Ano XXV - 19 de abril de 2024

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PAUL KRUGMAN: O BRASIL NÃO ESTÁ VULNERÁVEL


PAUL KRUGMAN: O BRASIL NÃO ESTÁ VULNERÁVEL

PREMIADO COM O NOBEL DE ECONOMIA EM 2008 DISCORDA DO BANCO CENTRAL DOS EUA

São Paulo, 19/03/2014 (Revisado em 18-03-2024)

Marcha da Família com Deus pela Liberdade, Ditadura, Golpe de Estado, Neocolonialismo, A Saída para a Crise Econômica e Financeira dos Países Hegemônicos = Países Desenvolvidos.

Por Eduardo Graça - publicado 18/03/2014 por Carta Capital - Economia. Com edição do texto original e com anotações e comentários em azul por Américo G Parada Fº - Contador - Coordenador do COSIFE.

"O Brasil de hoje não é um caso típico de país vulnerável a ataques especulativos". Quem afirma é Paul Krugman, Prêmio Nobel de 2008, colunista de Carta Capital e um dos mais brilhantes economistas em atividade.

Na terça-feira [18/03/2014], Krugman fez a abertura, em São Paulo, do Fórum Brasil, evento organizado pela Revista CARTA CAPITAL com o objetivo de discutir temas cruciais sobre o futuro do Brasil, da Justiça à infraestrutura. Depois do evento realizado na capital paulista, o professor de Princeton seguiu por um tour pela América do Sul.

Além de refutar o relatório do FED, o banco central norte-americano, que incluiu o Brasil entre as economias mais frágeis entre os emergentes, Krugman elogia a reforma do sistema de saúde promovido pelo governo Barack Obama e enxerga um cenário “menos catastrófico” na Europa, à exceção de Portugal, a que se refere com a frase: "Quando olho para Lisboa, vejo as marcas de um longo processo de ruína fiscal", tal como a norte-americana em que várias cidades solicitaram falência, especialmente a de Detroit, que era o ponto central da quase totalmente desativada indústria automobilística norte-americana.

Torna-se importante ressaltar que o mencionado Relatório do FED fede.

É com tremenda cara-de-pau que os dirigentes do banco central norte-americano ousam criticar a economia de outros países, não somente a do Brasil.

Pelo mundo afora todos sabem que eles (e os demais dirigentes dos USA = EUA), há décadas, não conseguem cuidar de sua própria economia, artificialmente inflada pela constante emissão de dólares sem lastro, que vem ocorrendo desde a década de 1970, quando foi extinto o padrão-ouro.

Tais problemas econômico-financeiros foram agravados pela falência de grandes empresas naquele país no início do Século XXI, provocadas pela megalomaníaca irresponsabilidade da especulação financeira e imobiliária incentivada pelos profissionais dos mercados financeiro e de capitais escondidos em suntuosos escritórios em Wall Street (Centro Financeiro de Nova Iorque).

Os problemas do Povo ianque também foram agravados pela recessão causadora do alto índice de desemprego que se verifica desde 2008, porque as maiores indústrias daquele País, as que não faliram, fugiram para paraísos fiscais cartoriais e industriais, deixando os governantes estadunidenses sem arrecadação tributária significativa (déficit interno = Orçamento Nacional) e sem exportações que pudessem suplantar as importações necessárias à manutenção do muito elevado IDH - Índice de Desenvolvimento Humano de seu Povo (déficit externo = Balanço de Pagamentos).

Desse desastre econômico e financeiro provocado principalmente pelos neoliberais economistas do FED, a moeda norte-americana agora depende da sustentação de seu valor liberatório, que é feita pelos seus credores, principalmente os BRICS, entre eles o Brasil, para que o dólar não "vire pó" (totalmente desvalorizado).

Carta Capital: O anunciado estouro da bolha dos países emergentes, Brasil incluído, faz sentido?

Paul Krugman: O caso do Brasil é particularíssimo.

O país da era Lula emergiu muito mais forte do que se poderia imaginar. Mas o fluxo de dinheiro desde então foi intenso demais, o real passou por um processo de supervalorização [que automaticamente reduziu as exportações, provocando déficits em conta corrente = importações maiores que as exportações] e agora temos uma onda, não exatamente de fuga de capitais, mas de diminuição significativa da entrada de recursos.

