Ano XXV - 20 de abril de 2024

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REFORMA TRABALHISTA - CAMINHANDO PARA O TRABALHO ESCRAVO


REFORMA TRABALHISTA - CAMINHANDO PARA O TRABALHO ESCRAVO

A TEORIA ESCRAVOCRATA DOS PREMIADOS COM O NOBEL DE ECONOMIA DE 2010

São Paulo, 18/10/2010 (Revisado em 21-03-2024)

Reforma Trabalhista e Previdenciária, Trabalho Escravo - Semiescravidão, Prêmio Nobel de Economia de 2010, Desemprego, Recessão, Redução Artificial dos Salários. Aumento das exportações dos países desenvolvidos, lucratividade e rentabilidade, Contabilidade de Custos. Custos de Produção, Gastos Públicos. Orçamento Público - Lei Orçamentária. INSS. Custo Brasil, Salariômetro.

  1. A TEORIA DOS LAUREADOS COM O PRÊMIO NOBEL DE ECONOMIA DE 2010
  2. O ENGENHEIRO QUE VIROU SUCO - Comentário sobre a tese dos laureados com o Prêmio Nobel de Economia de 2010
  3. AJUSTES ECONÔMICOS PARA REDUÇÃO DOS SALÁRIOS (AUSTERIDADE POPULAR)
  4. Pensando na nossa Previdência e na de nossos filhos
  5. Previdência Social: o falso déficit ... e a nova reforma que vem por aí
  6. REFORMA DA PREVIDÊNCIA E REFORMA TRIBUTÁRIA

Veja também:

  1. Queremos os Ricos no Governo
  2. A Economia Informal e a Autorregulação dos Mercados

Coletânea por Américo G Parada Fº - Contador - Coordenador do COSIFE

1. A TEORIA DOS LAUREADOS COM O PRÊMIO NOBEL DE ECONOMIA DE 2010

Por Américo G Parada Fº - Contador - Coordenador do COSIFE

Se a tese defendida pelos economistas laureados com o Prêmio Nobel de 2010 fosse aplicada indiscriminadamente a todos os países, fatalmente voltaríamos em pouco tempo ao regime escravagista. Isto é, os trabalhadores não mais teriam direitos sociais (direitos trabalhistas e previdenciários). Veja algumas explicações no texto intitulado Queremos os Ricos no Governo.

Ignorando a existência dos países do Terceiro Mundo, os citados economistas defendem a  tese de que poderiam ser reduzidos  de forma emergencial os direitos sociais nos países desenvolvidos para que saiam da bancarrota em que se encontram.

O grande problema a ser enfrentado pelos países hegemônicos é o alto padrão de vida de suas respectivas populações. Esse alto padrão é sustentado por altos salários, que são bem superiores à média mundial. Por esse motivo as multinacionais passaram a produzir nos países periféricos em que não existem rígidos direitos sociais, tendo por finalidade produzir a preços baixos para exportar e lucrar mais na venda aos povos bem aquinhoados dos países desenvolvidos. Assim, esses países tornaram-se deficitários porque suas exportações são inferiores às importações e a arrecadação tributária é baixa.

Então, como solução para esse problema gerado, os economistas premiados delinearam a tese que em nada é inovadora. Tal sistema de geração de desemprego e de redução dos direitos trabalhistas e previdenciários já foi utilizado no Brasil durante o regime militar iniciado em 1964 e também foi usado após a implantação do Plano Real durante o Governo FHC.

Veja a seguir os comentários elaborados pelo economista Idalvo Toscano, que sempre esteve a procura de soluções para os problemas enfrentados pelos trabalhadores no sentido de combater a sanha escravocrata dos patrões.

2. O ENGENHEIRO QUE VIROU SUCO

Por Idalvo Toscano - Economista; pós-graduado em Planejamento Urbano/FGV; ativista do movimento de Economia e Finanças Solidárias (Fórum Brasileiro de Economia Solidária: no instrumento de Busca escreva "Idalvo Toscano"). Conselheiro do Sinal-SP e membro do Conselho Editorial da revista Por Sinal - Publicado por BOCA LIVRE nº 15 - boletim editado em 15/10/2010 pelo SINAL - Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central. Com anotações e comentários por Américo G Parada Fº - Contador -Coordenador do COSIFE.

Nota de Idalvo Toscano: O Engenheiro que Virou Suco - A crise de 1979/80 [ainda nos tempos do Regime Militar iniciado em 1964] provocou enorme desemprego, inclusive em segmentos profissionais altamente qualificados, como a engenharia civil; na ocasião, um dos despedidos, com os recursos recebidos pela dispensa abriu, em plena Av. Paulista, uma lanchonete especializada em sucos naturais que fez, até recentemente, enorme sucesso. Um caso atípico, portanto, de transigência com as contingências do mercado, bem ao gosto dos economistas premiados!

Fatos semelhantes aconteceram durante o Governo FHC quando foi utilizada como política de combate à inflação a geração de desemprego para evitar o consumo interno pelos trabalhadores.

Em razão do desemprego gerado, a economia informal cresceu vertiginosamente principalmente nas favelas das grandes cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, cujos habitantes passaram a atuar como camelôs.

Veja o texto intitulado A Economia Informal e a Autorregulação dos Mercados

[Em 2010] dois milhões e setecentos mil reais, [foi o] valor aproximado do Prêmio Nobel de Economia em dólares atuais; nada mal.

