do que o trabalho".

"Para a maioria da população, em contrapartida, os rendimentos dos salários não são mais suficientes para que criem reservas".

Com tais teses, o francês Thomas Piketty vem gerando furor internacional. Ele é professor de economia da Paris School of Economics e da École des Hautes Études en Science Sociales (EHESS), e vive na capital francesa, com a esposa e três filhas. Tendo lecionado no Massachusetts Institute of Technology (MIT), entre outros, há 20 anos ele se ocupa dos temas renda, capital e justiça social.

Seu best-seller Le capital au 21e siècle (O capital no século 21), publicado em 2013, está sendo lançado este mês na Alemanha.

DW: Seu livro é um sucesso de público. Quantas cópias foram vendidas, até agora?

Thomas Piketty: Em inglês e francês, juntos, 800 mil. Em inglês, foram 600 mil.

DW: O senhor acredita que vai conseguir influenciar algo com seu livro?

TP: Minha intenção era convencer o leitor de que os temas renda e prosperidade são importantes demais para serem simplesmente relegados aos estatísticos e economistas. Meu objetivo foi fornecer fundamentos históricos aos leitores, para que possam fazer seus próprios julgamentos. Porém se trata de ciências sociais, no sentido mais amplo, que não são uma ciência exata. Por isso, também não espero que todos os leitores concordem comigo.

DW: Como o sistema econômico deve ser melhorado, para que os assalariados voltem a ter maiores rendimentos com seu trabalho?

TP: Há diferentes soluções. A longo prazo, investindo na educação. Universidades são um instrumento muito poderoso para reduzir a desigualdade. Um dos principais problemas da Europa é que investimos mais dinheiro na redução das nossas dívidas públicas do que na formação universitária. Isso não é bom presságio para o futuro. Deveríamos investir mais nas universidades.

DW: Que outras soluções existem, para que o valor do trabalho cresça?

TP: A tributação progressiva dos altos salários e rendimentos de capital também é importante. Precisamos, portanto, de um sistema tributário que tribute menos aqueles que só vivem de seus salários e entram na vida sem capital nem prosperidade.

DW: Com isso, chegamos à sua declaração central, de que hoje em dia muitos assalariados só conseguem sobreviver com os seus salários. Por que é assim?

TP: No início da geração dos baby boomers [os nascidos no pós-guerra, entre 1946 e 1968], também era possível reservar poupanças, a partir do salário. Pois, com as altas taxas de crescimento econômico, era possível partir do zero e depois, trabalhando, chegar a uma relativa prosperidade e acumular reservas.

No entanto, para as atuais gerações, se você quiser poupar numa cidade grande, então precisa ter um salário muito bom. No entanto, quando se tem uma taxa de crescimento de apenas 1,5%, isso significa que os rendimentos com capital ainda são de 4% a 5% – ou mais, nos investimentos de risco, cerca de 7%, no caso das ações. Com isso, as desigualdades iniciais são reforçadas.

DW: Com que consequências?

TP: Esse estado de coisas reduz a mobilidade social numa sociedade. E, no entanto, a chance de subir à classe rica é uma boa coisa para a eficiência da economia e para o empreendedorismo. A esse respeito, Warren Buffet disse certa vez: ninguém quer que, dos Jogos Olímpicos de 2030, só participem os filhos das equipes de 2000.

DW: O senhor colheu dados dos principais países industrializados e emergentes. São, em maioria, estatísticas de órgãos fiscais. Mas na Alemanha, a riqueza sequer é registrada nas estatísticas.

TP: Precisamos de mais transparência sobre rendimentos e riqueza. E o resultado de uma tributação progressiva do capital e rendas também seria podermos exigir informações confiáveis sobre os grupos de renda.

DW: O senhor defende que haja impostos internacionais. Mas como isso funcionaria? Afinal, os países da União Europeia competem entre si por investidores e capital, com os menores impostos possíveis.

TP: O senhor está certo com esta suposição. Se cada país mantiver seu próprio sistema fiscal, vai ser muito difícil. O resultado é que, já agora, as multinacionais pagam relativamente menos impostos do que empresas pequenas e médias. A Alemanha, França e Itália competem para atrair investidores. Isso permite que os grandes conglomerados joguem com os diferentes sistemas fiscais, conseguindo, no final, pagar impostos relativamente mais baixos. Isso não é ruim somente para o tratamento igualitário, mas também para o crescimento e a eficiência da economia.

DW: Então, o que sugere?