Como o chamado de capital estrangeiro geralmente é especulativo, essa diminuição da entrada de reservas monetárias aconteceu em razão da redução da taxa de juros ocorrida durante o Governo Lula, que perdurou até o início de 2013.

Mas esta [entrada de dinheiro especulativo] é, em geral, a natureza do investimento maciço em mercados emergentes: busca-se um retorno rápido do investimento, até ocorrer uma queda de confiança, pelas mais variadas e subjetivas razões. Mas esta não é uma crise como aquelas que assolaram os mercados emergentes nas últimas décadas, anteriores à posse de LULA como Presidente da República.

Carta Capital: Não se corre o risco de uma repetição de 1998 ou mesmo 2002 no Brasil?

Paul Krugman: Não, de forma alguma. Não vejo o Brasil de 2014 em meio a um cenário desastroso.

No fim dos anos 1990 [durante o Governo FHC], vivemos o que acreditávamos ser uma crise financeira global. O que, convenhamos, depois de atravessarmos 2008, parece café-pequeno.

Mas é importante lembrar que, mesmo quando o Brasil se tornou o próximo alvo da crise e viveu a inevitável desvalorização do real [em 1999 e em 2002], muitos colegas meus tinham certeza absoluta de que estavam diante de mais uma catástrofe econômica, que não aconteceu.

O Brasil passou por um momento difícil, mas a partir de 2003 provou não ser vulnerável como se imaginava.

O Brasil não é tão vulnerável como os países desenvolvidos porque tem grandes reservas mineráveis e grandes áreas para a prática da agropecuária com alta produtividade por hectare. O custo de produção do gado brasileiro é o mais baixo do mundo e o mesmo acontece com as aves produzidas em larga escala.

E, uma década e meia depois [durante os governos Lula e Dilma], o País é ainda menos vulnerável.

Não há um déficit gigantesco em moeda estrangeira, [como aquele que existia antes de 2003, quando o FMI vivia fiscalizando a atuação do governo brasileiro]. [Agora] a situação fiscal é aceitável e a inflação não é significativamente alta. Durante os primeiros anos do Real a inflação era maior do que a de agora.

O Brasil de hoje não é, definitivamente, um caso típico de país vulnerável a ataques especulativos.

Carta Capital: Turquia, Indonésia, Índia, África do Sul e Brasil seriam, segundo o FED, os países emergentes mais vulneráveis à retirada dos estímulos à economia americana. É um equívoco?

Paul Krugman: Insisto que não há, neste momento, assim como nos anos 1990, altos níveis de endividamento do Brasil em moeda estrangeira. Também não há endividamento significativo do setor privado.

O Brasil, que mostrou solidez mesmo durante a fuga de capitais de 1999, não deveria ser, neste momento, de forma alguma, classificado como uma economia vulnerável.

A fuga de capitais, na verdade Lavagem de Dinheiro obtido na ilegalidade, aconteceu porque os economistas de plantão na era FHC insistiam em manter a paridade do Real ao Dólar porque acreditavam que a desvalorização da nossa moeda incentivaria o retorno dos altos índices de inflação.

Essa desastrosa política monetária resultou num incentivo à internacionalização do capital nacional (remessa de dólares para o exterior), num incentivo à importação de supérfluos pelos endinheirados e também num desestímulo às exportações, razão pela qual muitas empresas fecharam suas portas, causando alto índice de desemprego que chegou a 20%. Situação idêntica a da Espanha e da Grécia a partir de 2011.

Dessa expressão algébrica desfavorável para o Brasil na era FHC resultou a necessidade de obtenção de empréstimos internacionais, especialmente do FMI - Fundo Monetário Internacional, para suprir os crônicos déficits em nosso Balanço de Pagamentos e também no Orçamento Nacional visto que a desaceleração da economia diminuiu significativamente a arrecadação de tributos.

Então, para impedir a continuação desse mencionado colapso econômico e monetário, tal como o vivido a partir de 2008 pelos países desenvolvidos, só restou aos economistas de plantão a maxidesvalorização do Real em 100% em 1999, depois da reeleição de FHC.

Assim, quase todos aqueles Reais transformados em dólares e remitidos para exterior voltaram para o Brasil. Ou seja, para cada Real remetido ao exterior, o governo brasileiro passou a pagar R$ 2,00. Isto duplicou a quantidade de dinheiro em circulação.