O trabalho dos três economistas laureados em 2010 teve como objeto a “construção de modelos que ajudam a explicar o 'ruído' na comunicação entre oferta e a procura em diferentes mercados”, principalmente o de trabalho.

Nota do Autor: As informações deste artigo têm como base matéria, veiculada no caderno Economia do[jornal]Estado de São Paulo, em 12.10.2010; fls. B5.

A hipótese do mesmo está centrada na constatação de que “oferta e demanda não se encontram de forma automática, como afirmavam as teorias clássicas da Economia”; isto provoca uma dissintonia no mercado de trabalho, de tal forma que acaba por haver oferta não recepcionada e, consequentemente, pessoas que permanecem desempregadas, mesmo quando na economia sobram postos de trabalho.

Os trabalhadores, cansados da constante procura de emprego, acabam na economia informal do contrabando, da pirataria e da criminalidade ("mais lucrativa"), razão pela qual passam a sobrar postos de trabalho.

Uma tese constante do pensamento econômico alternativo dizia da assimetria de informação existente no sacrossanto mercado; sim, “todos seriam iguais perante a lei, mas alguns mais iguais que outros”. Assim, é fato que sob o capitalismo os mercados [principalmente os mercados informais] acolhem a todos, porém os mais bem situados socialmente têm um acolhimento distinto, diferente [nepotismo e apadrinhamento, como passou a acontecer nas empresas estatais privatizadas].

Nota do Idalvo Toscano: Orwell, G. – A revolução dos bichos; Ed. Globo.

Até aqui, e desse ponto de vista, nenhuma novidade nos traz o trabalho premiado. Contudo, o melhor está por vir.

A partir da “descoberta” dessa imperfeição do mercado, constata-se que instituir benefícios sociais aos desempregados faz aumentar o desemprego e torna mais extenso o tempo de procura por postos de trabalho.

Há um pressuposto fundamental que orienta as conclusões dos “nobéis”: a flexibilização, por parte dos desempregados, de suas aspirações a salários e atividades compatíveis com sua formação.

Fossem os profissionais desempregados menos exigentes, o ajuste entre demanda e oferta de empregos seria mais rápido e eficiente.

É a velha mão smithiana em ação...

CONCLUSÃO

[Segundo a teoria dos laureados com o Prêmio Nobel] as políticas públicas de proteção ao trabalho tendem a ser um desastre para a saúde da economia e, daí, para os próprios trabalhadores.

O mercado, portanto, não funciona adequadamente, pois a ingerência perniciosa do Estado esgarça seus eficientes mecanismos “naturais”.

Com isso se quer dizer que as conquistas do trabalho (entendido, aqui, como categoria analítica relevante no contexto do capitalismo) a partir da revolução burguesa, retardaram a excelência desse modo-de-produção, último da história.

Diante das duas frases em negrito imediatamente acima, que se apresentam como o ponto mais significativo da teoria dos laureados com o Prêmio Nobel, os governantes do Estado de São Paulo tinham criado o site SALARIOMETRO. Mas, desistiram..

Agora o SALARIOMETRO virou site prestador de serviços devidamente remunerados, explorado pela FIPE - Fundação do Instituto de Pesquisas Econômicas, que se diz instituição SEM FINS LUCRATIVOS.

Portanto, a cobrança por tais serviços prestados deve ser tributada. Cabe a Receita Federal verificar se os tributos estão sendo pagos, religiosamente.

Nitidamente o antigo site do Estado de São Paulo, tinha a finalidade de tornar o trabalhador menos exigente quanto ao salário pretendido no momento em que estivesse procurando novo emprego.

Ao visitar aquele site governamental qualquer trabalhador podia verificar qual seria o salário médio oferecido pelas empresas para sua função ou profissão. Com base nos baixos salários expostos, o trabalhador ainda empregado ficava convencido de que estava ganhando muito bem.

Por sua vez, o trabalhador desempregado seria convencido a procurar emprego por salário menor.

Em defesa dos interesses particulares de seus anunciantes, o ESTADÃO em 12/11/2014 publicou o texto: Salariômetro Permite Comparar Salários Pagos pelo Mercado. Mas, tal como ocorre como o site da FIPE, o trabalhador precisa ser assinante do Jornal ou daquela Fundação.

3. AJUSTES ECONÔMICOS PARA REDUÇÃO DOS SALÁRIOS (AUSTERIDADE POPULAR)

Não é desconhecido de ninguém o fato de que o ajuste econômico promovido pelos economistas de plantão se dá, principalmente em momentos de crise, sobre o mercado de trabalho:

  1. precarização,
  2. rebaixamento das rendas do trabalho,
  3. flexibilização das demissões,
  4. ampliação do prazo de aposentadoria etc.

O desemprego, portanto, é uma situação a que se chega a partir do capricho daqueles que se recusam a perceber salários menores e/ou [que se recusam a] aceitar exercer atividades que se situem em níveis inferiores na escala de valoração sócio-profissional, de modo que se poderia dizer haver sempre trabalho disponível para aqueles que aceitarem as regras que o mercado determina, vale dizer, as necessidades impostas pelo Capital.

Torna-se importante mencionar que a plena aplicação da Teoria dos Laureados com o Prêmio Nobel de Economia de 2010 é a única saída para os países endividados da Europa e para os Estados Unidos, em cujos territórios os trabalhadores ganham altíssimos salários, se comparados com os percebidos pelo trabalhador brasileiro.