TP: A solução é muito simples: precisamos de uma política fiscal comunitária. Não é possível, com uma moeda única, como o euro, que mantenhamos simultaneamente 18 sistemas fiscais diferentes, que competem uns com os outros, com 18 diferentes dívidas públicas e 18 diferentes taxas de juros dos títulos estatais. Precisamos, portanto, uma união fiscal e política muito mais coesa na Europa, começando com um pequeno grupo de países e depois, com vários.

DW: De onde o senhor tira o otimismo de que isso venha a funcionar?

TP: Durante a coleta de informações sobre depósitos de capital dos bancos, conseguimos obter essas informações, mas isso leva tempo e exige uma disposição para se implementar sanções. Não podemos pedir educadamente que os paraísos fiscais deixem, finalmente, de ser paraísos fiscais. Na Europa, fomos extremamente ingênuos em nossa abordagem. A Suíça agora fornece automaticamente informações bancárias sobre seus clientes. E isso apenas porque os Estados Unidos impuseram sanções contra os bancos suíços.

DW: Quais são as consequências para a classe média do acúmulo de capital nas mãos dos mais ricos?

TP: Precisamos de uma classe média forte, para o crescimento e para o funcionamento da democracia. Europa ainda é estruturada de forma mais igualitária do que um século atrás, e mais igualitária ainda do que os Estados Unidos. Mas nos EUA, a concentração de renda e riqueza é tão forte que muitos acreditam que isso poderia comprometer a democracia. Grupos individuais poderiam dominar a política. Nos EUA, há dinheiro privado ilimitado na política. Esse é um problema real. [corrupção, suborno, empobrecimento dos trabalhadores]

DW: Como o senhor avalia a situação econômica na Europa e nos EUA?

TP: Em Paris e na zona do euro, a economia está estagnada, as taxas de crescimento tendem a zero, assim como a inflação. O desemprego está aumentando. O que acho particularmente triste é que nossa dívida pública inicial não era mais dramática do que nos EUA, no Reino Unido ou no Japão. Mas aqui permitimos que a grande crise da dívida desembocasse numa crise de confiança, esse é o nosso principal problema.

DW: Como esses problemas se manifestam para as pessoas na rua?

TP: Em alguns países europeus, um quarto da geração jovem está desempregado. E mesmo quando as pessoas têm uma renda, é extremamente difícil formar capital. O grande perigo na Europa é que cada vez mais gente tem a impressão de que a globalização não está funcionando para elas ou de que os ganhos dos donos do capital são desproporcionalmente grandes. Acho isso perigoso, pois favorece aos movimentos extremistas.

DW: Os adeptos de uma ordem econômica liberal dizem que no momento dinheiro suficiente está sendo impresso e distribuído de forma justa, e que os altos lucros do capital não são simplesmente tomados dos trabalhadores.

TP: Mas a questão é: será que é bom para a eficiência do sistema econômico os executivos ganharem 10 milhões de dólares? Eu estudei os dados cuidadosamente e não encontrei nenhuma prova de que isso faça sentido. Afinal de contas, são os custos que o resto da economia arca, e que incidem sobre os salários baixos e médios.

3. EUROPA ESTÁ À BEIRA DE UMA GRAVE CRISE POLÍTICA, ECONÔMICA E FINANCEIRA

Para Thomas Piketty, autor de 'O Capital no Século XXI' a Europa está à beira do abismo de uma grave crise política, econômica e financeira.

Por Daniel Fuentes Castro, EL DIARIO - Espanha - Tradução: Daniella Cambaúva - Publicado por Carta Maior em 21/11/2014

O economista autor do influente livro "O capital no século XXI" reflete sobre o auge da extrema direita em seu país.

"França e Alemanha demonstraram ser egoisticamente míopes em relação à Espanha e à Itália ao renunciar a compartilhar seus tipos de interesse".

"É preciso se acostumar a viver com um crescimento fraco".

"A ideia segundo a qual é preciso insistir em secar os orçamentos com base em mais austeridade para curar o doente me parece completamente insensata".

Thomas Piketty (Clichy, França, 1971), economista da Paris School of Economics, é especialista no estudo das desigualdades econômicas por uma perspectiva comparada. É autor de "O capital no século XXI", obra que vendeu mais de um milhão de exemplares em todo o mundo e que ao ter sido recentemente editado para espanhol e catalão lhe transformou em um dos economistas mais influentes da atualidade.

A Paris School of Economics, de criação recente, tem sua sede nos locais da École Normal Supérieure (13 prêmios Nobel e 10 medalhas Fields nas costas), no bulevar Jourdan. Não é um dos colossais edifícios do século XIX, de pedra talhada, onde outras instituições como a Sorbonne ou a faculdade de Direito de Panthéon-Assas ainda conservam suas sedes históricas. Trata-se de um conjunto de edifícios relativamente moderno, mas avelhentado. O vinílico desgastado do solo e a cor amarelada de algumas paredes revelam que, se falamos em capital, não é físico, mas sim humano.