Para enxugar o meio circulante abarrotado de Reais especulativos, o Governo FHC emitiu títulos públicos. Para que os especuladores os comprassem, foram oferecidas altas taxas de juros que chegaram a 46% ao ano mais correção cambial.

Desses mencionados atos, inclusive de governos anteriores a FHC, resultou a elevada dívida externa que vem sendo quitada a partir de 2003.

Por sua vez, a dívida interna existe apenas para enxugamento do meio circulante que ficou abarrotado de dólares oriundos do grande aumento das nossas exportações a partir de 2003, porque em 2002 o Real foi novamente desvalorizado, chegando o dólar ser cotado a R$ 3,80.

Para evitar a entrada desses dólares das exportações, durante o Governo Lula foi permitido que os exportadores mantivessem seus dólares depositados no exterior. Assim, o Brasil passou a ser o 5º país maior detentor de Reservas Monetárias. Antes de 2003 o nosso país sempre foi devedor.

É preciso levar em conta, obviamente, o fato de o País ter tido a maior valorização de moeda durante o período da crise financeira global, iniciada em 2008 por causa da bancarrota norte-americana.

Mas isso é apenas uma prova de que a economia brasileira tem capacidade de navegar nos altos e baixos das flutuações monetárias, com eventuais solavancos. Simplesmente, não consigo concordar com a análise do FED.

Talvez a Turquia seja, dessa lista, a mais próxima do cenário daquela época [1999], mas não há grau de comparação com o Brasil.

Carta Capital: O senhor já afirmou que considera uma bobagem o termo BRIC, sigla que denomina o bloco composto por Brasil, China, Rússia e Índia.

Paul Krugman: BRIC é, para mim, a pior sigla de todo o alfabeto financeiro.

Pergunto: O que há em comum entre uma democracia estável como a do Brasil (exportadora de matéria-prima, e, de forma menos global, de produtos manufaturados, como os alimentos), e um estado corrupto como a Rússia (baseado na exportação de energia = petróleo e gás natural), e dois universos singulares, únicos, China e Índia?

O que há de comum é apenas o fato de serem países continentais.

É absolutamente insano do ponto de vista intelectual acreditar que eles podem ser incluídos em um mesmo escaninho.

O Brasil sofre duplamente por conta deste tipo de pensamento reducionista, [alimentado pelos brasileiros preconceituosos e discriminadores, que sempre são oposicionistas aos governos populares]. Há uma ideia, errônea, de que o Brasil é apenas mais uma [republiqueta na] economia latino-americana.

Esse é o secular completo de vira-latas alimentado pela elite financeira e intelectual brasileira.

Carta Capital: Seus colegas Dani Rodrick e Arvind Subramanian escreveram artigo sobre a “narrativa de vitimização” de governos de mercados emergentes, incluído o Brasil, apressados em culpar a política monetária dos Estados Unidos como principal responsável pelas dificuldades enfrentadas. O senhor concorda?

Paul Krugman: Foram os senhores mesmos, brasileiros, que criaram este termo “guerra cambial”. E, francamente, isso é uma bobagem.

Não foi a injeção de estímulo na economia que originou o fluxo de capitais para o Brasil, e sim a depressão econômica nas grandes economias do Norte.

Mesmo se o FED acreditasse que a estabilização de economias emergentes era uma de suas tarefas, a mera sugestão de que ele fosse apertar os cintos, naquele momento, vá lá, para prevenir uma exuberância momentânea no Brasil, é, no mínimo, algo muito distante do razoável.

Com o aumento progressivo de postos de trabalho e uma diminuição do índice de desemprego, o sentido das injeções do FED se desfaz no ar. Há um consenso quanto a isso. É algo absolutamente previsível, não há qualquer surpresa.

O que acontece é que os juros estupidamente baixos nos EUA só fazem sentido se você acreditar na necessidade de uma estagnação perpétua, ou em uma depressão longuíssima.

Carta Capital: Como o senhor avalia a condução da economia brasileira durante o governo Dilma?

Paul Krugman: Eu me preocupo mais com o que Brasília não deveria fazer neste momento. Por exemplo, não deveria reagir com mão muito pesada à desvalorização do real.

A desvalorização do REAL obviamente aumentará as exportações e automaticamente inibirá as importações de supérfluos não somente pela classe social superior quanto pela classe média.