Em razão desses altos salários, que encarecem a produção interna, aqueles países estão impossibilitados de exportar porque não têm condições de competir em preços no mercado internacional.

Assim sendo, para eles só existem duas saídas lógicas: provocar o aumento de salários nos países periféricos ou diminuir o salário médio pago em seus respectivos territórios. Mas, optaram pela terceira via.

Para aumentar o CUSTO BRASIL, por exemplo, as multinacionais remetem para o nosso País (entre outros) linhas de montagem superfaturadas assim aumentando o CUSTO DE PRODUÇÃO (Custo Fixo gerado por Depreciações e Amortizações.

O mesmo ocorre com as matérias primas importadas, principalmente na área da indústria farmacêutica, razão pela qual surgiu a LEI DOS GENÉRICOS.

Ainda para aumentar o CUSTO BRASIL, por intermédio de empresas fantasmas (OFFSHORE = Não Residente)constituídas em Paraísos Fiscais, as quais administram o CAIXA DOIS de empresas estabelecidas no Brasil, são efetuados empréstimos, operações de Arrendamento Mercantil e operações de LEASEBACK.

Todas essas Operações Simuladas ou Dissimuladas têm como intuito a geração de DESPESAS FICTÍCIAS que obviamente aumento o CUSTO BRASIL. Além disso, tais valores pagos àquelas Empresas Fantasmas passam a reforçar aquele CAIXA DOIS administrado no exterior, inclusive por Fundos de Investimentos em Participações Societárias constituídos naqueles Paraísos Fiscais, com emissão de Cotas ao Portador.

Em muitos casos, esses Fundos de Investimentos estão vinculados a determinada empresa. Desse modo, para que seja trocado o Acionista ou os Acionistas Controladores, basta que seja vendido o Fundo de Investimentos. Esse tipo de negociação pode legalmente efetuado na B3 - Brasil, Bolsa e Balcão (nova denominação da antiga BOVESPA).

A tese traz implícita a concepção de que o Estado deve se assumir definitivamente como instituição da classe dominante, a zelar pelos exclusivos interesses do Capital, aspecto que, de resto, nunca deixou de matizá-lo, embora se venda a ilusão de que o mesmo seria o palco dos interesses antagônicos, arena das tensões interclasses; ledo engano, ou quase: o Estado somente torna-se espaço de resolução de conflito dos diversos segmentos da sociedade à margem de suas políticas fundamentais – econômica, monetária, fiscal e cambial –, ou seja, naqueles espaços em que suas ações não comprometam a acumulação do capital. É, enfim, um Estado de classe.

É exemplar, no sentido acima, um exame comparativo da transferência de renda que se observa para o capital financeiro e aquela que se destina aos gastos sociais. Nunca na história desse país os investimentos sociais foram tão expressivos; contudo, nunca o capital financeiro subtraiu parcela tão significativa da renda nacional.

O trabalho laureado repousa na imutabilidade do sistema econômico e, dessarte, vaticina “mecanismos” de aperfeiçoamento de seu funcionamento, o que não é outra coisa que uma visão ideológica como, de resto, são todas as visões sobre o que se convenciona denominar realidade. A diferença reside no fato de que esta se apresenta com uma aura de cientificidade, conferida pelo saber constituído, este, também, um saber de classe!

Por fim, há o pressuposto implícito de que a economia é uma ciência exata e tudo ocorre como deve ocorrer e o mundo seria bem melhor não fossem os humanos, principalmente aqueles que trabalham; quiçá o mal necessário, já que o capital não produz valor e requer a todo tempo o concurso das ações de quem, em um dizer coloquial, “pega no breu”.

Todavia, é bom que nunca esqueçamos o fato de que a ciência está, como sempre esteve, a serviço da política. 

4. Pensando na nossa Previdência e na de nossos filhos

Comentário por Cleide Napoleão - Funcionária Aposentada do Banco Central - Sindicalista - Defensora dos Direitos Sociais dos Trabalhadores

Com relação à matéria de autoria de Idalvo, no Boca-Livre nº 14, gostaria de acrescentar, a título de consolo talvez inútil: foi noticiado que as empresas concessionárias dos serviços de pedágios nas estradas estão faturando os maiores lucros neste ano [de 2010], e portanto desbancando os banqueiros do primeiro lugar do rico pódio.

O crédito, que deveria ser um pouco mais sagrado e de utilidade pública, deixou de ser o maior naco de rapinagem capitalista e cedeu lugar aos exploradores dos pedágios.

Deduzo que precisamos pedalar mais. Para salvar não só o planeta, mas também os bolsos.

No dia 16/09/2010, as contas públicas mereceram manchete no programa de TV comandado por Miriam Leitão. Mulher inteligente. Economista também? Espero que também saiba contar. Contar o que precisamos saber e contar.

Lá os economistas entrevistados cansaram de preparar terreno para a próxima Reforma da Previdência. Fazendo o quê? Dizendo que é crescente, desde 1989, o custo do custeio do INSS, que antes era menos que dois por cento do PIB e agora bate nos 7%. Dizendo também que quem passa em um concurso público para ser servidor deveria levar na praça a família inteira e comemorar muito, porque vai ter a vida garantida pelos cofres públicos nos próximos sessenta anos.