Três percevejos da porta do escritório de Piketty seguram uma folha de papel com seu nome. Do quarto só restou a agulha. Seu escritório mede cerca de 15 metros quadrados, 20, se muito, e está cheio de estantes repletas de livros. Não tem assistente pessoal. Não veste terno, nem gravata. Desde o primeiro momento, mostra-se amável, sorridente e natural. Um pouco tímido. Ainda que dê a sensação de não nunca ter quebrado um prato na vida, se expressa sem titubear e com veemência em alguns momentos.

Há quem veja no título “O capital no século XXI” pisca para a obra de Karl Marx “O capital”. Você considera que a confrontação ideológica entre capitalismo e marxismo continua vigente?

A disjuntiva não é capitalismo ou marxismo. Há diferentes maneiras de organizar o capitalismo e há diferentes maneiras de superá-lo. O que meu livro tenta é contribuir com este debate. Quanto ao marxismo, faço parte da primeira geração posterior à Guerra Fria, a primeira geração pós-marxismo. Completei 18 anos com a queda do Muro de Berlim (no dia da entrevista fazia exatamente 25 anos). Li Marx e há ideias interessantes nele, contribuições notórias, mas O CAPITAL foi escrito em 1867 e estamos em 2014. O que eu tento é introduzir no século XXI a questão do capital, de seu estudo, isto é, para mim, o que o título do meu livro significa.

Não se pode esquecer que este trabalho teria sido impossível sem as tecnologias da informação, que permitem reunir e tratar dados históricos em uma escala impossível para Marx e até mesmo Kuznets. É fácil criticar os economistas do passado, mas eles trabalhavam na mão. Não contavam com as ferramentas que nós temos e, sobretudo, não tinham a perspectiva histórica que hoje temos e que nos permite contar a história do capital e das desigualdades. Isto é o que meu livro tenta fazer. Não pretende anunciar uma revolução, tenta apenas colocar à disposição dos leitores as pesquisas históricas que pudemos reunir sobre mais de vinte países e que englobam três séculos. O livro é, antes de qualquer coisa, uma história do capital.

Seu livro estuda de maneira empírica, entre outras coisas, a relação entre distribuição de renda do crescimento. Pode-se falar de causalidade direta no sentido de que uma melhor distribuição da renda produzindo uma taxa de crescimento maior como efeito?

A correlação e a causalidade são ambas muito complexas e não vão em um sentido apenas. A desigualdade pode ajudar o crescimento até certo ponto, mas para além de um determinado nível de desigualdade, obtém-se principalmente um efeito negativo que reduz a mobilidade na sociedade e conduz à perpetuação da estratificação social no tempo. Isto tem um impacto negativo sobre o crescimento.

O outro efeito negativo se produz através das instituições políticas: uma desigualdade muito forte pode levar ao sequestro das instituições democráticas por parte de uma pequena elite que não vai necessariamente investir na sociedade pensando no conjunto da população. Por isso, o crescimento no século XXI vai depender em grande medida do investimento em educação e formação, e não unicamente para uma pequena elite, mas para uma imensa maioria da população.

Para além das previsões de conjuntura econômica, o que se pode esperar do crescimento nos próximos anos? O que as expressões desenvolvimento sustentável e decrescimento lhe sugerem?

Acredito que tenhamos que nos acostumar a viver de maneira sustentável com um crescimento fraco. O problema é que tanto na França como em outros países europeus continuamos tendo em mente essa espécie de fantasia dos "trinta gloriosos" (expressão que faz referência às três décadas transcorridas entre a Segunda Guerra Mundial e a crise do petróleo em 1973), segundo a qual precisamos de pelo menos três, quatro ou cinco porcento de crescimento para sermos felizes. Isto não tem sentido. Somente nas fases corretivas em que alguns países recuperam os atrasos em relação a outros, ou em fases de reconstrução, acontecem taxas de crescimento tão elevadas.

É preciso colocar na cabeça que uma taxa de crescimento de 1% ou 1,5% ao ano é um crescimento muito rápido, se prolongado no tempo. Com taxas de crescimento assim durante um período de trinta anos, que é o equivalente a uma geração, acontecerá um crescimento da renda que equivale a um terço ou até mesmo à metade do PIB.