Quando se pensa em termos monetários, há dois tipos de países.

Um deles é a Grã-Bretanha de 1992. Se a moeda se desvaloriza, há aumento imediato de competição e expansão econômica.

Outro é a Argentina de 2001, que, muito por conta do tamanho da dívida em moeda estrangeira, vê a desvalorização afetar de forma intensa o setor privado e a economia se contrai.

O Brasil de hoje é mais próximo da Grã-Bretanha de 1992. O Governo Federal em Brasília deve se preocupar um pouco com a possibilidade de crescimento da inflação, mas o maior perigo é o Banco Central apertar demais os cintos em um esforço para proteger o real. Isto reduzirá as exportações e prolongará os déficits em conta corrente recentemente ocorridos.

No mais, a verdade é que os investidores não têm mais o mesmo entusiasmo de antes em relação ao Brasil, porque as baixas taxas de juros pagas pelo governo aos grandes capitalistas desestimularam a especulação financeira (antes do REAL, chamada de "ciranda financeira"). Assim são as marés do mercado meramente especulativo.

Carta Capital: A diminuição do ritmo de crescimento chinês acende o sinal amarelo para a economia brasileira?

Paul Krugman: Sim.

Neste ano de 2013 o Brasil sofreu com uma safra de café muito aquém do esperado, apenas parcialmente compensada pelo aumento do preço do produto.

Não foi sem motivo que o entrevistador passou a provocar os comentários de Paul Krugman sobre os países desenvolvidos (agora falidos), visto que todos eles sempre tiveram grande participação nas exportações brasileiras e também eram o principais fornecedores das nossas importações. Porém, como as grandes empresas desses países faliram e/ou fugiram para paraísos fiscais cartoriais e industriais, o destino de nossas exportações e a origem de nossas importações, e de outros países fornecedores de matérias-primas, foram profundamente modificada.

Mas, ao responder a esta questão, Paul Krugman Pisou na Bola.

O montante das exportações de Café do Brasil são inferiores a 5% do total atualmente exportado pelo nosso País, com tendência de diminuição nos próximos anos, não em razão da diminuição da produção cafeeira, que se tornou tecnologicamente mais avançada, porque os cafeicultores estão se dedicando à produção de cafés especiais, agregando mais qualidade ao produto final.

Na verdade, a pequena participação do café no total das exportações acontece porque outros segmentos operacionais da agroindústria estão aumentando significativamente suas respectivas participações durante o passar dos anos.

Haverá um inevitável choque de comércio com a desaceleração da China e a diminuição do valor das matérias-primas. Como a demanda será menor, a tendência é a dos preços caírem.

Até pouco tempo atrás a onda de comércio era favorável ao Brasil [e ais demais países fornecedores de matérias-primas], e nos próximos anos muito provavelmente não o será [porque os países desenvolvidos estão literalmente falidos].

O detalhe é que os países desenvolvidos precisam trazer de volta para seus respectivos territórios as indústrias evadidas especialmente para a Ásia.

Se esse retorno das indústrias não for perseguido e realizado, os governantes dos países hegemônicos estarão causando uma prolongada crise interna com o intuito aumentar o índice de desemprego para que os trabalhadores aceitem empregos com menores salários.

Para compensar o pagamento dos altos salários que proporcionam o muito elevado IDH - Índice de Desenvolvimento Humano, torna-se necessário obter matérias-primas por preços menores.

Então, só restará como alternativa, aos governantes desses países falidos, provocar o renascimento do neocolonialismo (econômico), fazendo com que os países emergentes (principais os produtores de matérias-primas e os detetores de mão de obra barata) fiquem novamente submissos aos interesses econômicos daqueles países hegemônicos.

Para isso, seria novamente necessária a implantação de ditaduras, subordinadas aos neocolonialistas, em todos aqueles países subdesenvolvidos, agora chamados de emergentes.

Aliás, diante dessa necessidade da reintrodução do neocolonialismo, torna-se importante salientar que, para o dia 22/03/2014, estava programada uma nova MARCHA DA FAMÍLIA COM DEUS PELA LIBERDADE, semelhante àquela que resultou no Golpe Militar de 1964. Mas, os opositores aos militares no governo fizeram movimento inverso, o que implodiu as pretensões de nossa elite financeira e intelectual, sempre opositora aos governantes populares.