Eu me segurei para não pedir maiores explicações sobre aquilo que ouvia. Afinal, o que os tais economistas conceituam como "contas do INSS", "Orçamento do INSS"? Eles aí estão incluindo as contas da Seguridade Social - o que significa mais Saúde, Assistência Social e Seguro Desemprego? Penso que não. Mas não sou economista. Sou apenas uma servidora "inativa" e desconfiada.

Porque ocultar isto, mascarar isto é uma baita sacanagem, que permite injetar outra, no gancho: a Previdência brasileira é a mais cara do mundo! Só não contam que a Previdência de fora não inclui os itens todos da seguridade social que estão aqui incluídos.

Sobre este mascaramento, esta plástica drástica que fazem nas contas que nos mostram, dá gosto de ler a matéria do economista professor Eduardo Fagnani (Apito Brasil nº 90, cujas propostas de ações de inconstitucionalidade contra certas práticas picaretas implementadas pelos gestores das contas da previdência publica e social incluí no Blog do Grupo "D" da XXIV AND do Sinal.

É, caro colega, pedalar é preciso!

E bota o garoto na bicicleta, desde cedo, porque é de pequeno que se torce o pepino.

5. Previdência Social: o falso déficit ... e a nova reforma que vem por aí

Nota do Sinal - Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central

Eduardo Fagnani é doutor em Economia, professor do Instituto de Economia da Unicamp, integra grupos de pesquisa no CNPq e tem diversos trabalhos publicados: todos versam sobre políticas públicas e regimes de proteção social. Publicado no Blog do Grupo "D" da XXIV AND.

Nossa Diretora de Assuntos Previdenciários, Cleide Napoleão, participou de debate em São Paulo com o Professor Fagnani e fez a transcrição literal, para nós, de suas palavras na ocasião.

Esse depoimento é o que trazemos hoje para o funcionalismo do BC, por sua relevância no cenário que se vislumbra para o próximo mandato presidencial: uma nova Reforma da Previdência, sob a égide (falsa, segundo Fagnani) de um déficit superlativo.

Nesta apresentação, o professor faz uma retrospectiva histórica da Previdência Social (e do que ele chama de "tentativas de retrocesso na Seguridade Social") desde a promulgação da Constituição de 88.

Dá exemplos numéricos atualizados que demonstram ser a Seguridade Social o maior projeto de distribuição de renda do Brasil, país de capitalismo tardio onde o PIB per capita é em muito inferior ao de países europeus com sistema previdenciário semelhante, e onde a concentração da renda e a desigualdade social são das piores do mundo.

Num artigo de sete páginas, estão resumidas questões de 22 anos da CF 88 onde, por que não dizer, embutem-se questões seculares de renda concentrada e miséria populacional.

Pode-se ter aqui uma lição de Seguridade Social e de cidadania, e o conhecimento de providências que o Professor estuda tomar contra novas "tentativas de retrocesso".

Que a leitura da palestra possa ser de utilidade a quem ainda desconhece a extensão da gravidade do problema, que tem a ver, sim, com os servidores do Banco Central.

6. REFORMA DA PREVIDÊNCIA E REFORMA TRIBUTÁRIA

Por Eduardo Fagnani - Doutor em Economia - Professor do Instituto de Economia da UNICAMP

A reforma da previdência e a reforma tributária vão estar na pauta dos debates a partir do ano que vem. Certamente, assistiremos a mais uma das inúmeras tentativas de retrocesso na Seguridade Social, recorrentes desde a promulgação da Constituição de 1988. Temos de reagir de todas as formas, porque são conquistas notáveis. Exatamente por essa razão, cumprimento o Sindifisco Nacional (São Paulo) por essa iniciativa.

Eu sou um dos maiores defensores as conquistas sociais de 1988. Primeiro, foram conquistas que não partiram de nenhum governo. Aliás, elas foram feitas contra os governos. Contra o governo da ditadura e contra parte do governo da Nova Republica. Elas não são monopólio de nenhum partido político. Praticamente todos os partidos de centro-esquerda do Brasil, naquele momento, tiveram uma participação na conquista desses direitos. As conquistas de 1988 foram feitas na contramão do mundo. Quando o mundo vivia a onda neoliberal, nós estávamos construindo um sistema de proteção social baseado no Welfare State.  Ela foi fruto de um movimento social extraordinário, o maior que nós tivemos no Brasil. Fomos salvos pelo momento político. Naquela etapa, nós lutávamos pela redemocratização do país. Nós queríamos fazer um acerto de contas com a ditadura. Não existia campo fértil para germinar as ideias do neoliberalismo. Isto só vai ocorrer a partir dos anos 90.

Todavia, desde 1988 essas conquistas vivem sob o fio da navalha. As elites jamais aceitaram tais avanços. Um fato emblemático ocorreu na última etapa da votação da Constituição de 88. Quando o presidente da República, José Sarney, em cadeia de rádio e televisão nacional, advertiu aos constituintes que caso eles aprovassem aqueles capítulos de seguridade social, o “país se tornaria ingovernável”.

Essa manifestação fez com que o deputado Ulisses Guimarães, que era o presidente do Congresso Constituinte, fizesse um discurso memorável, no dia seguinte, onde ele destacava: “ingovernável é a fome, a miséria, doença sem assistência”, e daí vai, dizendo “esta vai ser a Constituição-cidadã”. Em resposta ao Sarney, ele criou esta alcunha da Constituição-cidadã.