Por outro lado, ter que viver de maneira sustentável não é argumento para defender crescimento nulo. Uma taxa de crescimento entre 1% e 1,5% ao ano no longo prazo é fonte de progresso e não é um objetivo impossível. Agora, para alcançar um ritmo de crescimento assim, é preciso abandonar a atual política de austeridade. Isso em primeiro lugar. E sobretudo é preciso investir em ensino superior, em inovação e meio ambiente... Falo de investir em meio ambiente porque é evidente que terá que encontrar novas fontes de energia renováveis, visto que com as fontes atuais não poderemos manter uma taxa de crescimento de 1% ou 1,5% ao ano indefinidamente.

Considerando as últimas previsões da Comissão Europeia, não parece que estejamos perto de alcançar essa velocidade de cruzada. Você acredita que a austeridade seja um mal necessário para retomar o ritmo de crescimento?

A realidade é que caminhamos rumo a uma década imersos em um clima de recessão e de austeridade. Digo isto porque o PIB por habitante estimado para a França em 2014 ou 2015 é inferior ao de 2006 ou 2007. Esta é a situação. Estamos há quase dez anos em estancamento da renda per capita, da riqueza do país, do poder aquisitivo... A partir daqui podemos discutir tudo o que quisermos sobre qual precisa ser a arrecadação do Estado, quanto deve ser o gasto público ou qual deve ser o peso do setor privado na economia, mas o fato é que a riqueza total disponível é inferior à de 2007. Não recuperamos o nível anterior à crise. É normal que, em uma situação como esta, o ambiente seja depressivo.

A ideia segundo a qual é preciso enxugar os orçamentos com base em mais austeridade para curar o paciente me parece completamente insensata. Digo isto pensando na França, mas o mesmo vale para a Itália, com taxas de crescimento negativas em 2013 e em 2014. É verdade que o crescimento na Espanha está um pouco melhor agora, mas não nos esqueçamos que ela ainda sofre um atraso considerável em termos de renda per capita em comparação a outras grandes economias da Europa.

O resultado global das políticas de austeridade nos últimos quatro ou cinco anos é, de maneira objetiva, muito ruim. Os Estados Unidos tinham uma taxa de desemprego muito similar à da zona do euro de alguns anos atrás e atualmente a diferença é enorme. O desemprego diminuiu ali, apesar de o nível da dívida de ambas economias ser muito semelhante na situação de partida. Não há dúvidas sobre quem escolheu a estratégia adequada.

Que outra estratégia a zona do euro deveria ter seguido para sair da crise?

Acredito que seja necessário tornar comum as dívidas públicas e os juros da dívida pública. França e Alemanha forma extremamente egoístas. Demonstraram ser egoisticamente míopes em relação à Espanha e Itália ao renunciar e compartilhar seus juros. Uma moeda única com 18 dívidas públicas e 18 tipos de juros associados a essa dívida não funciona. Os atores financeiros não têm confiança neste sistema. Poderemos sair desta crise somente se criarmos um fundo comum de dívida pública com apenas um tipo de juro. O Banco Central Europeu poderá, então, estabilizar esse tipo de juros com menor dificuldade do que atualmente com 18 diferentes.

Agora, se quisermos gerir a dívida de maneira comum, precisamos também de um Parlamento da zona do euro que tome decisões a este respeito, entre outras coisas, sobre o nível de déficit comum. Isto é o que faltou até agora nas proposições de reorientação da construção europeia que Hollande esboçou na França, e do que também se falou na Espanha e na Itália. Finalmente, isso não se traduziu em uma proposta concreta de união política e, ao mesmo tempo, orçamentária. Ambas são coisas necessárias.

Você fala em reformar o desenho institucional da zona do euro. Que diferenças haveria entre o atual Parlamento Europeu e esse Parlamento orçamentário a que você se refere na última parte de seu livro?

Atualmente, temos um Parlamento Europeu em que estão representados 28 países e, por outro lado, o Conselho Europeu de Chefes de Estado ou de Governo e o Conselho de Assuntos Econômicos e Financeiros (integrados pelos ministros de Economia e Finanças). São vários os problemas desta arquitetura democrática. O primeiro é que nem todos os 28 países representados no Parlamento Europeu querem avançar rumo a uma maior integração política, fiscal e orçamentária. O segundo, que o Parlamento Europeu não representa absolutamente as instituições dos Estado-nação e, concretamente, os parlamentos nacionais.

Por isso, acredito que faz falta, paralelamente ao atual Parlamento Europeu, uma câmara parlamentar da zona do euro ou, em todo caso, uma câmara formada pelos países da zona do euro que queiram avançar em direção a uma união política, orçamentária e fiscal, e que teria que se construir a partir dos diferentes parlamentos nacionais. Cada país estaria representado proporcionalmente à sua população, nem mais, nem menos. O mesmo para Alemanha e França e os demais. A atribuição desta nova Câmara consistiria em votar questões como um imposto comum sobre sociedade ou o nível de déficit comunitário.