Carta Capital: Qual a sua opinião sobre a ênfase dada por Brasília ao comércio Sul-Sul e no Mercosul e à decisão de não seguir adiante com a Área de Livre Comércio das Américas?

Paul Krugman: As duas maiores economias da América Latina partiram para caminhos bem diversos, com o México no Nafta e o Brasil no comando do Mercosul.

Há uma questão geográfica, tão óbvia quanto determinante, que diminui o real poder de decisão política.

O México transformou-se intensamente, não é mais um mero exportador de petróleo, integrou-se de forma decisiva ao sistema de produção americano. Mas o Nafta é apenas uma peça de um quebra-cabeça que inclui uma fronteira extensa e milhares de trabalhadores mexicanos nos Estados Unidos.

O Brasil jamais será mais integrado ao sistema americano do que ao da comunidade europeia, por exemplo. Não havia uma oportunidade real para o Brasil neste caso.

E a utopia da ALCA - Área de Livre Comércio das Américas, considerada pelos seus opositores como "a aliança da sardinha com o tubarão", se alcançada, jamais se traduziria em um Nafta expandido. O Nafta é mais do que uma iniciativa de comércio sem taxações específicas, é um investimento geopolítico de interdependência entre países fronteiriços.

Como mencionou Paulo Henrique Amorim, em seu blog Democracia Política no mês de setembro de 2011, "o México abdicou de uma política econômica autônoma" e por isso desde 2008 permanece afundado na crise econômica norte-americana, assim como, também podemos dizer, está o Canadá.

Desse modo podemos acrescentar que a Ucrânia também mergulharia na crise econômica europeia se seu povo aceitasse participar daquele conglomerado de países falidos. Por isso o povo ucraniano elegeu um socialista no lugar dos capitalistas que criaram a crise econômica ucraniana.

Logo, a melhor opção para o Povo ucraniano seria a aliança com a Rússia, como imediatamente fez, mediante plebiscito, a população da Crimeia.

Desse ato, os Estados Unidos logo perceberam que estava a caminho uma nova URSS - União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Por isso seria preciso rapidamente detonar esse possível ressurgimento e fortalecimento daquela antiga aliança existente no leste e norte do continente asiático.

Assim, os BRICS seriam bem mais poderosos, pois teriam 60% (ou mais) da população mundial. Essa aliança seria mais importante ainda se o México aderisse ao Mercosul, abandonando os Estados Unidos a sua própria sorte.

Considerando-se ainda que a China e a Rússia têm forte influência sobre o continente asiático e o Brasil, a Rússia, a China e a África do Sul têm forte influência sobre o continente africano, estaria formada uma grande aliança dos países colonizados contra os seus antigos colonizadores.

Por isso, nesta entrevista, Paul Krugman novamente Pisou na Bola ao tentar dinamitar os BRIC ou BRICS.

Carta Capital: O senhor afirmou que os dois primeiros anos da administração Obama fizeram dele o mais importante presidente dos Estados Unidos desde Ronald Reagan.

Paul Krugman: Reagan foi um presidente importantíssimo, e não sou um fã do que resultou, política e economicamente, de seus oito anos de mandato, mas a dimensão do que foi feito naquele período é inegável.

Parece óbvio o porquê de Krugman não ser fã do que resultou da política econômica implantada por Reagan. Este implantou o total liberalismo empresarial, que pode ser chamado de privatização das decisões nacionais, tal como foi feito no Brasil a partir de Collor de Melo e principalmente no duplo Governo FHC.

Esse total liberalismo empresarial (sem qualquer controle governamental) permitiu a fuga de capitais para paraísos fiscais e das principais empresas estadunidenses para a Ásia.

Foi justamente essa falta de controle governamental sobre a economia que provocou a quebra dos Estados Unidos neste Século XXI e de todos os demais países que implantaram esse mesmo sistema (sem governo), baseado na autorregulação dos mercados financeiros e de commidities feita de forma anárquica pelos detentores do Grande Capital.

Obama realizou algo extremamente grandioso, a reforma da saúde pública, e um bocado de outras mudanças importantes. Não havia, até o Obamacare, a garantia de atendimento médico à população.

O mecanismo de saúde pública (semelhante ao brasileiro) criado por Washington [sede do Governo Federal norte-americano] é inábil e confuso, mas, politicamente, a opção de um sistema amplo de saúde inexistia.