E nos últimos 22 anos, a tese da ingovernabilidade tem sido evocada com recorrência pelas forças conservadoras. Os críticos da seguridade social parecem ser correspondentes de guerra: é a “bomba-relógio da previdência”; é a “explosão de gastos públicos”. Recentemente um desses críticos repetiu: precisamos fazer a reforma da previdência, “a mãe de todas as reformas, sem a qual o país se tornará ingovernável”.

Ora, a reforma já foi feita. A Emenda Constitucional 20, de 1998 fez com que a idade mínima de aposentadoria no Brasil, fosse de 65 anos para homem e 60 anos para mulheres, mais 15 anos de contribuição. Essa idade é igual ou superior à praticada pelos países da comunidade europeia. Na semana passada os trabalhadores da França fizeram greve geral porque o governo quer aumentar a idade mínima de aposentadoria na França de 60 para 65 anos. Nós temos isto já há 12 anos. E não dá para comparar o contexto socioeconômico e demográfico do Brasil, de capitalismo tardio, com a realidade nestes países. Nosso PIB per capita é muito menor e a concentração da renda e desigualdade social do Brasil é uma das piores do mundo. 

Essas tentativas de retrocesso têm sido frequentes. Após a EC 20/98, tivemos a proposta do “Programa Déficit Nominal Zero“ (2006); o Fórum Nacional de Previdência Social (2007). E, atualmente, tramita no Congresso a PEC 233, que trata da reforma tributária, a mais engenhosa de todas estas tentativas de retrocesso.

Quem é contra simplificar a estrutura de impostos do Brasil? Só que a PEC extingue a CSLL, a COFINS, o PIS, PASEP, que são as fontes de financiamento que compõem o Orçamento da Seguridade Social (artigo 195 da Constituição). São impostos constitucionalmente vinculados à seguridade social.

Após essa breve introdução, gostaria de alertar que a proposta de desoneração patronal da folha de salários representa mais uma tentativa de retrocesso. Pessoalmente sou contra e apresentarei, ao debate, cinco argumentos:

1. Ameaça ao Modelo Clássico de Financiamento da Seguridade Social adotado pelo Brasil

Em primeiro lugar, a desoneração da folha de salário caminha na direção contrária do modelo de financiamento internacional clássico da Seguridade Social adotado pelo Brasil desde 1934. Nesse ano, adotamos o sistema tripartite: empresário, trabalhador e governo. Na Lei Orgânica da Previdência Social de 1961, que foi a regulamentação da Constituição de 1946, este sistema foi mantido. A ditadura militar manteve o mesmo sistema. A Constituição de 1988 aperfeiçoou. Na ditadura, não havia clara definição dos impostos que integravam a parte da contribuição do governo. Além disso, sempre que a economia ia bem e a contribuição dos empregadores era suficiente para cobrir as despesas, a União não aportava a sua parte (impostos).

O que a Constituição inovou? Definiu, claramente, as fontes de financiamento da Seguridade: Impostos (COFINS, CSLL, parte do PIS – PASEP, Recursos das Loterias) e contribuições (folha de salário do INSS urbano). A COFINS e a CSLL foram criadas em 1888 para isto. Não existiam. E qual era o objetivo? Fazer com que a área econômica não capturasse recursos desse orçamento. Como? Obrigando a União a apresentar o Orçamento da Seguridade Social (artigos 165 e 195). É uma forma de exercer o controle social sobre o uso dessas fontes e evitar a captura desses recursos para outras áreas.  Estas receitas têm que cobrir as despesas com a Seguridade Social: assistência, saúde, previdência (rural e urbana) e seguro desemprego.  E o que reza os artigos 194 e 195 da Constituição.

Quando nós fizemos isto, nós não inventamos a roda. Adotamos o modelo clássico internacional. Nos países da Comunidade Europeia, por exemplo, a Seguridade Social é financiada pelos empregadores (38%, em média), pelos empregados (22%) e pelo governo através de impostos (35%). Nunca li nenhum jornal da Dinamarca divulgar “Rombo na Previdência!”.

2. Impacto da Desoneração Patronal sobre a Receita do INSS

Em segundo lugar, a desoneração patronal terá impacto expressivo e negativo no equilíbrio das contas financeiras da Previdência Social. Estudo realizado pelo IPEA demonstra que a cada 1% de  redução da alíquota patronal, a receita da Previdência se reduz em cerca de R$ 3,2 bilhões. A proposta de redução de 5% da contribuição patronal para o INSS acarretará uma perda de receita de mais de R$ 16 bilhões. Isso representa cerca de 10% da arrecadação do INSS urbano.

Essa redução de receitas seria um montante adicional ao que já ocorre com as renúncias fiscais em vigor. Estudos da ANFIP demonstram que as renúncias fiscais das receitas previdenciárias totalizaram R$ 15,6 bilhões em 2008. Esse montante também representa cerca de 10% da arrecadação líquida do INSS urbano. Os principais itens de renúncia são: supersimples (R$ 8,2 bilhões), entidades filantrópicas (4,8 bilhões) e exportação da produção rural (R$ 2,3 bilhões).