Não são poucos os que pensam que, em vez de mais integração, o razoável seria retomar as moedas nacionais.

Não, para mim não é a boa solução. Agora, sem propostas alternativas rápidas, acredito que o retorno às moedas nacionais será um cenário cada vez mais difícil de descartar. Concretamente, a única resposta dada na França aos que querem sair do euro consiste em dizer que é impossível, que está proibido, que agora que entramos não se pode retroceder... Esta resposta é extraordinariamente fraca e não vai durar muito tempo mais.

A saída da crise está em avançar na união dos países da zona do euro. De certa forma, a pior das situações é a atual, porque perdemos a possibilidade de desvalorizar a moeda, perdemos a soberania monetária nacional, em troca teríamos que ganhar novas formas de soberania fiscal e orçamentária, maior capacidade para arrecadar imposta de maneira mais justa, mais capacidade de resistência para proteger frente ao risco de especulação sobre os tipos de juros da dívida pública. Até agora, França e Alemanha ganharam neste jogo, mas a única alternativa para a saída do euro é uma união da dívida, uma união fiscal. Se não nos apressarmos, acredito que as forças políticas a favor da saída do euro vão ganhar a partida.

O que se pode esperar da França na construção desta nova arquitetura institucional Europeia, exatamente agora em que a extrema direita lidera as pesquisas? A Europa deve se preocupar?

É preciso se preocupar, absolutamente. Não acredito que a Frente Nacional chegará ao poder no Eliseu ou à presidência da República, mas pode conseguir a presidência de várias regiões. No próximo ano, há eleições regionais, e dado o modo de distribuição das cadeiras, é perfeitamente possível que duas ou três regionais, ou até mais, caiam do lado da Frente Nacional.

Em um sistema eleitoral como o das eleições presidenciais, estamos acostumados que a Frente Nacional perca, inclusive se for o partido mais votado do primeiro turno. Entretanto, nas regionais, o partido mais votado obtém uma parte equivalente a um quarto das cadeiras (o resto se divide de maneira proporcional). Se a Frente Nacional conseguir 30% ou 35% dos votos em uma região, a direita 25% e a esquerda 20%, por exemplo, a parte do partido mais votado faz com que a Frente Nacional aspire ter maioria absoluta nessa região.

Será um choque enorme na Europa. Até agora, a Frente Nacional ganhou somente em algumas cidades pequenas, mas se regiões inteiras passarem a ser governadas pela extrema direita, a história será outra. Não vai ser uma piada. Vão criar tensões em algumas regiões do país e o resultado pode ser extremamente violento.

Até esse ponto?

Estamos de fato à beira do abismo de uma crise política, econômica e financeira. A crise é responsabilidade de todos os países, mas não entendo como a Alemanha continua pensando que tem interesse em manter esta visão tão rígida da austeridade... Afinal de contas, nem sequer lá o crescimento é elevado. Que consta que a responsabilidade também é da França, por não fazermos verdadeiras propostas progressivas e de refundação democrática da Europa. E continuamos esperando propostas da Espanha e da Itália. Em todo caso, acredito que a situação seja grave e que as eleições regionais na França no próximo ano serão um choque.

Muitos eleitores se incomodam porque interpretam seu livro como a evidência de um futuro com menor crescimento e pior distribuição da riqueza. Há argumentos para o otimismo?

Claro que sim. Essa é minha maneira de ser. Sinto muito se alguns chegam a conclusões pessimistas após a leitura do livro! Eu acredito no progresso social, econômico e democrático e no crescimento. Mas é preciso se acostumar a viver com crescimento menor. Insisto em que um crescimento mais fraco, se mantido no tempo, é compatível com o progresso. Há trinta anos, não dispúnhamos das atuais tecnologias da informação, por exemplo. Se nos organizarmos bem, nos dotarmos das instituições adequadas para que todo mundo possa se beneficiar, essas tecnologias serão uma enorme fonte de riquezas.

Acredito no progresso técnico e na mundialização, e o livro não é pessimista em relação ao futuro. Simplesmente, para que estas coisas beneficiem a todos, fazem falta instituições democráticas, sociais, educativas, fiscais e financeiras que funcionam corretamente. O problema é que, depois da queda do Muro de Berlim, nós imaginamos, por um momento, que era suficiente se basear nas forças naturais do mercado para que o processo de globalização e de competitividade beneficiasse a todos. Acredito que o erro esteja aí. É preciso repensar os limites do mercado, do capitalismo, e repensar também as instituições democráticas.







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