Tal como já existe no Brasil desde os tempos de Getúlio Vargas, conseguimos uma reforma que cobrirá, eventualmente, até 95% da população.

No Brasil só falta o melhor empenho dos prefeitos, que são os responsáveis pela administração local do Sistema de Saúde Pública.

Quando no Brasil o sistema de saúde era administrado pelos sindicatos de trabalhadores (antes do Golpe Militar de 1964), o resultado final era melhor do que o atualmente verificado. Nitidamente há descaso dos Prefeitos na administração do sistema de saúde dedicado à população menos favorecida.

Foi finalmente estabelecido o princípio de que a saúde dos cidadãos é um direito garantido pelo governo, ideal pelo qual a esquerda [socialista] lutou nos últimos 70 anos, desde os tempos em Getúlio Vargas governou o Brasil.

Quando Obama deixar o governo, essa conquista será politicamente irreversível, tal como a brasileira.

Carta Capital: O senhor tem criticado a tentativa da direita de apresentar o Obamacare como um assalto ao bolso dos cidadãos comuns. O programa é um novo imposto e um mecanismo de transferência de renda?

Paul Krugman: Sim, o Obamacare é tudo isso. Mas a oposição ao programa vai além de qualquer lógica relacionada às suas consequências econômicas.

Quase todos os Estados [norte-americanos] comandados por republicanos [partido político oposicionista ao governo central] recusaram, durante o processo de implementação do novo plano, o auxílio federal na expansão do Medicaid, o programa de saúde pública voltado para os mais pobres, que nada mais seria do que dinheiro limpo vindo de Washington [Distrito Federal].

São governadores prejudicando sua economia, seu orçamento, apenas com o objetivo de negar o acesso à saúde aos cidadãos menos ricos, uma questão puramente ideológica. Tal como também acontece no Brasil.

Carta Capital: O senhor acredita que Obama será um ator político importante em sua sucessão?

Paul Krugman: Não. Hoje o campo de candidatos viáveis no Partido Democrata tem um único nome: Hillary Clinton. Se ela quiser se candidatar, não há disputa.

Obama não é um presidente popular [por seu negro], não é amado por seus correligionários. Eles idolatram Bill Clinton [por ser branco, loiro e de olhos azuis], curiosamente, muito mais hoje do que quando ele era presidente. O preconceito e a discriminação social e racial é muito mais visível nos "States" que no Brasil.

Carta Capital: A estratégia democrata para novembro passa pela defesa do aumento do salário mínimo, uma bandeira da esquerda desde 2008. A elevação conduzirá à redução de postos de trabalho, como argumenta a oposição?

Paul Krugman: Ainda que se acredite nos números oferecidos pelo Congressional Budget Office, agência federal do poder legislativo americano, e há enorme margem para interpretação, não é plausível o cenário de desastre econômico pintado pelos republicanos [que são os opositores ao governo central].

Enquanto os democratas [no governo central] queriam explicar macroeconomia para o povo, os republicanos ofereceram lógica muito mais simplória, de compreensão imediata: se aperto os cintos, o governo deveria fazer o mesmo. E não é bem assim. A única exceção é justamente no caso do salário mínimo.

Todas as pesquisas mostram que o raciocínio da maioria, aqui nos States, é o de que quem trabalha duro deve receber um pouco mais.

Não acho que a pregação republicana de que o aumento significará corte de postos de trabalho, uma premissa falsa, será comprada pelos eleitores.

Ou seja, tal como acontece no Brasil, os opositores ao governo federal fazem campanha contra o Povo e querem receber os votos desse mesmo Povo.

Aqui nos States, pela primeira vez em muitos anos, os democratas encontraram uma narrativa apoiada pela maioria absoluta dos americanos.

Carta Capital: Como o senhor avalia a maneira do governo Obama de lidar com a crise financeira global?

Paul Krugman: A economia seguiu em depressão, o índice de desemprego seguiu alto, a recuperação econômica foi menos forte.

Quem sabe em uma década a percepção pública mude, mas o índice de desemprego hoje segue muito maior do que o prometido pela Casa Branca [sede do governo norte-americano], o que, para muita gente séria, significa, simplesmente, que o estímulo fracassou.

Isto significa que a recuperação norte-americana não é tão verdadeira como a propagada pela Mídia brasileira.