3. Ameaças à Sustentação Financeira da Seguridade Social

Em terceiro lugar, a desoneração da folha de salário poderá restringir a sustentabilidade financeira da Seguridade Social. Se somarmos a desoneração da folha (pretendida pelos empresários) e as renúncias fiscais em vigor, teremos, num futuro próximo, redução de cerca de 20% das receitas do INSS. Isso poderá comprometer a sustentação financeira desse importante mecanismo de proteção social no Brasil.

Atualmente a Constituição Federal garante uma base de financiamento sustentável. A constituição cria a Seguridade Social, integrada pela previdência, saúde, assistência social e seguro desemprego (artigo 194). E cria o Orçamento da Seguridade Social que institui impostos gerais e contribuições (CSLL, COFINS, etc.) para financiar os setores que compõem a seguridade (artigo 195). E em todos os anos, desde 1989, o Orçamento da Seguridade Social é superavitário, mesmo com a captura de 20% dos recursos feita pela DRU.

Hoje, falar em “déficit” da Previdência é um absurdo, uma picaretagem intelectual e ética. Não existe base constitucional para tal disparate. A constituição cria a Seguridade Social, integrada pela previdência, saúde, assistência social e seguro desemprego (artigo 194). E cria o Orçamento da Seguridade Social que institui impostos gerais e contribuições (CSLL, COFINS, etc.) para financiar os setores que compõem a seguridade. (artigo 195).

A questão de fundo é que os setores conservadores resistem em aceitar o que reza a Constituição. A mesma negativa tem sido praticada pela área econômica de todos os governos desde 1988. Optaram claramente por manipulações contábeis, ao arrepio da Lei:

  •  A primeira inconstitucionalidade é a forma de apresentação dos dados do MPAS desde 1989. Não considera a Previdência como integrante da Seguridade. Parte do princípio de que a folha de salário do trabalhador urbano deve cobrir o gasto com o INSS urbano e o INSS rural. O resultado é um “rombo” do INSS rural. Ora, os artigos 194 e 195 rezam que o INSS rural (não contributivo) deve ser coberto pelas receitas de impostos. Com base no critério oficial, quem fala em “déficit” da Previdência comete o mesmo equívoco de sentenciar o “rombo” das contas do Legislativo, do Judiciário e das Forças Armadas (também financiadas por impostos).
  • A segunda inconstitucionalidade é que desde 1989 o Executivo federal jamais apresentou o Orçamento da Seguridade Social, como rezam os artigos 195, 165 e o 59 (Disposições Transitórias).
  • A terceira inconstitucionalidade é a recorrente captura dos recursos do Orçamento da Seguridade Social para outras finalidades não previstas no artigo 194. Como se sabe, esse Orçamento é superavitário. Portanto à luz da Constituição da República não há como se falar em “déficit” na Previdência ou da Seguridade. Na verdade sobram recursos que são utilizados em finalidades não previstas na lei.         

Após 20 anos de debates baseados em mitos e falsos argumentos, alimentados por amplos setores da mídia e do mercado, pergunto se a impetração de três ações públicas de inconstitucionalidade não seria o caminho mais adequado a ser trilhado pelo movimento social e sindical?

Na verdade, a discussão sobre o financiamento da Seguridade está mal colocada. Não reflete apenas o crescimento das despesas. O mais grave é a redução das receitas, fruto do baixo crescimento econômico e dos seus impactos negativos sobre o mercado de trabalho (redução do emprego formal, aumento do desemprego e da informalidade, do rendimento e da massa salarial). Até recentemente, apenas 45% da PEA era formada por empregados com carteira assinada, contribuintes da Previdência Social.

O PIB do Brasil na década de 90 cresceu 1,7% ao ano em média. Uma das mais baixas taxas de crescimento mundial, superior apenas à meia dúzia de países.  Esse desempenho é fruto de opções macroeconômicas equivocadas, baseadas em taxas de juros internas elevadíssimas (superior a 40% ao ano em diversos momentos, como na crise da Ásia e da Rússia, em 1997 e 1998). Em função dos juros, a relação dívida/PIB dobrou entre 1995 e 2002 (de 30 para 57% do PIB) e a economia estagnou, afetando a massa de salários e a arrecadação da Previdência.

Felizmente, a partir de 2004 o PIB passou a crescer a uma taxa média de 4%.  Vejam o impacto na geração de empregos formais (mais de 10 milhões entre 2004 e 2010). Em igual período a taxa de desemprego caiu de 12,8 para 7,4%. A relação dívida/PIB caiu de 57% para cerca de 42%. Com o crescimento, a arrecadação cresceu e o INSS é superavitário (a folha de salários cobre as despesas). Sem crescimento econômico, não apenas a previdência será inviável: o País será inviável.

4. Tese Falaciosa

Em quarto lugar, a desoneração da folha de salário insere-se num debate mais amplo, em voga na década passada. Nos anos de 1990, o pensamento liberal difundiu a ideia de que o desemprego e a informalidade decorrem do ‘alto custo do trabalho’, fruto da ‘elevada’ incidência dos encargos sociais sobre a folha de salários. Esse fato teria consequências negativas sobre o nível de emprego e a competitividade internacional.

É neste contexto que a redução do chamado “Custo Brasil” ganhou centralidade na agenda do governo FHC. O custo do trabalho era tido como um dos principais itens do “Custo Brasil”. Assim, aumentaram as pressões para a adoção de medidas voltadas para a redução de encargos sociais. Essa política atuaria a favor da competitividade, do emprego e da elevação dos salários (que incorporariam parte desses encargos).

Diversos autores demonstraram a falácia desse argumento. Estudo da OIT (1995) revela que os ajustes introduzidos em países europeus na redução dos custos não-salariais tiveram impactos insignificantes, quando não negativos, sobre o emprego e a melhora das condições de trabalho.

Além disso, o argumento de que encargos sociais no Brasil são elevados também é falacioso. Os estudos que defendem que “o Brasil é o campeão mundial dos encargos sociais”, tomam como “encargos sociais” a totalidade dos itens que incidem sobre a folha de pagamento (incluindo férias, 13º salário, domingos, feriados etc.) o que resulta numa grande superestimação do seu peso, apontando cifras que superariam 100% relativamente à folha de pagamento das empresas.

Na verdade, a participação dos encargos sociais no custo da mão-de-obra no Brasil (em torno de 30%) não difere da realidade de muitos outros países. Entretanto, o fato mais relevante para demonstrar a falácia desse argumento é que o salário no Brasil é extremamente baixo em relação à experiência internacional. A incidência de encargos sociais reduzidos sobre uma estrutura salarial aviltada resultava que a pressão do custo trabalhista no Brasil é reduzida, se comparada à experiência internacional.

A falácia desse argumento – redução dos encargos sociais elevaria o emprego – fica evidente com o recente ciclo de crescimento econômico iniciado em meados da presente década. Entre 2004 e 2010 o PIB brasileiro tem crescido 4% em média, o que levou à criação de mais de 10 milhões de empregos formais e a redução da taxa de desemprego (de 13% para 7%). Portanto não há qualquer relação entre redução de encargos trabalhistas e criação de empregos. O que gera empregos é o crescimento econômico impulsionado pelo crédito e pelo aumento da renda. A demanda é que impulsiona o investimento, com reflexos positivos sobre o mercado de trabalho.

Também é falacioso o argumento de que a os encargos trabalhistas limitam a competitividade internacional da indústria brasileira.

Competitividade tem a ver, sobretudo, com a taxa de câmbio. O que o Brasil faz com a taxa de câmbio? Nós valorizamos o real, nosso produto fica caro e a importação barata. O que é que a China faz? Ao contrário, desvaloriza a moeda, e amplia a competitividade dos produtos chineses.

5. Seguridade Social, Distribuição da Renda e Crescimento Econômico

Finalmente, em quinto lugar, a desoneração da folha, ao ameaçar a sustentabilidade financeira da Seguridade Social, pode destruir uma base importante do crescimento da economia brasileira. Os empresários, ao defenderem a desoneração, poderão dar um “tiro no pé”. 

O impacto da seguridade social na distribuição da renda e na dinâmica do mercado interno é notável. Hoje no Brasil, mais de 80% dos idosos brasileiros recebem pelo menos aposentadoria como fonte de renda. Na América Latina a média de cobertura da população idosa é 30%. Se não tivesse a seguridade social 70% dos idosos estariam abaixo da linha de pobreza. Hoje são 10%.  É difícil você ver velho na rua.

A participação da seguridade na composição da renda das famílias urbanas é outro fator de distribuição da renda: passou de 10% para 22% entre 1991 e 2003. No caso das famílias rurais, ela passou de 9% para 23%, entre 1991 e 2005.

Diminuíram as migrações do campo para a cidade, no nordeste. E diminuíram as migrações do nordeste para o sudeste. Isto movimenta a economia regional dos municípios mais pobres.

O impacto da seguridade social no consumo interno é também notável. Temos 15 milhões de pessoas que recebem o INSS urbano; 8 milhões que recebem o INSS rural; 3,5 milhões, o BCP/LOAS; e, 6 milhões, o seguro-desemprego. São mais de 33 milhões de pessoas que recebem diretamente esses benefícios, 80% dos quais equivalentes ao piso de um salário mínimo. Se forem computados os demais membros das famílias – o IBGE diz que uma família de idosos tem 3,2 pessoas, em média – teremos 104 milhões de pessoas como beneficiários diretos e indiretos da seguridade social. É quase a metade da população do Brasil.

É isto que tem amparado esse recente ciclo de crescimento da economia. E desde 1995 o salário mínimo praticamente dobrou em termos reais. E a previdência não quebrou. O que incentiva o investimento não é poupança, mas a demanda. Se a renda aumenta, a demanda cresce e impulsiona o investimento.

Com o aumento do salário mínimo, dos benefícios sociais, dos empregos formais e do crédito, as camadas mais pobres passaram a consumir. Então, eu quero chamar a atenção para o fato, o que movimenta essa economia, em grande medida, é essa proteção social que nós conquistamos em 1988. Destruir isto pode destruir uma base importante do crescimento endógeno da economia brasileira.   

DEBATE

Sobre a disputa por recursos orçamentários e programas de transferência de renda.

O mercado financeiro jamais aceitou que o movimento social em 1988 capturasse 10% do PIB em gastos vinculados à área social. Nunca aceitaram isso. Este é o problema. Nós temos hoje, recursos constitucionalmente vinculados à área social em torno de 10% do PIB. Este é o pano de fundo. Na verdade é um conflito, envolve uma disputa de recursos orçamentários.