Carta Capital: Algo muda no FED com a saída de Ben Bernanke e a entrada de Janet Yellen?

Paul Krugman: Não creio. É mais do mesmo.

Talvez Yellen seja menos agressiva.

Bernanke, no trato pessoal, é muito mais moderado do que permite supor a sua faceta pública. Ele precisou se mostrar mais duro no comando do FED para conquistar certo consenso no mercado.

Ou seja, como sempre acontece em todos os países, o presidente do Banco Central norte-americano precisava agradar os especuladores de Wall Street que geraram a Crise Mundial iniciada em 2008, porque estes são os principais agentes daquelas 80 pessoas mais ricas do mundo que têm muito dinheiro para contratam hordas de lobistas para convencimento dos servidores públicos inescrupulosos.

E a verdade é que uma mudança significativa na direção do FED só se justificaria se o cenário fosse muito mais negativo do que já é, mas não é o caso.

Não vejo espaço para uma mudança no ideal inflacionário ou para uma meta de crescimento maior do PIB. O que veremos é continuidade.

Isto é, haverá a manutenção do está sendo feito para que o grande problema existente não se agrave. O importante é que a crise se alongue para que os trabalhadores mais bem pagos sejam demitidos e depois aceitem novo emprego com salários menores.

Carta Capital: O senhor tem sido um crítico constante das políticas de austeridade fiscal. Como vê a situação da Comunidade Europeia neste momento?

Paul Krugman: As políticas de austeridade fiscal alimentaram a depressão econômica, abandonando os trabalhadores a sua própria sorte, os quais foram os principais prejudicados pela crise gerada pelos especuladores de Wall Street. Mas, apesar delas, tivemos duas surpresas favoráveis: a coesão política dos países da Comunidade Europeia e a ação decisiva do Banco Central Europeu, impedindo que o sistema financeiro dos demais países desenvolvidos sucumbissem junto com o dos Estados Unidos.

O comprometimento dos países de permanecer na Zona do Euro foi muito mais forte do que eu previ, com manutenção das regras do jogo mesmo com índices de desemprego devastadores de dois dígitos, como os da Espanha.

E boa parte dos problemas de liquidez foi reduzida nos últimos dois anos, mediante a forte emissão de dinheiro sem lastro, tal como vem fazendo os Estados Unidos desde a década de 1970.

Portugal ainda vive o pior dos mundos, mas Espanha e Itália já respiram, ainda com certa dificuldade. Os países mediterrâneos, lentamente, voltam a se tornar mais competitivos. Os trabalhadores assumiram os prejuízos causados pelos capitalistas (especuladores).

Até mesmo a Grécia começa a se recuperar, a se reinventar como um polo econômico turístico a preços promocionais.

Os trabalhadores gregos já estão aceitando trabalhar com salários menores. Essa será a tendência não somente na Europa como também nos Estado Unidos.

É um tanto quanto deprimente [para os magnatas e também para o Povo], mas o recomeço se dará com pacotes turísticos às Ilhas Gregas a preços módicos para estrangeiros.

Carta Capital: O senhor está, então, otimista?

Paul Krugman: Bem, no sentido, novamente, de que o quadro poderia ser muito pior.

Hoje, comemora-se a possibilidade de um crescimento de 1,2% do PIB na Zona do Euro, o que é ridículo.

Se considerarmos março de 2014, desde 2007 o crescimento econômico da Europa é menor do que o de 1929 a 1936, no auge da Grande Depressão.

E o custo humano da atual crise europeia foi imenso. Mas poderia ter sido muito, muito pior.

Quem ainda me assusta é Portugal. A partida de jovens trabalhadores para fora do país, para o Brasil inclusive, é ainda mais significativa do que a de décadas atrás. Hoje, quando olho para Lisboa, vejo as marcas de um longo processo de ruína fiscal, me lembra muito a região montanhosa dos Apalaches aqui nos Estados Unidos.

Portugal é atualmente a tradução mais exata da armadilha do euro e, no entanto, não vejo um grande movimento de abandono luso da federação europeia. Não vejo no futuro uma sequência de secessões na Comunidade Europeia.

Mas não é improvável um cenário de uma Europa Ocidental com baixo crescimento econômico por décadas a fio.

Antes da publicação dessa entrevista de Paul Krugman, na mesma Revista Carta Capital foi publicado o seguinte artigo.







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