A ideia do Estado mínimo é fantástica. Seus defensores empregam uma estratégica única para combater a pobreza: programas de transferência de renda. Então venderam a ideia que apenas programas de transferência de renda são suficientes para “erradicar a pobreza” no Brasil. Venderam a ideia de que não precisa nem a economia crescer, não precisa nem aumentar o salário mínimo.

Parecem defensores dos pobres. Na verdade são defensores do ajuste fiscal e da captura dos recursos constitucionalmente vinculados aos direitos sociais para a gestão da dívida pública. Quanto custa o Programa Bolsa Família? 0,4% do PIB.

Como os defensores do Estado Mínimo financiam os programas de “erradicação da pobreza”? Acabando com os programas universais e os direitos sociais que foram criados pela Constituição em 1988 que, segundo eles, beneficiam “os mais ricos”. Quem são os mais ricos? São todos aqueles que estão acima de uma “linha de pobreza” que eles fixaram em dois dólares por dia. Assim, quem ganha menos de 120 reais é pobre. Quem ganha acima de 120 reais é rico. Então todo programa que beneficia quem ganha acima de 120 reais está “perpetuando a riqueza”. O debate é surrealista.

Sobre a autonomia do BC: Como a autonomia do Banco Central poderá afetar a gestão da previdência social pública? Por que a aversão à autonomia do Banco Central?

A ideia de você ter um Banco Central “independente” causa um problema sério de coordenação de políticas macroeconômicas. Eu acho que temos de ter uma política econômica coordenada. Não pode o Banco Central fazer uma política numa direção contrária ao que faz o Ministério da Fazenda.  Nosso BC é muito conservador e pratica taxas de juros sem precedentes no mundo. Isso desorganiza a política fiscal, o câmbio e a competitividade das empresas.

Nós não vamos criar emprego, distribuir renda e consolidar as conquistas de 1988, se não alterarmos a relação perversa entre a macroeconomia e os objetivos visando à equidade social. No meu ponto de vista, as opções macroeconômicas feitas desde o final dos anos de 1980 até meados da presente década são incompatíveis com o desenvolvimento social. Políticas econômicas lastreadas em taxas de juros elevadíssimas têm duas consequências importantes: primeiro, a economia não cresce, desorganiza o mercado de trabalho e aumenta a exclusão social. Segundo, você explode a dívida pública e tem que fazer ajuste fiscal, o que restringe o financiamento com gasto social. Felizmente de 2007 para cá é a primeira vez em 25 anos que o crescimento volta a fazer parte da agenda do governo.

Como está a organização da sua proposta de Ações Públicas de Inconstitucionalidade? Está formalmente organizada ou está em um balão de ensaio, para tentar canalizar outros sindicatos e organizações da sociedade civil? Eu acho a ideia muito oportuna, está faltando alguém que puxe. Dentro desta sua proposta existe espaço para a participação dos sindicatos? Como isso poderia ter operacionalidade?

Na verdade, não existe nada organizado. Eu tenho procurado apresentar ao debate esse ponto de vista. Estou tentando organizar este debate. Estive no Ceará, depois em Curitiba, agora em São Paulo. Eu acho que vocês são os interlocutores privilegiados desse debate. A questão do financiamento da Seguridade não é um problema contábil. Não é um problema de contador, com todo respeito aos contadores. É uma questão de advogado constitucionalista. O nível de discussão é outro. Eu acho que este argumento no debate deve ter algum peso. Nós temos que aplicar a Constituição de 88. Nós temos que cumprir a Constituição da República. Cumprir a Constituição é uma tese forte. O debate que vem pela frente vai pesado. O argumento do cumprimento da Constituição tem peso, mas depende da pressão do movimento social. Senão não vai acontecer nada. Eu estou articulado a outro movimento, que surgiu por ocasião da reforma tributária, a PEC 233 (“Movimento contra a reforma tributária em defesa dos direitos sociais”). Participam mais de cinquenta entidades do movimento social. Nós fizemos um site, www.direitosociais.org.br. E estamos organizando para quinta feira, dia 17 em Brasília, um evento, uma proposta de agenda para a próxima década

A questão da Previdência e o Envelhecimento da população

A questão demográfica é uma questão discutível. O que os conservadores argumentam? Que a “bomba relógio” demográfica vai explodir. Vai crescer uma população idosa. O que eles não dizem é que a população de zero a quinze anos vai cair. E, mais importante: a população em idade ativa vai crescer (15 a 60 anos) até 2050. Ou seja, a população está em idade ativa e pode ser incorporada ao mercado de trabalho. E se for incorporada ao mercado de trabalho, vai aumentar a arrecadação. Portanto você pode ter um bônus demográfico. O Brasil pode ter uma janela de oportunidade demográfica. A sustentação financeira da Seguridade depende menos da demografia e mais das opções macroeconômicas que forem adotadas nas próximas quatro décadas.

Outro ponto importante. Vai chegar um momento, provavelmente no final do século, onde o Brasil terá uma estrutura etária parecida com a dos países europeus. O que a Noruega faz? Ela tem petróleo e ela criou um fundo com impostos arrecadados da indústria do petróleo. Nós temos o Pré-Sal. Nós estamos criando o fundo soberano do Pré-Sal que, se for capitalizado durante 50 anos, ele será uma defesa para o país contra conjunturas econômicas adversas. Mas uma parte deste fundo soberano poderá financiar a Seguridade Social. É o que a Noruega está fazendo. Esta é uma alternativa perfeitamente viável para o Brasil.







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